segunda-feira, 2 de abril de 2012

Celso Furtado e o desenvolvimento econômico


Celso Furtado – 1920-2004 – foi o mais importante e mais admirado economista Brasileiro do século XX. Deixou uma vasta obra de economia, que pode ser classificada em cinco grandes temas...

1 – História econômica do Brasil e da América Latina.

2 – Teoria do desenvolvimento econômico e do estruturalismo.

3 – Teoria da dependência.

4 – Problemas macroeconômicos da inflação e comércio internacional.

5 – Recomendações de política econômica.

É muito difícil estabelecer uma ordenação de prioridade nessa lista de campos de interesse. Se fizermos uma enquete sobre a obra de Furtado, seguramente o seu livro sobre a Formação Econômica do Brasil é o trabalho mais conhecido.

Felizmente, esse problema de como estabelecer prioridades foi resolvido pelo próprio autor, que avaliou sua própria obra e fez uma retrospectiva sobre seu trabalho em meados de 1985. O Banco Mundial publicou dois livros, sobre os Pioneiros do Desenvolvimento. No segundo livro, Pioneers in Development – Second Series, editado por Gerald M. Meier em 1987 , Furtado deu uma entrevista sobre sua obra.

Os organizadores do livro consideraram que a especialidade de Furtado era na área de Estruturalismo e Dependência. O trabalho de Furtado foi comentado por Vittorio Corbo.

Nessa retrospectiva, Furtado ressaltou os seguintes assuntos :

1 – Razões do atraso – Furtado começa sua retrospectiva colocando a seguinte questão: por que os países que emergiram como resultado da expansão econômica da Europa – e que foram organizados para facilitar essa expansão – ficaram tão para atrás em seu desenvolvimento? Segundo Furtado, essa questão é o coração do seu pensamento sobre subdesenvolvimento. Nesse sentido, Furtado pergunta por que esses países são subdesenvolvidos? É isso um estágio evolucionário, ou é uma configuração estrutural que tende a se perpetuar? A fim de responder essas questões, o economista disse...

A necessidade de pensar em termos históricos levou-me a colocar uma questão metodológica : como que as ciências sociais, e especialmente a Economia, podem contribuir para o estudo da história? Os historiadores europeus da Ecole des Annales perguntaram uma questão parecida, Eles procuraram ajuda nas Ciências Sociais. Eu, como um cientista social, procurei isso na História”( p. 203).

2 – O economista como historiador – Segundo Furtado, o subdesenvolvimento não poderia ser explicado por teorias de crescimento econômico. De acordo com ele, ao olhar a História como um economista, acabou se convencndo que o quadro conceitual convencional foi o resultado de se observar estruturas sociais que foram formadas pelo capitalismo industrial. O economista critíca ainda, a economia mainstream , citando Prebisch em sua consideração de falso universalismo da economia. Furtado dá grande importância ao conceito do excedente social, desenvolvido pela Escola da Fisiocracia, como a base do processo de acumulação. Segundo ele, esse conceito foi o seu ponto de partida para examinar o desenvolvimento econômico em seu contexto histórico.

3 – As anomalias da economia brasileira – Nessa questão, Furtado se reporta à crise do café das primeiras décadas do século, quando os fazendeiros de café compeliram o governo brasileiro a fazer uma intervenção no mercado, comprando estoques de café para evitar um excesso de produção. Segundo ele, a intervenção governamental, ao manter os preços de café altos e estáveis, ajudou a determinar os níveis de renda doméstica e os termos de comércio internacional. A regulação da economia feita exclusivamente por forças de mercado levaria à instabilidade e à deterioração dos termos de intercâmbio. O que se viu foi que a intervenção governamental traduziu-se em políticas monetárias e fiscais restritivas, que acabaram prejudicando o desenvolvimento dos mercados domésticos.

Nas palavras de furtado... Embora a intervenção do governo tenha introduzido racionalidade, os economistas da época consideraram essa intervenção como uma anomalia e foram além do seu campo usual de pesquisa para estudar esse assunto. (p. 207)

Conforme assinalado pelo autor, ele abandonou a visão convencional de atraso da economia brasileira ao estudar o comportamento anômalo da economia durante a Grande Depressão de 1929-33. Dessa maneira, começou a interpretar as políticas macroeconômicas, o comportamento da inflação e do câmbio, o processo de industrialização, a utilização de tecnologia e a visão da produtividade à luz de um fenômeno social holístico.

4 – Estruturalismo e dependência – Furtado assinala que esse amplo quadro histórico irá servir de base para o enfoque estruturalista. Segundo ele, o Estruturalismo, tal como desenvolvido nos de 1950, acentuou a importância de parâmetros não econômicos nos modelos macroeconômicos. Diz ele ...

Já que o comportamento das variáveis econômicas depende significativamente desses parâmetros – que tomam forma e evoluem num contexto histórico – não se pode separar o estudo de fenômenos econômicos de seu contexto histórico. Essa observação é de relevância particular para os sistemas econômicos heterogêneos –socialmente e tecnologicamente – tais como aqueles das economias subdesenvolvida. (p. 209-210).

Furtado comenta que, devido a que os fatores não econômicos – sistema de propriedade da terra, controle das empresas, composição da força de trabalho, etc. – formam a matriz estrutural dos modelos dos economistas, aqueles que enfatizam o estudo desses parâmetros eram chamados de Estruturalistas. Furtado admite que, em um certo sentido, os Estruturalistas Latino-Americanos retornaram para a tradição Marxista, pois enfatizavam a análise das estruturas sociais como uma maneira de compreender o comportamento dos agentes econômicos.

Chama a atenção, ainda,  para o fato que, aparte da dominação colonial, o fenômeno da dependência é manifestado inicialmente na área cultural : padrões de consumo são transplantados como um resultado do excedente gerado por meio das vantagens comparativas estáticas do comércio internacional. A partir daí, Furtado examina o papel da tecnologia, e conclui que a industrialização avança simultaneamente com a concentração de renda. Em sua palavras...

Verificando-se que os padrões de consumo de uma minoria copiam os padrões dos países que são líderes no progresso tecnológico e que têm um alto nível de acumulação de capital, qualquer tentativa de adaptar a tecnologia será rejeitada.
 
E continua...
O crescimento econômico tende a depender da habilidade das classes que se apropriam do ‘excedente’ de convencer a maioria da população à aceitar um alto nível de desigualdades sociais. Só o processo político pode alterar esse quadro. A principal idéia que sintetiza minhas reflexões como um economista sobre a história é a dicotomia desenvolvimento – subdesenvolvimento. (p. 211).

5 – Teoria do excedente social - Para Furtado, o conceito de excedente pode se basear na simples e universal observação que a divisão social do trabalho aumenta sua produtividade. Acumulação é a força aglutinadora da estratificação social e ela legitimiza a estrutura de poder, mas ela também é um vetor de progresso técnico. O Excedente pode ser apropriado de duas maneiras: autoritário e mercantil, este  baseado em trocas.

Nas sociedades complexas, essa apropriação combina essas duas maneiras segundo diversas composições. Para o autor, a evolução da sociedade capitalista mostra duas fases claramente definidas. A primeira é marcada por uma fuga da dominação social baseada em uma apropriação autoritária do excedente, e por uma ascenção da classe mercantil por uma posição de poder. A segunda fase é definida pela organização das massas assalariadas e por sua crescente importância nas estruturas do poder.

6 – Sistema centro periferia – Marcado por uma expansão e crescente complexidade do núcleo original, seguida por uma ocupação das regiões de clima temperado e baixa densidade populacional por europeus; por uma expansão dos canais comerciais e por um aumento da divisão internacional de trabalho; e pela emergência da periferia. O excedente que fica na periferia desempenha um papel chave na aculturação, e opera como um vetor de valores culturais do core industrial em expansão. Existem quatro situações...
·        apropriação do excedente apenas para o benefício do Centro;
·        apropriação de parte do excedente por elementos da classe dominante local;
·        apropriação de parte do excedente por grupos locais que o usam para expandir sua própria esfera de ação;
·        apropriação de parte do excedente pelo Estado.

Furtado conclui que o aspecto distinto da formação da periferia foi o ímpeto para a modernização da demanda por bens finais sob condições de imobilidade social devido ao desenvolvimento defasado das forças produtivas.

7 ) Frustrações de um reformador – Segundo o economista, suas reflexões sobre o subdesenvlvimento durante os 50 têm três implicações para a política econômica...

1 – Abandono do critério de vantagens comparativas estáticas como base para a incorporação na divisão internacional do trabalho.

2 – Introdução do planejamento como um instrumento guia para o governo, cujas funções na área econômica provavelmente se expandirão à medida que a luta para superar o subdesenvolvimento se torna mais intensa.

3 – Fortalecimento das instituições da sociedade civil – principalmente sindicatos rurais e urbanos –, que se pode esperar irão ampliar as bases sociais subjacentes ao Estado e a se oporem aos padrões existentes de distribuição de renda.

O comentador do trabalho, Vittorio Corbo, apresentou críticas ácidas acerca das recomendações de Furtado.

Com relação ao abandono do critério de vantagens comparativas estáticas, Corbo chama a atenção para o erro da América Latina em adotar uma estratégia de desenvolvimento para dentro, com incentivos para uma ampla industrialização. Segundo Corbo, já existe uma vasta literatura rejeitando tanto a hipótese de deterioração secular dos termos de intercâmbio, como da existência de externalidades dinâmicas proporcionadas pela indústria substituidora de importações. Ainda segundo Corbo, os estudos acentuam os grandes custos econômicos associados com a estratégia de substituição das importações e do forte viés anti-exportação que defluiu dessas políticas.

Sobre o papel do planejamento, Corbo questiona a existência de rigidezas estruturais causadas por falhas de mercado, e, mesmo se existissem, se um planejamento generalizado poderia influenciar a atividade econômica. Corbo apresenta o exemplo de vários países que tentaram – e depois desistiram – desse comprehensive planning.

Finalmente, com relação ao fortalecimento das instituições da sociedade civil, Corbo está de acordo com Furtado. No entanto, ao invés da ênfase em sindicatos, Corbo é a favor de instituições que criem incentivos positivos para a agricultura e para a criação/adoção de métodos de produção intensivos de mão-de-obra.

Fonte
MELLO, Pedro Carvalho de. Celso Furtado e o desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: FGV Online, 2006.

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