O conceito de desenvolvimento local passou por importante reformulação nas últimas décadas, especialmente quando vinculado à noção de políticas públicas territorializadas. Em oposição aos modelos centralizados e homogêneos de promoção do desenvolvimento, o enfoque local defende um processo endógeno e participativo, capaz de mobilizar as energias e os recursos sociais, econômicos, culturais e ambientais de pequenas unidades territoriais.
Nesse sentido, torna-se imprescindível compreender como as políticas públicas podem fomentar ou restringir os processos de transformação territorial, especialmente diante das exigências contemporâneas de sustentabilidade, inclusão e competitividade.
1. Fundamentos do Desenvolvimento Local: Autonomia e participação
O desenvolvimento local caracteriza-se, sobretudo, como um processo de base territorial que emerge a partir da mobilização de atores locais em torno de um projeto coletivo (BUARQUE; BEZERRA, 1994). Seu caráter endógeno está associado à valorização das potencialidades específicas do território, o que exige uma abordagem participativa e integrada das políticas públicas. Essa lógica rompe com a visão tradicional de planejamento top-down, deslocando o foco para o fortalecimento da capacidade institucional e política das comunidades locais.
Arto Haveri (1996) observa que as comunidades tendem a se especializar em áreas onde possuem vantagens comparativas, reforçando a importância de políticas públicas que identifiquem e incentivem essas vocações territoriais. Isso demanda, por parte do Estado, instrumentos de planejamento descentralizado, políticas de fomento à economia solidária, apoio à inovação e estratégias de desenvolvimento compatíveis com a realidade socioterritorial.
2. Políticas Públicas como vetores de Desenvolvimento Local
Para que o desenvolvimento local se materialize como processo sustentável, as políticas públicas precisam operar em múltiplas frentes. Ladislau Dowbor (2003; 2004) destaca a importância de políticas que articulem emprego, renda e infraestrutura local. Segundo o autor, frentes de trabalho, economia da família e estímulo à demanda interna são elementos-chave para dinamizar economias locais fragilizadas.
Nesse sentido, políticas públicas eficazes devem combinar:
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Planejamento territorial participativo: conforme Oliveira (2001), a participação social no planejamento local é fundamental para garantir legitimidade, capilaridade e adequação das políticas às realidades vividas.
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Apoio à organização produtiva local: como nas experiências relatadas por França et al. (2002; 2004), políticas de apoio à formação de cooperativas, arranjos produtivos locais (APLs) e redes de economia solidária geram inclusão e valorização dos saberes locais.
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Capacitação e qualificação profissional: iniciativas que promovem formação técnica e educação continuada são indispensáveis para fortalecer a autonomia econômica das populações.
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Integração multiescalar: como ressaltam Meyer-Stamer (2001; 2004) e Castells e Borja (1996), o desenvolvimento local exige articulação com políticas regionais, nacionais e internacionais, garantindo que as localidades estejam inseridas em redes de circulação de conhecimento, investimentos e inovações.
A análise das experiências bem-sucedidas de desenvolvimento local, conforme Caldas e Martins (2004), revela que sua efetividade está fortemente condicionada à existência de políticas públicas articuladas, estáveis e orientadas para resultados sociais.
3. Governança e construção de consensos locais
A governança participativa é uma dimensão estruturante do desenvolvimento local. Conforme destaca Boaventura de Sousa Santos (2002), a construção de alternativas não capitalistas passa pela reconfiguração do poder local, com maior protagonismo dos cidadãos e das redes de colaboração social. Essa abordagem amplia o papel das políticas públicas para além da provisão de bens e serviços, conferindo-lhes uma função pedagógica e emancipadora.
A experiência de Lages (SC), analisada por Márcio Moreira Alves (1988), ilustra como a democracia participativa pode ser incorporada às políticas públicas municipais. A institucionalização de conselhos, fóruns e instâncias deliberativas fortalece a capacidade de resposta das comunidades às suas próprias demandas, transformando o poder público em mediador de interesses e indutor do desenvolvimento.
4. Desafios e oportunidades para a formulação de Políticas Públicas
Apesar dos avanços conceituais e das experiências bem-sucedidas, o desenvolvimento local enfrenta desafios importantes para a consolidação de políticas públicas eficazes. A ausência de continuidade administrativa, a fragmentação institucional, a dependência de transferências intergovernamentais e a escassez de capacidade técnica e financeira local são entraves recorrentes (MEYER-STAMER, 2004).
Superar esses obstáculos requer:
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Construção de capacidades institucionais locais;
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Adoção de metodologias participativas de planejamento, como as sistematizadas pela EMBRAPA e por iniciativas como o Programa Gestão Pública e Cidadania da FGV;
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Articulação de parcerias público-privadas e redes de cooperação intermunicipais;
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Mensuração e monitoramento do desenvolvimento, com a criação de indicadores locais, como propõe o “Método de Construção do Índice de Desenvolvimento Sustentável Local”.
Considerações Finais
O desenvolvimento local, entendido como um processo endógeno, participativo e sustentável, depende da formulação e implementação de políticas públicas sensíveis às especificidades territoriais. O papel do Estado, nesse contexto, deve ser o de facilitador, articulador e garantidor dos meios necessários para a construção de capacidades locais. A experiência brasileira tem demonstrado que, quando adequadamente orientadas, as políticas públicas são capazes de criar as condições para que os territórios se tornem protagonistas de seus próprios processos de desenvolvimento.
A construção de um novo paradigma de política pública, centrado na governança democrática, na territorialização das ações e na valorização do capital social, constitui um caminho promissor para enfrentar as desigualdades regionais e promover um desenvolvimento mais justo, solidário e sustentável.
Referências
ALVES, Márcio Moreira. A Força do Povo: democracia participativa em Lages. São Paulo: Brasiliense, 1988.
BUARQUE, Sérgio; BEZERRA, Elimar. Desenvolvimento Local Sustentável. Brasília: Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, 1994.
CALDAS, Eduardo; MARTINS, Rafael. “Uma Análise Comparada de Experiências de Desenvolvimento Local”. UNESP/Rio Claro, 2004.
CASTELLS, Manuel; BORJA, Jordi. Local y global: la gestión de las ciudades en la era de la información. Madrid: Taurus, 1996.
DOWBOR, Ladislau. Frentes de trabalho: uma proposta que gera emprego, desenvolve infraestruturas, e dinamiza o crescimento. 2004. Disponível em: http://www.dowbor.org
FRANÇA, Cássio Luiz; CALDAS, Eduardo; VAZ, José Carlos. Aspectos econômicos de experiências em desenvolvimento local. São Paulo: Instituto Pólis, 2004.
HAVERI, Arto. Governance of Local Development: The Finnish Experience. 1996.
MEYER-STAMER, Jörg. Por que o desenvolvimento econômico local é tão difícil, e o que podemos fazer para torná-lo mais eficaz? FES-ILDES, 2004.
OLIVEIRA, Francisco de. Aproximações ao enigma: o que quer dizer desenvolvimento local? São Paulo: Instituto Pólis, 2001.
SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
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