segunda-feira, 23 de junho de 2025

Reconstrução categorial de O Capital à luz de seus esboços: a instauração da crítica da economia política (1857-1863) de Leonardo Gomes de Deus

A tese de doutorado de Leonardo Gomes de Deus, defendida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2010, constitui uma importante contribuição aos estudos marxistas ao abordar, com rigor filosófico e metodológico, o processo de constituição da crítica da economia política em Karl Marx. O autor propõe uma reconstrução categorial do pensamento de Marx com base em seus manuscritos preparatórios — especialmente os Grundrisse (1857-58) e o Manuscrito de 1861-1863 —, examinando como, nesse intervalo, Marx estrutura os fundamentos teóricos que culminariam na redação de O Capital.

Objetivo e abordagem metodológica

Leonardo de Deus propõe uma leitura sistemática do percurso teórico de Marx, buscando compreender como se dá a formação das categorias centrais de sua crítica. Ao invés de tratar O Capital como obra acabada ou produto isolado, o autor investiga os seus esboços, manuscritos e reorganizações, valorizando os momentos de inflexão, continuidade e ruptura no interior do processo intelectual marxiano. Essa abordagem coloca em relevo o caráter “processual” da teoria crítica, em oposição a leituras dogmáticas ou meramente historicistas.

A tese articula o método dialético com uma leitura filológica precisa dos textos marxianos. Dessa forma, a análise das categorias como “valor”, “trabalho”, “dinheiro” e “capital” é feita à luz de seu movimento interno e de seu lugar nos diferentes momentos da obra, sem perder de vista a totalidade do projeto teórico.

Principais contribuições

Um dos méritos centrais do trabalho está na distinção que o autor estabelece entre as “categorias fundantes” e a “estrutura expositiva” da crítica da economia política. Enquanto as primeiras dizem respeito ao núcleo lógico da análise de Marx — como valor, mais-valia, capital —, a segunda está relacionada à forma como essas categorias são apresentadas nos diferentes manuscritos e reorganizadas em O Capital. Essa distinção permite compreender as alterações nos planos de redação das obras e as variações na centralidade de certas categorias sem perder a coerência do projeto marxiano.

Outro ponto de destaque é a valorização do Manuscrito de 1861-63, muitas vezes negligenciado nos estudos marxistas em favor dos Grundrisse ou da edição final de O Capital. Leonardo demonstra como esse manuscrito representa um momento de amadurecimento da crítica marxiana, em que categorias como “subsunção formal e real do trabalho ao capital” e “produção e circulação” começam a ser articuladas com maior sistematicidade.

A tese também enfatiza que a crítica de Marx não é apenas uma crítica da economia enquanto ciência, mas uma crítica ontológica das formas sociais do capitalismo. Nesse sentido, a economia política clássica (como em Smith e Ricardo) é desvelada por Marx não por seus “erros” conceituais, mas por sua limitação histórica: a naturalização das formas sociais do capital.

Avaliação crítica

A escrita de Leonardo Gomes de Deus é densa, rigorosa e exigente, o que exige do leitor um certo domínio prévio das obras marxianas e da tradição hegeliana. No entanto, essa densidade é justificada pelo objetivo da tese: penetrar nas entranhas do processo lógico e histórico de formação da crítica da economia política. A obra se destaca tanto pelo domínio técnico da literatura quanto pela originalidade com que trata os manuscritos de Marx como textos vivos e em movimento.

Ao realizar uma “reconstrução categorial” e não meramente descritiva ou cronológica, Leonardo de Deus insere sua pesquisa em um campo crítico que se opõe às leituras economicistas ou mecanicistas do marxismo. Sua tese se alinha a uma tradição de interpretação que inclui autores como Roman Rosdolsky, Enrique Dussel e Roberto Schwarz, ainda que mantenha sua originalidade ao propor um percurso específico pelo interior da formação categorial marxiana.

Conclusão

A tese de Leonardo Gomes de Deus é uma contribuição valiosa para a teoria marxista, tanto no campo da economia política quanto no da filosofia crítica. Ao iluminar os caminhos tortuosos e complexos que Marx percorreu na construção de suas categorias, o autor nos permite entender O Capital não como um ponto de chegada absoluto, mas como um momento de condensação crítica em um processo aberto de investigação teórica.

Esta obra é leitura indispensável para pesquisadores das ciências sociais, da filosofia e da economia interessados em compreender, de forma rigorosa e profunda, a gênese e a estrutura da crítica da economia política. Mais do que um estudo sobre Marx, trata-se de um exercício exemplar de pensamento crítico em movimento.

Veja:

Reconstrução categorial de O CAPITAL à luz de seus esboços: a instauração da crítica da economia política (1857, 1863)

Autor: Leonardo Gomes de Deus

Link: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/AMSA-88EP6P

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