O processo hiperinflacionário brasileiro de 1987-1994, cada vez mais perverso, transferia renda dos pobres para os não-pobres, piorando a grave concentração de renda. Inviabilizava o cálculo econômico e o planejamento das empresas, inibindo o investimento e inovação. A inflação corroía salários, aumentava custos de transação e minava a produtividade. O potencial de crescimento se esvaía. A inflação funcionava como um imposto pernicioso, que prejudicava essencialmente os pobres.
No ano anterior ao Plano Real, o economista Eduardo Giannetti da Fonseca escreveu um excelente estudo sobre os males da inflação, disponível em http://pt.braudel.org.br/publicacoes/braudel-papers/01.php. Lá está a famosa afirmação de John Maynard Keynes sobre a inflação, de 1919. “Não há forma mais sutil e segura de destruir os alicerces da sociedade do que a desmoralização de sua moeda. Esse processo engaja todas as forças ocultas das leis econômicas que nem um homem em um milhão é capaz de diagnosticar.”
O estudo realça que a inflação estimula o imediatismo, pois “cria um clima de incerteza e insegurança em relação ao futuro”. Incentiva o oportunismo econômico, pois o sucesso não vem da competição no mercado. Surge com o “acesso privilegiado a Brasília ou aos detentores do poder político nos estados e municípios ou, então, a habilidade em tirar proveito do cassino financeiro obrigatório em que a inflação transformou nossa economia”.
Dois outros economistas, William Easterly e Stanley Fisher, examinaram o efeito da inflação especificamente sobre os pobres. O texto, de 2000, pode ser baixado em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=245806. “A curto prazo, um aumento na inflação acarreta um declínio no desemprego, que pode beneficiar os pobres. A longo prazo, todavia, não se pode reduzir permanentemente o desemprego e os efeitos da inflação sobre os pobres se revertem”.
Por aí se vê a falácia da tese de que um pouco mais de inflação impulsiona o crescimento. O benefício é passageiro. Depois, tal qual se dá com o alcóolatra que se entusiasma com os primeiros goles, a inflação vicia e contamina o organismo econômico. Uma leve mudança de patamar, de 4,5% para 7%, como agora, já causa estragos.
Uma inflação anual de 15% nunca será funcional. Tampouco o será uma de 6% a 7%. A visão benevolente sobre a inflação é ainda mais imprudente em um país onde a cultura de indexação impregna vastos segmentos da sociedade. Basta ver as recentes demandas de “reposição de perdas inflacionárias” de certas categorias de servidores públicos e as reivindicações de reajustes salariais superiores à inflação e à produtividade. Já está provado que aumentos desse tipo alimentam a inflação.
Felizmente, não corremos o risco de volta ao caos anterior ao Plano Real. Se o Banco Central não conseguir conter a inflação no limite superior da meta para 2011 (6,5%) nem sua convergência para o centro da meta em 2012 (4,5%), o senso de responsabilidade e de preservação de reputações falará mais alto em algum momento. Medidas serão adotadas para fazer a inflação retornar aos trilhos, o que nos terá custado sacrifícios desnecessários em termos de produção, renda e emprego.
Impressiona a resistência de teses que o tempo e a experiência desmoralizaram. Uma delas é a que imagina ser possível preservar certo ritmo de crescimento com uma inflação superior à da maioria dos países emergentes. Outra é a que desconsidera o papel da taxa de juros na contenção da demanda e, na defesa da estabilidade da moeda. Os pobres, que mais perderam com a inflação, parecem saber mais atinar os seus males do que muitos letrados conseguem diagnosticar suas causas e prescrever remédios para curá-la.
Resta o consolo de que estamos livres dos horrores da hiperinflação. Se a inflação ameaçar fugir ao controle, será suicídio político não reverter o processo e restaurar a estabilidade dos preços. E desta vez não haverá como recorrer a congelamentos.
Maílson da Nóbrega – revista Veja
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