A fraude no Ministério das Cidades, escancarada pelo Estadão, mostra a que ponto chegou a degradação da administração pública federal.
O ilícito é consequência direta do loteamento político dos cargos do governo federal, que permite a pessoas sem a qualificação adequada, moral e técnica, ascender a postos de destaque nos órgãos do governo.
Como se viu, um parecer técnico objetou a mudança de projeto associado às obras da Copa do Mundo em Cuiabá (MT). De um corredor para ônibus, o projeto passaria a contemplar uma linha de Veículos Leves sobre Trilhos (VLT), cujo custo passaria de pouco menos de R$ 500 milhões para cerca de 1,2 bilhão, ou R$ 700 milhões a mais.
O governador do Estado pressionou diferentes áreas do governo federal para obter a aprovação da substituição. Falou com a presidente Dilma, o vice-presidente Temer, a chefe da Casa Civil, ministra Gleisi Hoffmann, e, claro, o ministro da Cidades, Mário Negromente. Até aí, nada de mais.
Pressões desse tipo sempre existiram e existirão, aqui e alhures. A decisão política de atender o governador também está conforme práticas de governo, mais aqui do que lá fora, mas nada escandaloso.
Acontece que atender o pedido implicaria rever o parecer técnico constante do respectivo processo. Seria necessário aduzir argumentos capazes de levar o funcionário de carreira a rever a posição externada ou contestá-la. Quem já labutou no governo sabe que esse tipo de procedimento é normal, pois nenhuma opinião pode ser considerada definitiva.
A parte interessada, no caso o governo do Mato Grosso, tinha legitimidade para solicitar a revisão. Se, todavia, tais argumentos não existissem, deveria prevalecer a posição inicial, que ademais era respaldada por ponto de vista semelhante, externado pela Controladoria Geral da União.
De acordo com documentos e gravações a que o jornal teve acesso, dirigentes do Ministério das Cidades tentaram primeiramente forçar o servidor a mudar o parecer, o que em si já seria grave.
Diante da recusa, poderiam ter optado por buscar justificativas que viabilizassem a decisão política ou mostrassem a impossibilidade de atendimento do pedido do governador.
Em vez disso, fraudaram o processo, substituindo o parecer por outro em conformidade com a decisão política.
A responsável pela manobra declarou que o parecer deveria refletir a opinião do governo e não a do funcionário. Inacreditável.
O parecer fraudado serviria também para fazer prova perante o Ministério Público em Cuiabá, um agravante do caso. O ministro das Cidades prometeu uma sindicância interna para apurar a suspeita de fraude.
Espera-se que a investigação não seja apenas para constar, nem que, eventualmente comprovada a denúncia, o malfeito fique impune.
Maílson da Nóbrega
Nenhum comentário:
Postar um comentário