sábado, 18 de fevereiro de 2012

Mesmos cortes, outros resultados



A moda dos cortes no orçamento, em vigor na Europa dos últimos dois anos, acaba de desembarcar no Brasil. Mas, como quase tudo que se faz nos trópicos, chegou temperada pelo famoso "jeitinho" brasileiro. Não que o corte seja pequeno. Vai a R$ 55 bilhões (equivalentes a € 24,5 bilhões), o que é sempre muito para um país ainda subdesenvolvido, por mais que os mercados prefiram agora chamá-lo de emergente. Equivale a 6,3% do orçamento original.

O "jeitinho" se dá pelo fato de que quase a metade do corte anunciado (R$ 20 bilhões ou pouco menos de € 9 bilhões) não são cortes efetivos mas em expectativa de gastos.

De todo modo, há uma semelhança e uma colossal diferença entre os cortes à brasileira e a austeridade europeia. A semelhança: o objetivo no Brasil também é o de sinalizar aos mercados que a dívida pública continuará se reduzindo, como proporção do PIB. Ou seja, o Brasil quer conservar a imagem de bom pagador, construída a elevado custo nos últimos 10 ou 15 anos.

Diz editorial do jornal "Folha de S. Paulo": "Essa é a mensagem mais relevante a reter do anúncio de que o governo deixará de gastar cerca de R$ 55 bilhões dos R$ 866 bilhões de despesa autorizada pelo Congresso Nacional".

O governo se compromete a manter um superávit primário - ou seja, receitas menos despesas, excluídos os gastos com juros da dívida - na imponente altura de 3,1% do PIB. São as gotas de sangue oferecidas às piranhas dos mercados financeiros.

Mas, ao contrário da Europa, os cortes não devem provocar recessão nem mesmo desaceleração do crescimento, ao menos na avaliação do próprio governo. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, jura que o crescimento de 2012 ficará em torno de 4,5%, mais do que os 4%, pouco ou mais, previstos para 2011.

O governo jura também que os cortes não afetarão os investimentos sociais, do que duvida um analista como Josias de Souza, um dos blogueiros mais relevantes e competentes do Brasil
(http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2012/02/15/dilma-puxa-faca-r-55-bi-nem-saude-escapou/).

É razoável supor que, em relação ao crescimento, o governo tenha razão. Por um motivo simples: o crescimento brasileiro tem sido alavancado por um mercado interno desde sempre formidável (200 milhões de habitantes não é para qualquer país), mas que se tornou realmente relevante a partir do aumento da renda familiar ocorrido nos últimos oito anos.

O consumo, por sua vez, depende, como é óbvio, da manutenção do emprego. No Brasil -e eis a grande diferença com a Europa - há quase pleno emprego. Só não há também pleno consumo porque a renda, por mais que tenha aumentado, ainda é baixa na comparação com qualquer país europeu.

Mesmo a desaceleração do ano passado (o crescimento reduziu-se praticamente à metade dos luminosos 7,5% de 2010), não houve aumento do desemprego.

O problema, para o médio prazo, é que as taxas de crescimento continuam muito aquém das necessidades de um país em desenvolvimento e muito abaixo das que registram, por exemplo, a China e a Índia, parceiros do Brasil nos Brics.

Um dos motivos é justamente a elevada porcentagem do orçamento que vai para o pagamento da dívida, uma relação assim analisada no editorial da "Folha de S. Paulo": "Embora a dívida pública baixe como proporção do PIB, o débito é integralmente refinanciado a cada três anos. O país está para completar uma década de crescimento ao ritmo de 4% ao ano, com alta ainda maior da receita de impostos, mas o setor público ainda registra seus déficits de 2,5% do PIB".

Há um segundo problema, este político, na maneira como a presidente Dilma Rousseff decidiu fazer os cortes: eles atingirão todas as emendas apresentadas por parlamentares. Aceitar tais emendas é uma maneira de manter o apoio de partidos basicamente de aluguel, em uma operação típica de compra e venda, usual na política brasileira desde sempre.

É evidente que o corte vai provocar irritação entre tais partidos, de que dá prova a declaração de Lincoln Portela, líder do PR (Partido da República, que não se perca pelo nome): "Se for corte das emendas individuais, o governo bebeu; se for corte das emendas de bancada, o governo bebeu também".

Como o governo está sóbrio, falta saber como será a reação do PR e outros partidos semelhantes na hora de votações importantes no Congresso.

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