terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Resolvendo um grande problema enquanto ele ainda é pequeno


A modelagem do desenvolvimento brasileiro verificado na segunda metade do século passado promoveu um intenso processo de migração rural-urbana. Os bônus da industrialização centraram-se em algumas cidades. Mas seus impactos foram sentidos por todo o país.

A migração em massa para as cidades impôs aos brasileiros uma profunda mudança de valores culturais e, também, que uma gigante parcela vivesse em situação de pobreza e com crescente violência urbana. O poder público não conseguiu ofertar serviços ao ritmo do crescimento das demandas sociais, agravando o abismo social entre os mais ricos e os mais pobres.

Esta é uma tendência que se verifica: a demanda cresce em progressão geométrica enquanto a oferta de serviços cresce em progressão aritmética. A reversão desse processo, ou seja, o conserto dessa realidade, é custoso e lento. Os índices de concentração de renda do país ainda figuram no topo da desigualdade, rivalizando com os países mais pobres do planeta.

Experimentamos, no período dos “grandes projetos”, uma entressafra de gerações. Depois dos babyboomers (que tinham expectativa de bons empregos), vieram os “X” (mais educados, os atuais executivos), depois os “Y” (com novos valores e comportamentos). Agora já se fala na geração “Z”, conectada à tecnologia, ágil, fazendo várias coisas ao mesmo tempo, uma geração que não conheceu o mundo sem telefone celular. Fala-se em seis classes de consumo e a agenda social está mudando.

Os modelos, as causas, as grandes bandeiras, as imagens aguardam serem eleitas pela sociedade, e ainda não sabemos ao certo o que queremos nos tornar no futuro. Esses valores e anseios da população desse novo tempo precisam estar inseridos nas políticas públicas para mantermos os talentos, base para o nosso melhor desenvolvimento.

O Espírito Santo possui características peculiares em seu desenvolvimento. Com uma industrialização mais tardia que a verificada nos estados vizinhos, ainda estamos vivenciando esse crescimento. As decisões econômicas criaram algumas grandes plantas industriais (dos setores de mineração, siderurgia e celulose) que modificariam sobremaneira a composição de nosso PIB, até então concentrado nos galhos da cafeicultura, nos tornando grande exportador de commodities. Os incentivos fiscais e financeiros estaduais constituídos nesse período contribuíram para moldar a economia capixaba como sendo especializada em comércio exterior.

O Estado experimentou, em poucas décadas, a mesma rápida concentração urbana pela qual passou o Brasil. Produziu bolsões de pobreza na metrópole e esvaziamento de sua zona rural (ainda que nossa estrutura fundiária centrada em produtores familiares nos oferecesse uma melhor distribuição da terra que a encontrada em quase todo o país) de forma a questionarmos o bem-estar social alcançado pelos capixabas.

As concretas projeções de investimento em novas grandes plantas industriais (sob a liderança da indústria do petróleo e do gás) nos garantem um crescimento a taxas chinesas nesta década. Mas poderíamos continuar com a sensação de que o crescimento econômico do Estado não distribui os seus frutos para todos. Haveria, então, um modelo a seguir? 

Certamente, o que queremos nos tornar não inclui o desenvolvimento econômico concentrado em alguns municípios, que alimenta a criação de novos bolsões de miséria em centros dinâmicos e o esvaziamento de outras cidades e mesmo de arranjos produtivos tradicionais no Estado, como agricultura, vestuário, móveis, ou rochas ornamentais. 

O conceito de sustentabilidade em suas vertentes econômica, social, ambiental e cultural nos disciplina a buscar um desenvolvimento que atenda às necessidades do presente, sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de também atenderem as suas próprias necessidades. 

Vemos filhos deixando a terra dos pais para buscar um futuro melhor em cidades maiores. Nas regiões capixabas de baixo dinamismo econômico podemos perceber a insegurança de chefes de família quanto ao futuro de seus filhos e, diante de um novo ciclo de crescimento, agora concentrado na faixa litorânea capixaba, sentem-se atraídos por mais um chamamento para a migração.

É preciso transformar essas regiões interioranas, carentes de dinamismo, em comunidades empreendedoras com qualidade de vida atraente, inclusive, para os jovens por meio de ações que garantam um desenvolvimento regionalmente equilibrado.

Mas haveria um modelo a seguir? Qual o Estado no país – ou no mundo – que poderia servir de inspiração para o Espírito Santo construir o seu modelo de desenvolvimento?

Nós, capixabas, irmãos mais novos e durante muito tempo “primos pobres” do Sudeste do país, devíamos nos inspirar na lição ensinada pelos nossos vizinhos e não repetir um modelo de crescimento concentrador de riqueza que, depois de implantado, demanda do setor público recursos vultosos para resgatar os cidadãos excluídos. Repetir o modelo de concentração econômica é repetir o acirramento dos conflitos sociais já vivenciados principalmente nos grandes centros industriais do país. Queremos que em poucas décadas a geração de riqueza que está por vir tenha sido distribuída de forma harmônica entre os capixabas de todas as microrregiões.

Medidas criativas de fortalecimento dos municípios, como o Fundo de Combate às Desigualdades Regionais (FRDR), em que parte dos recursos de royalties que cabe ao Estado passou a ser distribuída aos municípios – segundo critérios que descentralizam recursos de regiões produtoras de petróleo e gás e da região metropolitana –, trazem uma receita nova que, se bem aplicada, melhora a qualidade de vida, a preservação ambiental, além da estrutura nas áreas sociais básicas.

O fortalecimento da rede de cidades capixaba, com criatividade e inovação, e os benefícios que trazem a criação ou a consolidação de cidades-polo de irradiação de desenvolvimento, com geração de riqueza e empregos, nas diversas microrregiões, são bem mais benéficos para todo o Estado que um modelo de crescimento econômico concentrado em determinada região, nos moldes de décadas atrás.

Além da disputa por localização de grandes plantas, como a implantação de refinaria ou parque petroquímico, o Espírito Santo mobiliza suas instituições para atrair projetos relevantes para a região, principalmente sob a ótica da diversificação econômica, formando novos setores, e para o preenchimento de elos faltantes em nossa cadeia de produção.

A Secretaria de Estado de Desenvolvimento (Sedes) e o Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes) articulam-se para atrair projetos de plantas de médio porte, com investimentos previstos entre R$ 30 milhões e R$ 100 milhões. Esses investimentos são de empresas âncoras que possuem grande capacidade de atração de outros novos projetos para o Estado, pois demandam contratação de serviços e compra de matérias-primas e insumos de empresas que podemos chamar de satélites. A ótica é a de buscar projetos que promovem o desejado desenvolvimento regional equilibrado, fortalecendo a rede de cidades, e não apenas lançar qualquer empresa para determinado município por uma questão de conveniência política.

As empresas satélites atraídas pelas âncoras distribuídas pelas cidades do entorno tornam-se ainda mais relevantes quando localizadas no interior, pois poderão ser responsáveis por um ciclo virtuoso de dinamismo regional ainda não vivenciado no Estado. Já estão sendo atraídas empresas nacionais, reconhecidas pela tradição e qualidade de seus produtos, de setores de bens duráveis e com considerável geração de valor agregado. O Espírito Santo já conseguiu atrair unidades fabris de motores elétricos, eletrodomésticos, estruturas metálicas para sistema de armazenagem, móveis de aço, entre outros. E que venham as empresas satélites. 

Essas unidades fabris de médio porte, foco de atuação da articulação do Bandes e da Sedes para implantarem-se no interior ou em regiões deprimidas da Grande Vitória, harmonizam o desenvolvimento e são potenciais geradoras de emprego, além de demandantes de qualificação profissional. Normalmente, são empresas que estão expandindo seus novos negócios para outros estados devido a problemas típicos de grandes centros industriais – caso de mão de obra escassa e de custos elevados de terrenos caros no seu entorno -, além de encontrarem no Estado incentivos fiscais e financeiros, rede de ensino técnico, vocações regionais e infraestrutura adequados. Outro fator a ser reconhecido é que esses projetos (âncoras e satélites) poderão contribuir para a melhor distribuição da quota-parte do ICMS para os municípios que os sediarem. O Estado está numa posição logística privilegiada para integrar o Norte e o Sul do país.

Outro fator de desigualdade é a legislação de distribuição dos recursos arrecadados pelo ICMS, que precisa ser revista. Deve ser superada a lógica de concentrar os recursos em municípios de baixa população que possuem grandes plantas industriais, pois esse modelo revelou-se concentrador de novos investimentos e condenou milhares de municípios brasileiros a mal sobreviverem de transferências que, a cada novo ciclo, se concentram ainda mais nos municípios industrializados.

O modelo chega a ser perverso quando, como é o caso do Espírito Santo, as grandes plantas industriais sequer recolhem ICMS (por se tratar de exportações desoneradas de impostos) e, ao serem pesados os critérios da distribuição da quota-parte do ICMS, retira-se parte dos recursos de outros municípios mais pobres, transferindo o ICMS recolhido ao município industrializado. 

Alguns dados do Índice de Participação Municipal (IPM) na distribuição da quota-parte do ICMS ilustram a desigualdade na distribuição da receita desse imposto entre os municípios capixabas. Atualmente, somente cinco municípios capixabas concentram mais da metade (51%) do IPM, sendo que Vitória e Serra juntas ficam com 36%. Alguns municípios do interior do Estado, que já tiveram participação importante na economia capixaba, como Cachoeiro de Itapemirim e Colatina, vêm perdendo parcela no IPM: o primeiro passou de 4,951% em 1990 para 3,181% em 2010, ao passo que Colatina caiu de 5,262% para 2,279% em iguais períodos.

A discussão da reforma tributária possui inúmeros vieses – um deles seria a revisão do pacto federativo, principalmente quanto à discussão da redistribuição das receitas com impostos arrecadados, pois os municípios ficam com apenas 14% do total e os estados com 26% e a União com 60% . Descentralizar esses recursos da União em prol dos municípios é uma medida necessária para o melhor equilíbrio do desenvolvimento.

Outra aposta é a negociação para que as empresas a serem atraídas ao Estado tragam, junto com sua planta industrial, unidades de pesquisa e desenvolvimento, como forma de estimular no Estado a produção de conhecimento, de integração do ensino e pesquisa ao mercado – ações que também estão previstas no planejamento estratégico do atual Governo.

De acordo com estudo da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), o Brasil já conta com 75 parques tecnológicos, que englobam mais de 500 empresas e já geram mais de 26 mil novos empregos. Estima-se que existam hoje cerca de 1.500 iniciativas semelhantes em todo o mundo.

Como exemplo nacional, podemos citar o parque tecnológico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), criado em torno do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes), que possui 16 nascentes em sua incubadora e começa agora a receber uma leva de grandes empresas, atraídas pelas oportunidades surgidas com os enormes desafios tecnológicos da exploração do pré-sal.

Os resultados dos parques já instalados no Brasil mostram que eles vêm cumprindo uma função essencial na realidade econômica, social e tecnológica em que estão inseridos. Esses centros podem ter grande impacto regional/setorial no âmbito nacional, ou, e acredito que assim seria no caso do Espírito Santo, focados em necessidades e desafios microrregionais e locais. São ambientes de inovações assim, no campo da Ciência e da Tecnologia, que o Bandes quer apoiar, a fim de transformar conhecimento em riqueza.

O Bandes é instrumento da política estadual de combate às desigualdades regionais. Busca cumprir seu papel de diferentes formas: apoiando fortemente atividades geradoras de emprego e renda, como o crédito para investimento aos produtores familiares do campo; o crédito às micro e pequenas empresas e informais de todo o Estado; e os financiamentos a taxas atraentes aos diversos arranjos produtivos do Estado.

O banco atua como líder em consórcios bancários para apoiar a implantação ou a ampliação de plantas industriais de portes médio e grande, trabalha na atração de novas empresas, em articulação com a Sedes, e, principalmente, atua como articulador e indutor do desenvolvimento descentralizado por meio de incentivos fiscais e financeiros em consonância com o plano estratégico de desenvolvimento do Espírito Santo.

É mais fácil resolver um grande problema enquanto ele ainda é pequeno: nosso foco é buscar distribuir os frutos do progresso com maior igualdade e equilíbrio para usufruirmos, em poucas décadas, de um crescimento harmônico em todos os municípios, com oportunidades para todos. Esse é o modelo de desenvolvimento que almejamos. O desafio que se apresenta é o de trabalhar com a intensidade necessária para a promoção de um novo padrão de desenvolvimento com maior equilíbrio entre as regiões capixabas.

Guerino Balestrassi - Diretor-presidente do Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes)


Revista Finanças dos Municípios Capixabas - Ano 17 - 2011

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