sexta-feira, 21 de junho de 2013

A “voz das ruas” não quer saber dos políticos...


Tudo já foi dito. Tudo que era possível entender para se poder dizer, até agora, já foi dito. Com menor ou maior verve e estilo, conforme o autor. E, no entanto, nada foi esclarecido: as causas, o porquê, as consequências continuam em busca de explicação: quais são? Quem as deslinda? No meio das manifestações, das passeatas, das turbulências e dos protestos, e para quem assistia a tudo pelas TVs, uma coisa, ao menos, parece fora de dúvida: os manifestantes não queriam saber da presença de nenhum político conhecido nem de nenhum partido político, “da base” ou “da oposição”. Os poucos que se arriscaram a tentar se imiscuir nas manifestações foram vaiados e expulsos, em alguns casos de forma truculenta. A “voz das ruas” não quer saber dos cochichos da politicalha.
Nossa presidente nos disse que é preciso ouvir “a voz das ruas”. Mas ela também não tem a menor ideia do que é que a “voz das ruas” está dizendo. Na juventude ela pegou em armas pensando que estava atendendo à “voz das ruas”. Enganou-se. As ruas não estavam pedindo para ninguém pegar em armas na ocasião. Deve estar equivocada de novo, se pensa que está ouvindo e entendendo direito o que as ruas estão dizendo.
Na verdade, o que se ouviu nas ruas até agora é pura algaravia. Altissonante, ensurdecedora, ameaçadora para muitos ouvidos, mas algaravia. Só o primeiro grito desencadeador é que foi claro: queremos passe livre (no transporte público). Depois, repórteres de todos os veículos se puseram em busca de um discurso inteligível, em vão.
É relativamente fácil adivinhar o que é as ruas não querem: não querem a soberba, a displicência, a negligência, o despudor, a corrupção e os desmandos que a classe política brasileira vem descaradamente praticando há anos, desde que conseguiu ocupar o lugar dos militares, que, aliás, com o torniquete na imprensa, nas escolas e na opinião pública em geral, abriram caminho para a impunidade e o descaramento civil dos políticos. A revolta parece dizer com clareza o que não quer.
Mas da revolta, ou das revoltas, não nascem necessariamente propostas de ação prática. Da revolta pode nascer uma revolução quando uma proposta viável precede à revolta e a conduz. Foi o caso das revoluções comunistas do século passado, da Rússia até Cuba. Ou, muito antes, na Revolução Francesa, que nos trouxe os governos “do povo, pelo povo e para o povo”, conforme nossas Constituições, em lugar dos governos “do rei, pelo rei e para o rei”, de até então. A revolta do povo alemão contra seus governos semimonárquicos e contra os sacrifícios que a derrota na 1.ª Guerra impôs só desaguou no regime nazista de Hitler porque havia um partido nazista preexistente e uma proposta nazista que o povo alemão, bem ou mal, aceitou como salvadora.
Portanto, a proposta precisa ter muita credibilidade, força mobilizadora e senso de oportunidade. Nesse caso, ela pode surfar na revolta, tomar conta do movimento e conduzi-lo. O que, por sua vez, exige uma organização, um partido formulador da proposta e promotor da organização.
Por enquanto, as ruas querem “mudar tudo isso que está aí”. A manchete da Folha de terça-feira sintetizava o querer revoltoso: Milhares vão às ruas ‘contra tudo’… Mas isso não é proposta. É protesto. E esse protesto o PT e Lula já tinham martelado na campanha eleitoral. Tanto não era proposta de verdade que foi esquecida no primeiro mês de governo petista.
O fato é que o povo purga frustrações acachapantes de esperanças políticas há mais de 60 anos. Desde o suicídio de Getúlio Vargas, seguido pouco depois pela estrondosa vitória e abjeta renúncia de Jânio Quadros, o que iria “varrer toda a bandalheira”. Veio o golpe militar para “acabar com o comunismo e a corrupção”. Aniquilou vários comunistas e promoveu a corrupção. Collor arrasou nas urnas combatendo “os marajás”, aos quais aderiu gostosamente antes de renunciar para não ser deposto.
Arrisco opinar que esse acúmulo de frustrações levanta a voz das ruas.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 20/06/2013

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