sábado, 19 de setembro de 2015

Campus do Cérebro DE Nicolelis já "engoliu" milhões e o tcu só encontrou “conjunto de irregularidades graves e falhas"...

Revista Época:
Obras do Campus do Cérebro, no Rio Grande do Norte, em 27 de agosto de 2015 (Foto: ASCOM Reitoria / UFRN)
Campus do Cérebro, promessa de polo de ensino, pesquisa e extensão em neurociência em Macaíba, no Rio Grande do Norte, seria inaugurado neste semestre de 2015. Seria. Ficou para o segundo semestre de 2016. 
O projeto, que tem como pai o renomado neurocientista Miguel Nicolelis, dinheiro público dos ministérios da Educação (MEC) e da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e participação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), coleciona conflitos entre responsáveis, problemas e atrasos.

O projeto se arrasta desde 2004, nomeado Instituto Internacional de Neurociências, ao ser concebido por Nicolelis à frente da Associação Santos Dumont (Aasdap) e por outros cientistas da UFRN. Foi modificado em 2007, quando foi ampliado para Campus do Cérebro. Mudou de novo em 2011, com os desentendimentos entre Nicolelis e Sidarta Ribeiro, neurocientista que também coordenava a empreitada – a briga entre os dois foi parar na imprensa. Em 2014, recebeu a promessa de R$ 247,5 milhões do MEC em um contrato de gestão firmado com o Instituto Santos Dumont (ISD), também de Nicolelis, que reduziu a participação da UFRN, a partir daí relegada somente a interveniente das obras. Esse breve resumo das idas e vindas está em um relatório do Tribunal de Contas a União (TCU). Um relatório nada positivo.
Obras do Campus do Cérebro, no Rio Grande do Norte, em 27 de agosto de 2015 (Foto: ASCOM Reitoria / UFRN)


















O documento foi concluído em setembro de 2014. Nele o TCU relata ter encontrado “conjunto de irregularidades graves e falhas que devem ser corrigidas com a devida urgência”, “com potenciais riscos para o controle e a fiscalização de recursos públicos federais”.
Problemas são variados. Segundo TCU, o contrato de gestão entre ISD, MEC e UFRN é vago, bem como a decisão do MEC de escolher o ISD como parceiro. Os contratos misturam Aasdap e ISD, ambas presididas por Nicolelis, porém só a segunda parceira de fato do MEC. O montante repassado pelo ministério não teve prévio estudo técnico. O tribunal mandou corrigir esses itens para evitar desperdício de dinheiro.
O TCU encontrou dificuldade até para definir o que é Campus do Cérebro e o que não é. Dois edifícios, o tribunal tem certeza, são: Escola Lygia Maria Rocha Leão Laporta (ELMRLL) e Centro de Pesquisa em Neurociência (IIN-ELS). Ambos estão sendo construídos pela UFRN, responsável por licitar, executar e fiscalizar as obras. O INN-ELS consumiu R$ 20 milhões na primeira etapa, e o ELMRLL, R$ 26 milhões na primeira e segunda etapas. Obras de infraestrutura básica levaram mais R$ 2 milhões. Passe a régua. Esses R$ 48 milhões foram informados a ÉPOCA pela UFRN.
Obras do Campus do Cérebro, no Rio Grande do Norte, em 27 de agosto de 2015 (Foto: ASCOM Reitoria / UFRN)


















Dos prédios que o TCU não conseguiu identificar se fazem parte do Campus do Cérebro, há dois Centros de Educação Científica (CEC): um em Natal, com filial em Macaíba, ambos no Rio Grande do Norte, outro em Serrinha, na Bahia. E há um terceiro edifício, o Centro de Educação e Pesquisa em Saúde – Anita Garibaldi, que o tribunal tampouco descobriu se integra o campus. Todos já foram inaugurados e estão sob a responsabilidade do ISD, de Nicolelis.
Os R$ 247.572.222 que o MEC prometeu ao projeto seriam repassados semestralmente ao longo de quatro anos, mas não chegaram nem à segunda parcela. Em setembro de 2014 o ministério mandou R$ 29.693.901 para o ISD. Esse dinheiro, diz o instituto, tem sido usado para a gestão das três unidades do CEC e do Centro de Educação e Pesquisa em Saúde. Para que a segunda parcela entre no caixa, é preciso prestar contas sobre o ano de 2014, e esse processo ainda perdura. O ISD elaborou relatório sobre o período de agosto a dezembro e mandou ao MEC. A Comissão de Acompanhamento e Avaliação do Contrato de Gestão do MEC avaliou o documento, mas o processo não terminou. Está “em fase final de análise”. O ministério também alega que a Lei Orçamentária só foi sancionada por Dilma Rousseff em 20 de abril de 2015, o que gerou mais atrasos. No fim das contas, informou o MEC a ÉPOCA, apesar de o cronograma de desembolso prever novos repasses em abril e outubro de 2015, tanto os valores quanto as datas dos pagamentos são apenas estimativas.
Obras do Campus do Cérebro, no Rio Grande do Norte, em 27 de agosto de 2015 (Foto: ASCOM Reitoria / UFRN)
Quanto às obras, virou um jogo de empurra-empurra. O ISD manda procurar o MEC, pois diz não ter a atribuição de conduzir as construções. O MEC avisa que a UFRN cuida da “elaboração de projetos, da licitação e da fiscalização das obras”. Já a UFRN diz que o cronograma anterior, que previa a inauguração do Campus do Cérebro no segundo semestre de 2015, tinha como pressuposto o sucesso de licitações, contratações e execuções. O que não ocorreu. 
A universidade afirma que “cumpriu e vem cumprindo o seu papel de responsável” em relação a dois prédios, ELMRLL e Centro de Pesquisa, porém acabaram-se as etapas que eram de competência dela. Nos projetos sem “indefinições de natureza técnica”, a UFRN relata ter licitado e levado adiante obras de infraestrutura. Nos que há, joga a bola de volta para o MEC e diz que “existem indefinições de projeto que estão fora do escopo da UFRN”. A reitoria da universidade enviou fotos a ÉPOCA no fim de agosto para comprovar o andamento das obras.
A intervenção do TCU, até agora, não forçou mudanças. O tribunal enviou a ÉPOCA documento datado de maio de 2015 no qual faz duas dezenas de determinações: a UFRN só deveria fazer novas licitações e contratações depois que o projeto global do Campus do Cérebro fosse atualizado; quase R$ 60 mil gastos na demolição de estruturas que acabaram de ser construídas tinham de ser devolvidos aos cofres públicos; o dinheiro pago a uma empresa de segurança que não prestava serviço algum deveria ser retornado; equipes de limpeza e dedetização deveriam ser instaladas na obra de uma das escolas; entre outras medidas para prevenir o mau uso de dinheiro público. A UFRN entrou com recurso. Alega que os dois prédios que tem construído, ELMRLL e Centro de Pesquisa, são parte do projeto do Instituto Internacional de Neurociências que contempla outras obras das quais não é responsável. O TCU ainda não chegou a uma decisão sobre o recurso, e por isso a universidade segue adiante.
O projeto de Nicolelis para tornar Rio Grande do Norte em polo global da neurociência já consumiu R$ 48 milhões de um lado, R$ 29,7 milhões do outro, dinheiro público, e fez 11 anos de idade. A depender de novas decisões do TCU e do entendimento entre os responsáveis, pode chegar à adolescência sem ter, de fato, sido inaugurado.
Obras do Campus do Cérebro, no Rio Grande do Norte, em 27 de agosto de 2015 (Foto: ASCOM Reitoria / UFRN)

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