segunda-feira, 30 de novembro de 2015

"procuradorias devem defender as instituições..."

Entrevista - Carlos José CavalcantiCoordenador do Marcco

O projeto de lei enviado pelo Governo para votação na Assembleia, prevendo que a Procuradoria Geral do Estado defenda os agentes públicos, quando processados por medidas adotadas na função, gerou reação contrária do Movimento Articulado de Combate a Corrupção. 

O coordenador do Marcco, Carlos José Cavalcanti, critica a proposta e observa que a missão das procuradorias é defender as instituições e não pessoas. “As procuradorias devem defender as instituições. Cada um dos agentes que sejam atacados que contratem advogados para se defender”, ressalta. 

Quando questionado se o Marcco estaria em crise, por criticar posições de membros do próprio Movimento, como o caso de auxílio moradia (agora requerido pelo Tribunal de Contas do Estado), o coordenador nega.  “Não há crise, o que há é que estamos discutindo questões sérias e que merecem ser discutidas”, ressalta.

Sobre o prédio comprado e abandonado pelo Ministério Público Estadual, Carlos José Cavalcanti afirma que o Marcco está acompanhando o caso. “Não deixamos o assunto de lado. Estamos esperando que o Ministério Público adote as providências devidas”, observa.

Confira a entrevista que o coordenador do Marcco concedeu à TRIBUNA DO NORTE:

Como o senhor avalia o mais recente episódio envolvendo corrupção no Brasil com a prisão do senador Delcídio Amaral?


O Marcco entende que é o momento em que o combate a corrupção está se tornando muito mais efetivo. No âmbito nacional temos tido avanços muito grandes na Operação Lava Jato, com as decisões importantes e que antes, na história do país, não víamos pessoas tão importantes, tanto no plano político como econômico, estarem sendo privadas de liberdade. O maior empreiteiro do país (Marcelo Odebretch) há quanto tempo está preso? E agora temos o caso do senador (Delcídio Amaral) que está sendo indiciado e tem outros políticos que estão respondendo a processo. Há uma série de mudanças que até bem pouco tempo a gente não via.

O plano local acompanha esse cenário traçado pelo senhor nacionalmente?


No plano local a gente vê um avanço com medidas não tão grandes, não tão significativas. A gente teve o caso da operação Dama de Espadas, em que nós, inclusive, emitimos duas notas muito discutidas. Mas não modificamos nossa forma de pensar. Entendemos que é preciso que a sociedade esteja atenta ao que está acontecendo. Os desvios que ocorreram na Assembleia Legislativa já eram questões anunciadas. Tanto é assim que o Marcco já tinha cobrado desde antes que a Assembleia cumprisse a lei da transparência e colocasse no seu portal os salários de todos os servidores, exatamente, para dificultar. A transparência é o maior antídoto contra corrupção. Se você tem mais transparência, os próprios órgãos de controle estão muito melhor assistidos e aparelhados para fiscalizar, além do cidadão, claro. Ele precisa exercer o controle social e acompanhar o que ocorre nas casas legislativas, na administração de uma forma geral. A gente se surpreende até porque tanto a Câmara Municipal de Natal como a Assembleia Legislativa foram instituições onde tivemos muita dificuldade. Inclusive a gente teve que pedir o ingresso com o Ministério Público para entrar com ação contra ambas as casas por não cumprir o que previa a Lei de Acesso a Informação. A LAI não estava sendo cumprida. Aliás, não está sendo cumprida até hoje e a gente continua assistindo.

E nesse contexto aparece a operação Dama de Espadas?


A Operação Dama de Espadas foi exatamente pela falta desse tipo de controle e isso facilitou que houvesse os desvios. No caso do Idema, com a operação Candeeiro, também foi decorrente de não ter um controle mais efetivo do gasto público. Quanto mais transparência, quanto mais forma de você controlar o gasto melhor. Então você dificulta muito mais os eventuais desvios.

Como o senhor acompanha a polêmica no caso da operação Dama de Espadas, onde as Procuradorias do Estado e da Assembleia querem atuar como pólos no processo, entendimento que é divergente do Ministério Público?


Uma das notas que a gente expediu a gente deu a entender que via como indevida a participação da procuradoria do Estado e, principalmente, da procuradoria da Assembleia na defesa das pessoas, dos agentes. Entendemos nós que a missão das procuradorias é defender as instituições e fomos muito criticados por aquela nota.

Mas o senhor mantém esse posicionamento?


A gente continua mantendo esse posicionamento.

Há um projeto de lei na Assembleia, onde o Governo propõe que a Procuradoria do Estado defenda os gestores quando estiverem no exercício da função. Qual sua avaliação?


A gente tem cautela com relação a isso. Estamos saindo um pouco da função precípua que é cada uma dessas instituições. As procuradorias devem defender as instituições. Cada um dos agentes que sejam atacados que contratem advogados para se defender. Eu que trabalhei na CGU, se eu tomasse alguma medida que levasse a responder algum processo, alguma sindicância eu teria que me defender pessoalmente, pelos meus próprios atos. Não seria a Controladoria que iria defender os meus interesses. Ela deve defender os interesses das instituições. A gente tem uma certa cautela com relação a isso. É preciso que tenha uma discussão mais aprofundada.

Em se tratando de transparência ainda não há uma permissividade muito grande no interior com prefeituras e câmaras?


Veja só, a estrutura de fiscalização no Brasil ainda é deficiente. A gente tem que apelar muito para que tenha um avanço do controle social. Até porque mesmo que tivesse o controle verticalizado, nós nunca conseguiríamos atingir todos os órgãos, todos os setores, seria um custo enorme para a máquina administrativa. Então, é necessário que a gente conte sempre com o apoio do controle social. Eu que trabalhei durante muito tempo na CGU, recentemente me aposentei, mas eu fiz várias fiscalizações, coordenei vários programas de sorteio naqueles municípios e eu pude verificar exatamente a deficiência, tanto de controle interno. No Marcco já fizemos eventos para fortalecer os controles internos municipais, que são muito frágeis. Há uma dependência muito grande do gestor, que pode retirar quem ele coloca para ser o controlador do município e a gente vê que o avanço ainda é pequeno. Veja que a CGU (Controladoria Geral da União) tem a possibilidade de apontar erro do próprio Governo, apesar de ser um órgão ligado ao Governo Federal. No âmbito estadual a liberdade é um pouco menor, mas a gente percebe que já há um avanço. Nos municípios, exceto na capital, onde há uma controladoria, que faz parte do Marcco, mas na maioria dos municípios inexiste o controle interno. Ou quando existe, só há formalmente, mas na prática não existe. Estamos trabalhando muito nessa questão de fortalecer os portais da transparência dos municípios. 

Os senhores vão fazer um ranking dos portais da transparência dos municípios?


Sim. O Marcco está trabalhando nesse sentido de criar um ranking estadual, como há também o ranking nacional. Por falar nesse ranking, tivemos um avanço no caso do Rio Grande do Norte. E o Marcco foi importante nesse caso porque nós costuramos junto com a CGU uma parceria com a Controladoria Geral do Estado para que tivesse esse avanço. Saímos (o portal da transparência do Estado) de uma nota zero para uma nota acima de 8. Uma nota muito significativa. Esse avanço se deve a essa parceria. Inclusive o Marcco tem feito não só parceria com órgãos de controle, mas temos trabalhado com outros órgãos congêneres no Brasil. O Marcco foi o segundo no Brasil, o primeiro foi o Fórum Paraibano de Combate a Corrupção. O segundo no Brasil é o Marcco. 

Como o senhor avalia o auxílio moradia?


Isso foi motivo de muita discussão dentro do Marcco. Até porque muitas das instituições que recebem o auxílio moradia estão representadas no Marcco. Mas o Marcco quando foi criado, um dos primeiros argumentos que usamos, lá em 2007, foi que a gente vai fiscalizar fora, mas fiscaliza internamente. Nós fiscalizamos a nós mesmos. Nós fiscalizamos o comportamento das instituições que compõem o Marcco. Então se houver qualquer ato que a gente entenda que seja motivo de discussão, mesmo que gere muita polêmica, e no caso do auxílio moradia gerou, a gente discute. A gente se posiciona e a gente assim continua.

O Tribunal de Contas do Estado, seus conselheiros e membros do Ministério Público, pediram o auxílio moradia...


O Marcco não mudou sua posição. Continuamos entendendo que o auxílio moradia é uma verba de caráter indenizatório. Da maneira que vem sendo paga é uma verba de caráter remuneratório. Mas o que acontece é que a gente não pode discutir muito mais isso porque já chegou à esfera da Corte maior (o Supremo Tribunal Federal). E um posicionamento do ministro Luiz Fux, na decisão monocrática, considerou que era regular esse tipo de pagamento. Não podemos, por enquanto, tomar nenhuma outra providência. Mas aguardamos que o pleno da nossa Suprema Corte, do STF, venha a entender como nós, de que essa verba é de caráter indenizatório.

Ou seja, essa verba não poderia ser paga para quem trabalha e reside na mesma cidade.


Esse é nosso entendimento. Como é verba de caráter indenizatório receberá quem desempenhou determinado trabalho em algum lugar e foi obrigado a ter um esforço financeiro diferenciado, fora do seu subsídio, que ele receba isso para compensar.

Já que o Marcco fiscaliza os órgãos que o integram, não é hora da entidade assumir um posicionamento sobre o prédio comprado e abandonado pelo Ministério Público?


A gente acompanhou. Entendemos que o Ministério Público adotasse as providências. Estamos acompanhando isso e foi constituída uma comissão de pessoas do Ministério Público que apontará se houve responsáveis por eventuais desvios com relação ao tipo de atitude. Isso continua sendo examinado no âmbito do Ministério Público, mas vamos continuar observando. Não deixamos o assunto de lado. Estamos esperando que o Ministério Público adote as providências devidas. Estamos feito isso com todas as instituições quando temos um problema dessa natureza. Sempre discutimos com o colegiado. O Marcco é dinâmico e as discussões só fortalecem. 

Há crise no Marcco?


Estamos nos preocupando com as questões. Não há crise, o que há é que estamos discutindo questões sérias e que merecem ser discutidas. 

TRIBUNA DO NORTE

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