quarta-feira, 6 de julho de 2016

A LEI, OS PRIVILEGIADOS E O POVO

PUBLICADO EM 06-07-2016

O emaranhado legal que vigora no Brasil tem um único propósito: dificultar ao máximo (praticamente eliminar) a possibilidade de alguém com muito dinheiro ir parar na cadeia e, se for, não ficar muito tempo preso.

A maior desigualdade existente entre os brasileiros é a aplicação da Lei. Enquanto os mais pobres são presos por quaisquer suspeitas e ficam mofando em celas apinhadas de gente, por anos até, sem merecer maior atenção, tem-se, no outro extremo, os bandidos do colarinho branco que nem algemados podem ser.

Enquanto os pobres são surrados e instados a confessarem até o que não fizeram para, às vezes, aplacar a sanha da opinião pública, tem-se, no outro extremo, os defensores de corruptos de 'grosso calibre' bradando que delações são obtidas por tortura psicológica, que os clientes são 'santos', que Papai Noel existe...

Vende-se ao grande público que existem correntes divergentes no mundo jurídico. De um lado estariam 'legalistas' que se orientariam pelo o que está escrito e outros que buscariam o 'espírito do direito' no clamor da sociedade. Uns revirariam os olhinhos com a aplicação fria da Lei; Outros ficariam em êxtase com as interpretações do emaranhado legal.

Sabe o que isso significa para o povo? A certeza de que os ricos e poderosos serão beneficiados, em algum momento (ou em vários), de tais 'visões'. É verdade que para percorrer tais meandros custa muito caro e a chave do sucesso é sempre o vil metal.

Dependendo da surra o pobre confessa até que matou a mãe e, mesmo sabendo que ela vive, vai mofar no xilindró. O rico nega até que peidou, mesmo estando todo cagado e dependendo do saldo bancário consegue provar que é limpinho e cheiroso. Todo brasileiro conhece a máxima: peia e dinheiro só não resolvem se forem poucos.

Não tenho ilusões sobre mudanças na regra do jogo (e quando ocorrem são em benefício da elite).

Não faz muito tempo que a maioria do STF decidiu que réus condenados em segunda instância poderiam ser presos e uns poucos e notórios prontuários criminais ambulantes foram encarcerados.

A gritaria foi estridente. O 'debate' reacendeu, olhinhos revirados para lá e para cá e, não demorou, uma decisão do ministro Celso de Mello mandou de volta para as ruas um indivíduo condenado pelo assassinato do sócio. Antes de Mello (STF) um ministro do STJ já tinha mandado soltar o empresário noutro momento do trâmite processual (AQUI).

Atualmente, na Casa de Noca, cada ministro aplica a 'lei' de acordo com o entendimento que tem e necas para a 'jurisprudência'. O 'bicho' (jurisprudência) rosna para uns poucos, engole os sem dinheiro e balança o rabinho para os ricos.

Dizem que ministros que votaram pela prisão após condenação em segunda instância irão mudar a decisão e recolocar as coisas no devido lugar: bandido rico, mesmo condenado, solto e fagueiro; bandido pobre (em muitos casos até pobres inocentes), mesmo sem julgamento, peia e cadeia.

Caso tal rodopio jurídico se materialize assistiremos a maior lição de brasilianismo da história.


Decano do Supremo Tribunal Federal, o ministro Celso de Mello contrariou orientação do plenário e suspendeu um mandado de prisão expedido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais contra um réu condenado por homicídio em segunda instância. 

A medida foi tomada em meio à expectativa de que a corte volte a analisar a prisão antes do trânsito em julgado - quando se esgotam todas as possibilidades de recurso. 

Em fevereiro, por sete votos a quatro, os ministros entenderam que a pena poderia ser cumprida logo após a confirmação da sentença em segunda instância.

A decisão de Celso de Mello - ele foi voto vencido no julgamento de fevereiro - causou reação da força-tarefa da Operação Lava Jato. O procurador da República Deltan Dallagnol afirmou que a interpretação de que a execução da pena em segundo grau não é regra "pode prejudicar a realização de acordos de colaboração" premiada. 

"O réu passa a ver o horizonte da impunidade como algo alcançável. É uma lição básica de negociação que ninguém faz um acordo quando existe uma alternativa melhor do que o acordo. Por que um réu vai admitir os crimes, devolver o que desviou e se submeter a uma pena se a alternativa é a impunidade?", questionou Dalllagnol.

Encarado como uma forma de combater a morosidade da Justiça, o entendimento da maioria do STF tem como defensor o juiz federal Sergio Moro, responsável pelos processos da Lava Jato na primeira instância em Curitiba. Na Operação Abismo, deflagrada nesta segunda-feira, ele afirmou em seu despacho que a "corrupção se alastrou no país porque prisão não é regra". Uma das consequências do entendimento, por exemplo, é estimular que condenados, na iminência de serem presos, façam acordo de delação premiada e contribuam com as investigações.

A questão se tornou polêmica depois da divulgação de gravações de conversas do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, em maio. Em um dos diálogos, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirma que o Congresso precisa aprovar uma nova lei para restabelecer as prisões somente após o trânsito em julgado. "A lei diz que não pode prender depois da segunda instância, e ele aí dá uma decisão, interpreta isso e acaba isso", disse Renan.

Na visão de entidades e especialistas, o posicionamento do ministro Celso de Mello de suspender o mandado de prisão traz insegurança jurídica. O decano do STF , no entanto, afirmou que a decisão da Corte sobre o assunto "não se reveste de eficácia vinculante", o que significa que a jurisprudência do Supremo "não se impõe à compulsória observância dos juízes e tribunais em geral".

"Em nosso sistema jurídico, ninguém pode ser despojado do direito fundamental de ser considerado inocente até que sobrevenha o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser tratado como se culpado fosse antes que sobrevenha contra ele condenação penal transitada em julgado", escreveu o ministro, em decisão do dia 1.º deste mês. Neste semestre, o STF deverá voltar ao tema para analisar a constitucionalidade da medida.

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho, afirmou que a posição do ministro não ajuda nem o STF nem instâncias inferiores. "Isso diminui a segurança jurídica da decisão, e ele, como decano, sabe disso. Não faz bem a ninguém quando a minoria começa a desrespeitar decisão colegiada."

Na avaliação da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a decisão não tem implicação direta no entendimento do STF sobre o caso. "O ministro tem o direito de defender sua posição, mas não seria normal se o STF mudasse de posição com tão pouco tempo", disse o presidente da entidade, João Ricardo Costa.

O ministro Gilmar Mendes afirmou que "continua com a mesma convicção" - ele votou com a maioria. "Uma coisa é presunção de inocência. Outra coisa é presunção de inocência de quem vem sendo envolvido sistematicamente em condenações. Tem de haver uma mitigação do conceito de presunção de inocência."

Para o criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, autor de uma ação direta de constitucionalidade que pede a revisão da decisão do Supremo de permitir a prisão definitiva antes do trânsito em julgado, é positiva a medida tomada pelo ministro Celso de Mello. Kakay, que é responsável pela defesa de ao menos quinze políticos alvos da Lava Jato, protocolou a ação no STF por meio do Partido Ecológico Nacional (PEN) - agremiações partidárias têm legitimidade para representar na Corte.

"A grande vantagem dessa ação [de Celso de Mello] é trazer de volta essa discussão que está perpassando toda a sociedade brasileira", afirmou o advogado. "Então, nós temos juízes garantistas que têm a preocupação de manter o entendimento anterior." A expectativa do criminalista é de que o STF analise as ações em meados de agosto, após o fim do recesso do Judiciário.

(Com Estadão Conteúdo) - Veja

Um comentário:

  1. O problemas das delações premiadas é que estão pegando peixe grande e isso ta incomodando! Apoio a Lava-Jato! Por mais delações como a do Machado!

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