segunda-feira, 11 de março de 2019

Consenso e Contrassenso: déficit, dívida e previdência

PUBLICADO EM 11-03-2019


1. O Custo Fiscal da Dívida 

Ao assumir a presidência da American Economic Association, AEA, no início de janeiro, Olivier Blanchard escolheu um tema polêmico: o aumento da dívida pública é realmente um problema? A questão é da mais alta relevância. O aumento da dívida pública como proporção da renda é quase unanimemente percebido como uma ameaça à economia e um fardo para o futuro. No Brasil, o déficit público, liderado pelo seu maior componente, o déficit da Previdência, é considerado o principal obstáculo a ser superado, sem o que a economia não será capaz de sair do atoleiro em que se encontra desde 2015. 

Apesar da relevância política do tema, o artigo de Blanchard é um trabalho dirigido ao seus pares da AEA. Como obriga o figurino acadêmico, o argumento é formulado num modelo matemático. O modelo escolhido é um dos mais utilizados para estudar questões que envolvem sucessivas gerações. Conhecidos como modelos de “overlapping generations”, ou de gerações sobrepostas, foram originalmente introduzidos por Paul Samuelson, num artigo seminal de 1958, para estudar os efeitos de transferências intergeracionais, como as de um sistema previdenciário repartição, onde a contribuição dos jovens na ativa financia a aposentadoria dos mais velhos. Alguns anos depois, Peter Diamond (1965) estendeu a análise de Samuelson para o caso da dívida pública.

É uma versão do modelo de Diamond que Blanchard adota para analisar a questão do custo fiscal e de bem-estar da dívida pública. Por custo de bem estar, ou “welfare costs”, entende-se desvios em relação ao equilíbrio teórico ótimo dos modelos competitivos. Apesar de conceitualmente instigante e formalmente sofisticada, a análise dos custos de bem estar tem menos interesse prático do que a análise dos custos fiscais da dívida. O resultado relevante para as políticas públicas, aquele que provoca polêmica, é o sobre o custo fiscal da dívida. O que provoca interesse da mídia e dos analistas financeiros é saber se o déficit público é sustentável, ou se levará a um crescimento explosivo da dívida. 

A resposta não exige que se entre nos detalhes do modelo: se a taxa de juros da dívida for menor do que a taxa de crescimento da economia, a relação entre a dívida e a renda irá decrescer, a partir do momento em que o déficit primário - o déficit que exclui o serviço da dívida - for eliminado. O resultado é trivial e mais robusto do que parece: independentemente da magnitude dos déficits, da extensão do período em que há déficits e do tamanho da dívida em relação ao PIB, uma vez eliminado o déficit primário, se a taxa nominal de juros for menor do que a taxa de crescimento nominal da renda, a relação dívida/PIB irá decrescer, sem aumento da carga tributária. 

Desde a crise financeira de 2008, a taxa de juros americana tem sido muito baixa. Blanchard mostra que esta não é uma situação excepcional. Desde o início do século XIX, a taxa de juros americana foi sistematicamente inferior à taxa de crescimento. A única exceção foi a primeira metade da década de 1980, durante o período de Paul Volker na presidência do Fed. As simulações feitas por Blanchard demonstram que a relação dívida-PIB dos EUA teria sempre decrescido, independentemente do ano de partida, de 1950 até hoje, uma vez eliminados os déficits primários. Choques transitórios de altas taxas de juros, como as observadas nos anos 1980, teriam temporariamente elevado a relação dívida-PIB, mas ela voltaria a cair. Na ausência de déficits primários, a partir do início das décadas 1950, 1960 ou 1970, a queda da relação dívida-PIB teria sido muito rápida. Blanchard diz que a queda teria sido “dramática”. Conclui que não teria havido qualquer dificuldade para a rolagem de uma dívida maior do que a efetivamente observada, que “o custo fiscal de uma dívida maior teria sido pequeno, ou praticamente nulo”.

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