quinta-feira, 13 de agosto de 2020

O Desenvolvimento Sustentável como Paradigma Contemporâneo: Trajetória Histórica, Desafios Políticos e Perspectivas Críticas

O conceito de desenvolvimento sustentável emergiu, ao longo do século XX, como um eixo articulador entre as agendas ambiental, social e econômica, propondo-se como alternativa ao paradigma tradicional de crescimento econômico baseado na exploração intensiva de recursos naturais. 

A consolidação desse paradigma revela um complexo processo de institucionalização de preocupações ambientais, com implicações políticas e econômicas significativas, particularmente para os países em desenvolvimento. 

A análise das contribuições acadêmicas e institucionais a esse debate permite compreender a transição entre diferentes fases do ambientalismo, as contradições inerentes às políticas públicas de sustentabilidade e as disputas normativas sobre os caminhos viáveis para uma sociedade ambientalmente justa e economicamente viável.

1. Da emergência do ambientalismo à institucionalização da sustentabilidade

A trajetória do ambientalismo brasileiro entre 1971 e 1991, conforme analisado por Eduardo Viola (1992), mostra a passagem de uma militância marcada por denúncias e ações de conscientização pública para uma etapa de institucionalização nos marcos do Estado e da política pública. Esse processo é concomitante à difusão internacional da noção de “ecodesenvolvimento”, formulada nos anos 1970 por Ignacy Sachs e sistematizada no Relatório Brundtland, da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1987), onde surge a definição clássica de desenvolvimento sustentável: “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atenderem às suas próprias necessidades”.

Franz Josef Brüseke (1995) alerta, entretanto, para os limites epistemológicos e práticos do conceito, ao mostrar como ele pode se tornar um rótulo tecnocrático, esvaziado de transformações substantivas no padrão de produção e consumo. De modo semelhante, Montibeller Filho (2001) observa que a adoção do termo por instituições multilaterais e governos muitas vezes desvia o debate da crítica estrutural ao modelo de desenvolvimento capitalista, absorvendo a ideia em lógicas de mercado.

2. As conferências internacionais e o papel das instituições

A trajetória institucional do desenvolvimento sustentável passa por momentos-chave, como a Conferência de Estocolmo (1972), a Rio-92 (ECO-92), a Cúpula de Joanesburgo (2002) e a Rio+20 (2012). Cada uma dessas conferências gerou compromissos e diretrizes — da Agenda 21 à definição dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) — que procuram engajar países em metas comuns, mas enfrentam obstáculos para a efetivação prática, especialmente devido às desigualdades globais.

A análise de Roma (2019) sobre a transição dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) para os ODS mostra um movimento de ampliação e sofisticação das metas, mas também revela os desafios em incorporar, de forma transversal, as dimensões ambientais nas políticas públicas, sobretudo em contextos periféricos. As críticas à Rio+20, como aponta Guimarães e Fontoura (2012), demonstram o ceticismo quanto à eficácia das resoluções e ao papel excessivamente diplomático das Nações Unidas, diante da ausência de mecanismos vinculantes.

3. Países em desenvolvimento e o dilema entre crescimento e sustentabilidade

Para os países do Sul Global, como argumentam Godoy e Pamplona (2007), a adesão a regimes internacionais como o Protocolo de Kyoto revelou as tensões entre responsabilidade ambiental e o direito ao desenvolvimento. Enquanto as economias desenvolvidas buscavam compensar suas emissões por mecanismos de mercado, os países em desenvolvimento viam-se diante de exigências ambientais que podiam colidir com suas agendas de industrialização e combate à pobreza.

A obra de Leandro Dias de Oliveira (2012), ao revisar os 40 anos do estudo "Os Limites do Crescimento" (1972), reforça a atualidade do alerta sobre a insustentabilidade do crescimento exponencial num planeta finito. Oliveira (2012) defende que a incorporação da dimensão ecológica no planejamento macroeconômico ainda é superficial, e que os avanços tecnológicos por si só não são capazes de garantir equilíbrio ambiental, sem uma redefinição profunda das estruturas de poder e da lógica capitalista.

4. A Constituição de 1988 e o ordenamento jurídico ambiental no Brasil

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 representou um marco ao incorporar o meio ambiente como direito fundamental (art. 225), sinalizando um compromisso do Estado com o desenvolvimento sustentável. Como observa Bezerra (2007), a constitucionalização da tutela ambiental deu base legal a políticas públicas e mecanismos de controle social, permitindo maior protagonismo da sociedade civil. Contudo, sua aplicação efetiva depende da articulação entre os entes federativos, da capacidade institucional dos órgãos ambientais e da permanência de políticas de Estado.

5. Críticas às políticas públicas e os desafios da sustentabilidade social

Estudos como os de Tavares (2005), Soares et al. (2014) e Miranda et al. (2008) destacam os dilemas teóricos e pragmáticos das políticas públicas de desenvolvimento sustentável, especialmente quanto à integração da dimensão social. Em muitos casos, observa-se uma “retórica da sustentabilidade” que não se traduz em inclusão social, redução da desigualdade ou justiça ambiental. Essa dissonância entre discurso e prática é visível em programas mal articulados com os territórios ou guiados por lógicas exógenas, como evidencia a aplicação fragmentada da Agenda 21 Local (MMA, s.d. [b]).

A dissertação de Carlos Aurélio Sobrinho (2008) analisa criticamente o Relatório Brundtland, sugerindo que, embora importante como documento de sensibilização global, o conceito de desenvolvimento sustentável carece de um conteúdo político robusto se não estiver vinculado à transformação das relações de produção e à democratização do acesso aos bens naturais.

6. Considerações finais: entre o necessário e o possível

A análise permite concluir que o desenvolvimento sustentável, embora se afirme como um imperativo civilizacional, permanece envolto em ambiguidades e conflitos. Sua implementação enfrenta limitações estruturais, especialmente em países periféricos, que precisam conciliar justiça ambiental com justiça social. A superação dessas tensões exige uma crítica ao paradigma econômico dominante e o fortalecimento de uma governança ambiental multiescalar, que seja participativa, redistributiva e comprometida com as gerações futuras.

Como sintetiza Cavalcanti (1995), a construção de uma sociedade sustentável requer mais do que boas intenções ou diretrizes normativas — ela exige mudanças profundas no modo de pensar, produzir e viver. A sustentabilidade, para além de uma meta técnica, deve ser compreendida como um projeto político de civilização.

Referências sobre DS

VIOLA, Eduardo. O movimento ambientalista no Brasil (1971-1991): da denúncia e conscientização pública para a institucionalização e o desenvolvimento sustentável. Ecologia, ciência e política. Rio de Janeiro: Revan, p. 49-75, 1992.
<http://produtos.seade.gov.br/produtos/spp/v06n01-02/v06n01-02_02.pdf>

GODOY, Sara Gurfinkel Marques de; PAMPLONA, João Batista. O Protocolo de Kyoto e os países em desenvolvimento. Pesquisa & Debate. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política., v. 18, n. 2 (32), 2007.

<http://ken.pucsp.br/rpe/article/view/11774>

ROMA, Júlio César. Os objetivos de desenvolvimento do milênio e sua transição para os objetivos de desenvolvimento sustentável. Ciência e cultura, v. 71, n. 1, p. 33-39, 2019.

<http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252019000100011&script=sci_arttext>

OLIVEIRA, Leandro Dias de. Os "Limites do Crescimento" 40 Anos Depois. Revista Continentes, [S.l.], n. 1, p. 72-96, jul. 2012. ISSN 2317-8825. Disponível em: <http://www.revistacontinentes.com.br/continentes/index.php/continentes/article/view/8>. 


BRÜSEKE, Franz Josef. O Problema do Desenvolvimento Sustentável. In: CAVALCANTI, Clovis (Org.). Desenvolvimento e Natureza: estudo para uma sociedade sustentável. São Paulo: Cortez, 1995. 
Disponível em <http://biblioteca.clacso.edu.ar/Brasil/dipes-fundaj/uploads/20121129023744/cavalcanti1.pdf#page=15>.

Cúpula mundial sobre desenvolvimento sustentável-Joanesburgo: entre o sonho e o possível

MCM Sequinel - Análise conjuntural, 2002 - academia.edu

Rio+ 20 ou Rio-20?: crônica de um fracasso anunciado

RP Guimarães, YSR Fontoura - Ambiente & Sociedade, 2012 - SciELO Brasil 

Avaliação de políticas públicas de desenvolvimento sustentável: dilemas teóricos e pragmáticos

EMF Tavares - HOLOS, 2005 - ifrn.edu.br

Políticas Públicas Desenvolvimento Sustentável: Reflexões sobre a dimensão social da sustentabilidade

BF SOARES, SS CHACON… - Revista Terceiro …, 2014 - pdfs.semanticscholar.org

Políticas públicas desenvolvimento sustentável

ICA Miranda, MIO Mayorga, PVPS Lima - 2008 - repositorio.ufc.br

Desenvolvimento e natureza : estudos para uma sociedade sustentável

Clovis Cavalcanti
<http://biblioteca.clacso.edu.ar/Brasil/dipes-fundaj/uploads/20121129023744/cavalcanti1.pdf#page=15>

BEZERRA, Fabiano César Petrovich. O MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: UM OLHAR SOBRE OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS AMBIENTAIS. Revista Digital Constituição e Garantia de Direitos, v. 1, n. 02, 2007.

<https://periodicos.ufrn.br/constituicaoegarantiadedireitos/article/view/4275>

AURÉLIO SOBRINHO, Carlos. Desenvolvimento sustentável: uma análise a partir do Relatório Brundtland. 2008. 197 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências, 2008. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/88813>.


Ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável; conceitos e princípios

Gilberto Montibeller Filho - Texto completo: PDF/A

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). A ONU e o meio ambiente. s/d. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/acao/meio-ambiente/>.


Publicação Radar Rio+20 - Por dentro da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável

Agenda 21 — Ferramenta para a elaboração de políticas públicas de desenvolvimento sustentável
Todt, Roberto
<https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/130465>

FERNANDEZ, Brena Paula Magno. Ecodesenvolvimento, desenvolvimento sustentável e economia ecológica: em que sentido representam alternativas ao paradigma de desenvolvimento tradicional?. Desenvolvimento e meio ambiente, v. 23, 2011.
<https://revistas.ufpr.br/made/article/view/19246/14460>

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Agenda 21 Global. s/d. [a]. Disponível em: <https://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21-global>. 

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Agenda 21 Local. s/d. [b]. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21-local>. 

Conferências de meio ambiente e desenvolvimento sustentável: um miniguia da ONU

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