O conceito de desenvolvimento sustentável emergiu, ao longo do século XX, como um eixo articulador entre as agendas ambiental, social e econômica, propondo-se como alternativa ao paradigma tradicional de crescimento econômico baseado na exploração intensiva de recursos naturais.
A consolidação desse paradigma revela um complexo processo de institucionalização de preocupações ambientais, com implicações políticas e econômicas significativas, particularmente para os países em desenvolvimento.
A análise das contribuições acadêmicas e institucionais a esse debate permite compreender a transição entre diferentes fases do ambientalismo, as contradições inerentes às políticas públicas de sustentabilidade e as disputas normativas sobre os caminhos viáveis para uma sociedade ambientalmente justa e economicamente viável.
1. Da emergência do ambientalismo à institucionalização da sustentabilidade
A trajetória do ambientalismo brasileiro entre 1971 e 1991, conforme analisado por Eduardo Viola (1992), mostra a passagem de uma militância marcada por denúncias e ações de conscientização pública para uma etapa de institucionalização nos marcos do Estado e da política pública. Esse processo é concomitante à difusão internacional da noção de “ecodesenvolvimento”, formulada nos anos 1970 por Ignacy Sachs e sistematizada no Relatório Brundtland, da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1987), onde surge a definição clássica de desenvolvimento sustentável: “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atenderem às suas próprias necessidades”.
Franz Josef Brüseke (1995) alerta, entretanto, para os limites epistemológicos e práticos do conceito, ao mostrar como ele pode se tornar um rótulo tecnocrático, esvaziado de transformações substantivas no padrão de produção e consumo. De modo semelhante, Montibeller Filho (2001) observa que a adoção do termo por instituições multilaterais e governos muitas vezes desvia o debate da crítica estrutural ao modelo de desenvolvimento capitalista, absorvendo a ideia em lógicas de mercado.
2. As conferências internacionais e o papel das instituições
A trajetória institucional do desenvolvimento sustentável passa por momentos-chave, como a Conferência de Estocolmo (1972), a Rio-92 (ECO-92), a Cúpula de Joanesburgo (2002) e a Rio+20 (2012). Cada uma dessas conferências gerou compromissos e diretrizes — da Agenda 21 à definição dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) — que procuram engajar países em metas comuns, mas enfrentam obstáculos para a efetivação prática, especialmente devido às desigualdades globais.
A análise de Roma (2019) sobre a transição dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) para os ODS mostra um movimento de ampliação e sofisticação das metas, mas também revela os desafios em incorporar, de forma transversal, as dimensões ambientais nas políticas públicas, sobretudo em contextos periféricos. As críticas à Rio+20, como aponta Guimarães e Fontoura (2012), demonstram o ceticismo quanto à eficácia das resoluções e ao papel excessivamente diplomático das Nações Unidas, diante da ausência de mecanismos vinculantes.
3. Países em desenvolvimento e o dilema entre crescimento e sustentabilidade
Para os países do Sul Global, como argumentam Godoy e Pamplona (2007), a adesão a regimes internacionais como o Protocolo de Kyoto revelou as tensões entre responsabilidade ambiental e o direito ao desenvolvimento. Enquanto as economias desenvolvidas buscavam compensar suas emissões por mecanismos de mercado, os países em desenvolvimento viam-se diante de exigências ambientais que podiam colidir com suas agendas de industrialização e combate à pobreza.
A obra de Leandro Dias de Oliveira (2012), ao revisar os 40 anos do estudo "Os Limites do Crescimento" (1972), reforça a atualidade do alerta sobre a insustentabilidade do crescimento exponencial num planeta finito. Oliveira (2012) defende que a incorporação da dimensão ecológica no planejamento macroeconômico ainda é superficial, e que os avanços tecnológicos por si só não são capazes de garantir equilíbrio ambiental, sem uma redefinição profunda das estruturas de poder e da lógica capitalista.
4. A Constituição de 1988 e o ordenamento jurídico ambiental no Brasil
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 representou um marco ao incorporar o meio ambiente como direito fundamental (art. 225), sinalizando um compromisso do Estado com o desenvolvimento sustentável. Como observa Bezerra (2007), a constitucionalização da tutela ambiental deu base legal a políticas públicas e mecanismos de controle social, permitindo maior protagonismo da sociedade civil. Contudo, sua aplicação efetiva depende da articulação entre os entes federativos, da capacidade institucional dos órgãos ambientais e da permanência de políticas de Estado.
5. Críticas às políticas públicas e os desafios da sustentabilidade social
Estudos como os de Tavares (2005), Soares et al. (2014) e Miranda et al. (2008) destacam os dilemas teóricos e pragmáticos das políticas públicas de desenvolvimento sustentável, especialmente quanto à integração da dimensão social. Em muitos casos, observa-se uma “retórica da sustentabilidade” que não se traduz em inclusão social, redução da desigualdade ou justiça ambiental. Essa dissonância entre discurso e prática é visível em programas mal articulados com os territórios ou guiados por lógicas exógenas, como evidencia a aplicação fragmentada da Agenda 21 Local (MMA, s.d. [b]).
A dissertação de Carlos Aurélio Sobrinho (2008) analisa criticamente o Relatório Brundtland, sugerindo que, embora importante como documento de sensibilização global, o conceito de desenvolvimento sustentável carece de um conteúdo político robusto se não estiver vinculado à transformação das relações de produção e à democratização do acesso aos bens naturais.
6. Considerações finais: entre o necessário e o possível
A análise permite concluir que o desenvolvimento sustentável, embora se afirme como um imperativo civilizacional, permanece envolto em ambiguidades e conflitos. Sua implementação enfrenta limitações estruturais, especialmente em países periféricos, que precisam conciliar justiça ambiental com justiça social. A superação dessas tensões exige uma crítica ao paradigma econômico dominante e o fortalecimento de uma governança ambiental multiescalar, que seja participativa, redistributiva e comprometida com as gerações futuras.
Como sintetiza Cavalcanti (1995), a construção de uma sociedade sustentável requer mais do que boas intenções ou diretrizes normativas — ela exige mudanças profundas no modo de pensar, produzir e viver. A sustentabilidade, para além de uma meta técnica, deve ser compreendida como um projeto político de civilização.
GODOY, Sara Gurfinkel Marques de; PAMPLONA, João Batista. O Protocolo de Kyoto e os países em desenvolvimento. Pesquisa & Debate. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política., v. 18, n. 2 (32), 2007.
<http://ken.pucsp.br/rpe/article/view/11774>
ROMA, Júlio César. Os objetivos de desenvolvimento do milênio e sua transição para os objetivos de desenvolvimento sustentável. Ciência e cultura, v. 71, n. 1, p. 33-39, 2019.
<http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252019000100011&script=sci_arttext>
OLIVEIRA, Leandro Dias de. Os "Limites do Crescimento" 40 Anos Depois. Revista Continentes, [S.l.], n. 1, p. 72-96, jul. 2012. ISSN 2317-8825. Disponível em: <http://www.revistacontinentes.com.br/continentes/index.php/continentes/article/view/8>.
BRÜSEKE, Franz Josef. O Problema do Desenvolvimento Sustentável. In: CAVALCANTI, Clovis (Org.). Desenvolvimento e Natureza: estudo para uma sociedade sustentável. São Paulo: Cortez, 1995. Disponível em <http://biblioteca.clacso.edu.ar/Brasil/dipes-fundaj/uploads/20121129023744/cavalcanti1.pdf#page=15>.
Cúpula mundial sobre desenvolvimento sustentável-Joanesburgo: entre o sonho e o possível
Rio+ 20 ou Rio-20?: crônica de um fracasso anunciado
RP Guimarães, YSR Fontoura - Ambiente & Sociedade, 2012 - SciELO BrasilAvaliação de políticas públicas de desenvolvimento sustentável: dilemas teóricos e pragmáticos
Políticas Públicas e Desenvolvimento Sustentável: Reflexões sobre a dimensão social da sustentabilidade
Políticas públicas e desenvolvimento sustentável
Desenvolvimento e natureza : estudos para uma sociedade sustentável
Clovis Cavalcanti
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BEZERRA, Fabiano César Petrovich. O MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: UM OLHAR SOBRE OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS AMBIENTAIS. Revista Digital Constituição e Garantia de Direitos, v. 1, n. 02, 2007.
<https://periodicos.ufrn.br/constituicaoegarantiadedireitos/article/view/4275>
AURÉLIO SOBRINHO, Carlos. Desenvolvimento sustentável: uma análise a partir do Relatório Brundtland. 2008. 197 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências, 2008. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/88813>.
Ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável; conceitos e princípios
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Todt, Roberto
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