sexta-feira, 23 de março de 2012

O genial inventor de personagens partiu acompanhado por mais de 200 criaturas


Chico Anysio talvez não soubesse que todo brasileiro com mais de 30 anos (e mais de cinco neurônios) lhe deve muitas, muitíssimas gargalhadas, além de incontáveis momentos suficientemente divertidos para induzir ao riso até um mal-humorado profissional. Foi o que fiz questão de dizer-lhe na tarde de 5 de julho de 1995, no estúdio da RBS em Porto Alegre, já na abertura do programa Perguntar não Ofende, que apresentava ao lado da jornalista Cláudia Nocchi. Agredido pela má notícia divulgada há poucas horas, conforta-me lembrar que me incluí entre os milhões de devedores diante do próprio credor. Essas coisas precisam ser ditas em vida.

Ele estava feliz naquele inverno. Planejava o retorno à tela da Globo, andava bem de saúde e fazia muito sucesso com o show que iniciara na véspera a temporada gaúcha. Cinco ou seis perguntas depois, quis saber se o entrevistado conseguia incorporar de imediato as figuras que inventava. Respondeu que sim. Toparia reproduzir a  expressão característica e repetir o bordão de algumas criaturas? Claro, autorizou. E então começou o mágico desfile de personagens eternizados na memória do Brasil.

─ Tavares ─ disse.
─ Sou, mas quem não é? ─ replicou Chico Anysio, com a voz pastosa e o sorriso debochado do simpático canalha que, sempre com um copo nas mãos, perseguia o golpe do baú.
─ Alberto Roberto.
─ Não gaaravo ─ entoou o entrevistado num tom tão convincente que sobre os cabelos brancos pareceu instalar-se o negro e vasto topete do adorável canastrão.

O desfile prosseguiu com Coalhada, Azambuja, Bozó, Salomé, Bento Carneiro, Pantaleão, Painho, Justo Veríssimo e mais dois ou três integrantes da imensa galeria. Sem maquiagem, adereços, barbas ou bigodes postiços, trajes que sublinhavam o estilo e a alma de cada um, o mais genial criador de tipos do humorismo brasileiro valeu-se exclusivamente do talento imenso para povoar o estúdio da RBS com os frutos da espantosa criatividade.

Para tristeza dos que ficam e consolo de quem parte, um artista dessa linhagem não morre sozinho. Com o criador, vão-se também as criaturas. Junto com o grande Chico Anysio, morreram mais de 200. Todos merecem de cada brasileiro um beijo e uma lágrima.

por Augusto Nunes

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