sexta-feira, 23 de março de 2012

O GOVERNO TRAVOU


Um dia depois da série de derrotas sofridas pelo governo na Câmara, o Planalto demonstrava preocupação com o momento vivido na relação com a base governista, mas, segundo aliados ouvidos pelo Correio, ainda não demonstra ter assimilado a gravidade da situação política. A presidente almoçou com a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, e emitiu sinais de que o momento difícil decorre de um embate sobre pontos de vista. “Foi uma conversa para tranquilizar a ministra”, afirma um interlocutor do governo.

No Congresso, a temperatura era diferente. “A quarta-feira foi um dia horrível para o Planalto e para o novo líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia”, avalia um integrantes da base. As derrotas estenderam-se por todo o dia, começando com a vitória dos ruralistas na definição de que cabe ao Congresso legislar sobre a demarcação das terras índigenas; a não-votação da Lei Geral da Copa e do Código Florestal; o convite para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, falar sobre a Casa da Moeda; e a convocação da ministra do Planejamento, Miriam Belchior, para explicar porque não haverá concursos públicos neste ano.

A paralisia nos trabalhos deve durar pelas próximas duas semanas. Na semana que vem, com as viagens da presidente Dilma Rousseff para a Índia e do vice-presidente Michel Temer para a Coreia do Sul, a presidência da República será ocupada pelo deputado Marco Maia (PT-RS) e a Presidência da Câmara, por Rose de Freitas (PMDB-ES), ligada aos dissidentes do partido e considerada independente em relação ao Planalto. Na semana seguinte, os trabalhos devem ser suspensos pelo feriado da Páscoa. “Temos que votar algo, pelo menos a Lei Geral da Copa, senão a imagem ficará péssima para o país e a crise vai se agravar ainda mais”, apostou um graúdo petista.

A avaliação de lideranças é de que os deputados deram sinais inequívocos de que, do jeito que está, não é possível manter a relação. Eles torcem para que o Planalto compreenda os recados encaminhados pela base. “As coisas continuam ruins. No Senado, a ameaça de uma CPI para ouvir o ministro da Fazenda sobre a compra do Banco Panamericano pela Caixa Econômica Federal, que causou um prejuízo de R$ 4,3 bilhões aos cofres públicos, continua viva”, disse um aliado do Planalto.

No círculo mais próximo da presidente Dilma, contudo, a análise é de que o governo enfrentou um “risco calculado” quando decidiu colocar na pauta da Câmara a votação da Lei Geral da Copa, na última quarta-feira. Eles afirmam que a presidente Dilma Rousseff está se fiando em sua alta popularidade para não sucumbir a imposições que resultem da articulação política com o Congresso.

Chantagem
 
Segundo essas fontes, a não aprovação de temas que reúnem consenso desgasta os parlamentares com o público e reforça a imagem de blindagem contra pressões que o governo está construindo. “Se ela conseguisse aprovar, seria uma vitória do governo. Como não conseguiu, fica ruim para o Congresso, que resolveu chantagear e se recusou a votar algo que é um compromisso que o Brasil firmou em âmbito internacional”, aponta uma fonte palaciana.

Aliados rebelados e oposicionistas chegaram a ensaiar um acordo vinculando a votação do Código Florestal à da Lei Geral da Copa em uma reunião na noite de terça-feira, quando o governo fez sua primeira tentativa de levar o projeto sobre os jogos de 2014 para o plenário da Câmara. Mas a situação acabou por desmoronar ao longo da quarta-feira, diante do endurecimento do Palácio do Planalto, que se refletiu no comportamento de parlamentares aliados no plenário. Em especial, do líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto (SP), que chamou ruralistas de predadores da agricultura .

Com a base do governo desarticulada e com dificuldades no comando, a tarefa de coordenar um acordo que permita a votação da Lei Geral da Copa na próxima semana ficará, em grande parte, nas mãos do presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS). “É importante que todos, governo, base e oposição, estejam convencidos de que é necessário um acordo”, diz ele.

Aprovação de 56%

A última pesquisa de opinião sobre a popularidade da presidente da República, divulgada em dezembro, mostra o governo da petista com avaliação positiva (ótimo ou bom) de 56% dos brasileiros. O levantamento foi feito pelo Ibope, por encomenda da Confederação Nacional da Indústria. Dos entrevistados, 72% ainda aprovaram a forma de governar de Dilma Rousseff em seu primeiro ano de gestão. A próxima pesquisa está prevista para o mês que vem.

ANÁLISE DA NOTÍCIA 

Aliados em guerra fria

A temperatura sobe no Congresso e o governo, diante das informações de uma pesquisa de opinião apontando o aumento da popularidade de Dilma Rousseff após os embates com o parlamento, vai fazendo ouvidos moucos para o quadro perigoso que se avizinha.

Não existem, como admitiram interlocutores palacianos, grandes projetos que necessitem quorum qualificado para aprovação. Mas a última quarta-feira foi marcada por um Congresso parado diante de debates que nem pareciam tão candentes. Mas em momentos de crise, qualquer pretexto é perfeito para se mandar recados.

Segundo um importante aliado do Planalto, a montagem da coalizão que apoia o governo Dilma serviria para que o grupo pudesse prestar maior atenção na consolidação do poder nos estados. Passados 14 meses, o Planalto luta para impedir que derreta a coalização montada por Lula durante a eleição de 2010. (PTL)

Impasse amplia força de Temer

O vice-presidente Michel Temer tem aproveitado as resistências da base aliada aos novos líderes no Congresso — Eduardo Braga (PMDB-AM) no Senado e Arlindo Chinaglia (PT-SP) na Câmara — e à ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, para intensificar seu leque de articulação política. As conversas, antes mais restritas ao PMDB, ampliaram-se para as demais legendas insatisfeitas com o governo, como o PR, o PTB e o PSC. “Ele é uma referência para nós, é um craque e conhece esta Casa melhor que todo mundo”, afirma o deputado federal Hugo Leal (PSC-RJ).

Uma das queixas dos aliados é justamente o fato de a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, nunca ter sido deputada, o que dificultaria a interlocução com os parlamentares da Casa. “O Temer nos entende melhor do que qualquer ministro”, provoca Leal.

Temer sempre foi apontado como o principal interlocutor com o PMDB no Congresso. O gabinete da vice-presidência no Palácio do Planalto era encarado pelos petistas como um ‘reduto de conspiração contra o PT’. No início da crise peemedebista com o Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff incumbiu Temer de receber as reivindicações e controlar os dissidentes da legenda.

Agora, os rebelados se ampliaram. “O presidente Temer é muito tranquilo, sempre é bom escutá-lo nesses momentos de dificuldades”, afirmou o líder do PR na Câmara, Lincoln Portela (MG), que esteve no gabinete de Temer acompanhado pelo vice-líder do governo na Casa, Luciano Castro (PR-RR). “Sou amigo do Temer há muitos anos, mas ele é discreto nessas conversas. Não pediu nem para que o PR apoie o Chalita (Gabriel Chalita, pré-candidato do PMDB à prefeitura de São Paulo)”, brincou Castro.

O vice-presidente sabe que é arriscado dinamitar pontes e passar a imagem que está acima de Ideli. “O trabalho de articulação política tem de ser feito pelo titular das Relações Institucionais, meu trabalho é apenas ajudar nas conversas quando solicitado”, tem dito ele a pessoas mais próximas. Alguns políticos incomodados com essa atuação do vice-presidente, afirmam que as ações recentes visam mostrar à presidente e ao PT que é fundamental ter o PMDB próximo do Executivo para manter um mínimo de governabilidade. E que isso seria uma estratégia para coibir os avanços do PSB e do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que estaria de olho na vaga de Temer em 2014. (PTL)

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