segunda-feira, 2 de abril de 2012

A informalidade como ela é


A recorrência da informalidade no mercado de trabalho permitiu a difusão de um conjunto de posições teórico-interpretativas praticamente imutáveis no Brasil, pelo menos desde 1972, quando a inédita pesquisa da Organização Internacional do Trabalho definiu os traços da informalidade a partir da África (Quênia). De um lado, o entendimento conservador, que ressaltaria a dualidade formal-informal no mercado de trabalho resultante da intervenção estatal (Consolidação das Leis do Trabalho — CLT). O tratamento recomendado seria a desregulação do mercado de trabalho (atualmente reconhecida por flexibilização), na crença de que o rebaixamento dos direitos sociais e trabalhistas desconstruiria a dualidade formal-informal.
De outro, o pensamento progressista, responsável pela identificação da informalidade por decorrência da insuficiência do desenvolvimento econômico promotor de empregos assalariados regulares e regulamentados. Nesse sentido, a informalidade representaria o atraso frente à modernidade da CLT, absorvendo mais facilmente os segmentos vulneráveis da força de trabalho (crianças, jovens, mulheres, idosos, portadores de deficiência) em sua trajetória inicial de inclusão na formalidade. 

Ou, ainda, nos caos da desaceleração econômica, alojaria assalariados com carteira assinada temporariamente demitidos, impedindo o desemprego aberto em maior dimensão. O tratamento indicado seria a maior promoção possível do desenvolvimento econômico com ênfase na geração de empregos de qualidade.

Acontece, todavia, que a informalidade vem sendo alterada drasticamente nas duas últimas décadas, desde quando o Brasil abandonou o compromisso em torno do desenvolvimento econômico rápido e sustentado. Diante de taxas medíocres de expansão da economia, acompanhadas de significativas alterações no padrão de gestão da força de trabalho pelas empresas, não somente o desemprego explodiu, mas também predominou a difusão diversificada das formas de contratação da mão-de-obra.

Atualmente, percebe-se que, em cada grupo de duas ocupações informais, uma pertence a empregados sem carteira assinada e outra a regimes sem cobertura da CLT, enquanto na década de 1980 havia dois assalariados sem registros a cada três informais. Por conta disso, sabe-se que qualquer alteração na legislação social e trabalhista tende a ter menor e decrescente impacto na informalidade, com a ampliação do universo de trabalhadores não assalariados (autônomo, conta própria, trabalhador independente, cooperativado, PJ, consultor, free lancer, entre outras).

Simultaneamente, com a crescente competição, a informalidade vai sendo reconfigurada, com a maior presença de trabalhadores com mais anos de estudos. Não se registram mais, como no passado recente, fortes diferenças de escolaridade entre ocupados informais e formais. Em 2005, por exemplo, o segmento informal registrou quase 30% dos seus ocupados com escolaridade universitária, enquanto em 1985 era menos de 7%.

Da mesma forma, o segmento terciário da economia (serviços), tradicionalmente responsável pela presença da informalidade, cede espaço para o setor secundário (indústria). Nos últimos 20 anos, a indústria protagonizou a difusão de novas formas de contratação informais.

Em outras palavras: a informalidade de hoje se destaca pela ampliação dos postos de trabalho sem proteção social e trabalhista, cada vez maior nos setores considerados modernos da economia nacional e ocupados por trabalhadores mais escolarizados. Especialmente nas regiões mais dinâmicas do espaço nacional (centro-sul), os novos traços da informalidade preponderam pela dimensão e heterogeneidade.

Compreender a manifestação desse novo fenômeno não se constitui tarefa simples e exclusiva de especialistas e gestores públicos, mas, sobretudo, de todos os preocupados com a constituição de um Brasil melhor para o povo. Nesse sentido, torna-se muito estranho que os principais poderes da República possam discutir as temáticas da previdência, do trabalho, da violência, da habitação, da juventude, da educação, sem mencionar outras, descoladas, quando não ausentes, do entendimento do que sejam as principais modificações da informalidade no país.

Por estar cada vez mais inserida como realidade reconfigurada, a informalidade se move com sentido de futuro. Não se justifica mais, por conta disso, a total imobilidade do país frente à ausência da proteção social e trabalhista dos trabalhadores. Cabe, então, o estabelecimento de novo estatuto do trabalho aos ocupados não assalariados.

Fonte

POCHMANN, Marcio. A informalidade como ela é. Correio Braziliense, Brasília, 10 jun 2007. Disponível em: <http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=360147>.

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