O perfil do agricultor familiar de Portalegre
/ RN nunca foi devidamente estudado. Numa aproximação inicial, percebemos algumas
características preocupantes e outras bastante alvissareiras. No primeiro
grupo, preocupa-nos o baixo nível educacional, práticas rudimentares de
exploração e o êxodo da força de trabalho mais jovem. Quanto às características
positivas, observamos uma presença marcante do associativismo e o
amadurecimento político. Faremos algumas considerações sobre as primeiras.
A agricultura
familiar se constitui na principal fonte de ocupação da mão-de-obra e tem papel
significativo na economia, ou seja, é fundamental avaliarmos minuciosamente
este universo, contudo, a exiguidade de tempo e os limites que são impostos
neste espaço, permitem-nos, tão-somente, especularmos sobre certos aspectos e
lançarmos alguns questionamentos de ordem geral para que possam ser analisados
posteriormente por outros interessados no assunto.
Para apresentarmos alguns aspectos, consideramos importante alguns comentários sobre a origem da ocupação da área.
A formação do
município está ligada à interiorização da criação de gado, como principal
atividade econômica e a distribuição de longas faixas de terras aos
apadrinhados da Coroa Portuguesa. Assim, foi criada a freguesia de Portalegre
(nome associado à existência de área em Portugal com características
assemelhadas). A proteção da serra e a abundância de terras garantiram a
expansão do rebanho e a prática da agricultura. O desmatamento fez desaparecer
quase que totalmente a cobertura vegetal em toda a área, inclusive encostas da
serra. A implantação e expansão dos vilarejos culminaram no desmembramento de vários municípios.
Atualmente, o município restringe-se a serra propriamente dita.
Atender o consumo
local e garantir a sobrevivência da família são as prioridades de quase todos
os agricultores[1].
É comum a realização de “broques” (queima da vegetação para limpar a área e
“prepará-la” para o cultivo). Este comportamento é desastroso sobre todos os
aspectos: danoso ao meio-ambiente e esgota precocemente a área (produtividade
decrescente – menores rendas – mais esforço). Práticas rudimentares supõem uso
de instrumentos inadequados e intenso trabalho manual e braçal. Para o grupo de
trabalhadores rurais que seguem este padrão de produção e para os trabalhadores
rurais temporários (alugados) a situação assume contornos dramáticos.
A remuneração por
dia de serviço é aviltante – com a alimentação ficando por conta do
trabalhador –, os acidentes são corriqueiros e as jornadas de trabalho são extenuantes.
Estas observações são importantes, pois na medida em que o trabalhador rural
vai se constituindo em trabalhador 'alugado' vão se agravando suas condições
de vida. A intensificação desse processo, certamente, desempenhou importante papel no êxodo dos mais jovens para os
grandes centros urbanos. O apelo é forte, a realidade idem. Alimentar o sonho
de romper com este perverso ciclo de pobreza se tornou quase uma obsessão dos
jovens. As consequências muito conhecidas: favelização,
desemprego, aumento da violência, entre outras.
Os desafios são
consideráveis, principalmente quando tratamos de pequenos municípios, como é o caso de Portalegre. Criar
mecanismos autóctones para minorar os problemas requer mobilização da sociedade
local e vontade política. A mobilização dos munícipes é importante, pois com o
fortalecimento da agricultura, todos os segmentos da economia e da sociedade se
beneficiam. Favorece diretamente comércio e prestadores de serviços, amplia
empregos para a mão-de-obra com pouca qualificação e garante impulso dinâmico a
economia local.
Entretanto,
torna-se cada vez mais visível e preocupante o crescimento do alcoolismo, indicador relevante para demonstrar os efeitos da ociosidade
e, consequentemente, da inexistência de medidas concretas para reverter à
tendência de esvaziamento (econômico) da zona rural. Este grupo, em sua grande maioria, provêm de famílias que
abandonaram a zona rural e se instalaram nas franjas da cidade.
De acordo com o
censo demográfico de 1980, a população total do município era de 5.700
habitantes, sendo 1.300 (22,8%) residentes na zona urbana e 4.400 (77,2%) na
rural. Na década de 1980 (“década perdida”), parte da população rural se
transfere para a sede do município, outros buscam novos horizontes (Centro-Sul)
e decresce o numero de famílias residentes no campo.
Em 2010, a população urbana era de 3.843 habitantes e a população rural era de 3.477 habitantes.
É interessante
observar que o “primeiro surto migratório” ocorreu na década de 1960 (“milagre
econômico”). O Centro-Sul tornou-se o objetivo principal dos jovens locais (a
saga do retirante nordestino fugindo da seca e do jugo dos “coronéis”). A crise
econômica dos anos 1980 e início dos anos 1990 também funcionou como estímulo.
A situação era a seguinte: se durante o período das “vacas gordas” o sonho era
ficar rico, no período de crise era a sobrevivência que falava mais (tanto para
os que iam tentar a sorte, como para os que ficavam ansiosos aguardando ajuda).
Separaram-se inúmeras famílias, ficaram mulheres, crianças e os mais idosos. A
seca, a crise econômica, o perfil da mão-de-obra, tudo contribuiu para
involução econômica e a configuração de um grande “vazio produtivo”.
A
observação de que era difícil conseguir emprego nos grandes centros não cessou
a migração. A grande maioria dos migrantes era jovem do sexo masculino, com
baixo nível educacional e que, preferencialmente, tinham familiares
estabelecidos. As “ações” dos administradores municipais frente a esta situação
eram (são) restritas ao fornecimento das passagens e ao clientelismo /
assistencialismo aos que permaneciam (permanecem) residindo.
Será que teremos mudanças significativas?
[1] Existe
uma parcela de estabelecimentos agrícola-familiares em situação mais
confortável e certas características que indicam um futuro promissor.
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