terça-feira, 22 de setembro de 2015

RN: a derrocada da agropecuária

Tanto quanto as dificuldades para manter o abastecimento d’agua para a população no interior do Estado, quantificar o impacto de quatro anos de seca na economia potiguar é praticamente impossível. Falou-se em R$ 5 bilhões, mas a participação do agronegócio no PIB estadual é em torno de 3% - o que daria R$ 1,1 bilhões para um PIB em torno de R$ 37 bilhões, em 2014. José Vieira, presidente da FAERN, não arrisca números, mas dá certezas sobre a queda nas safras, nas áreas plantadas e na diminuição dos rebanhos. Perdas que, segundo ele, deixam um legado de devastação difícil de ser superado se não forem criadas as condições necessárias para viabilizar, apoiar e reinserir o produtor rural nordestino na economia nacional, entre essas condições, apontadas por ele, estão uma política de recursos hídricos, assistência técnica, suspensão e readequação de dívidas. Algumas das propostas defendidas – como um acordo entre irrigantes do Baixo Assu e a Termoaçu e um novo pacto sobre as dívidas – são novidades que demandam negociações. Confira, na entrevista a seguir. 

Os sinais confirmam que o El Niño em 2016 será o mais forte, nestes cinco anos de seca. Qual a perspectiva que os produtores rurais tem para mais um ano de dificuldades?

A Federação da Agricultura vem monitorando as perdas no setor agropecuário desde 2011, mas ainda não conseguimos mensurar o impacto delas. Isso em função dessa sequência de quatro anos de seca e mais essa perspectiva de que 2016 também será de seca. Ao longo desse período, a nossa produção de mel caiu mais de 90%. Eramos exportadores de mel e não somos mais. Nossos cajueiros morreram, estão velhos ou os produtores, para fazer renda, cortaram para lenha. Então, nossa produção de castanha caiu e também não estamos mais exportando. Nossa produção de leite caiu de 650, 700 mil litros/dia e hoje, acreditamos, deve estar na faixa de 350 mil litros/dia. Essa produção foi reduzida não só pela morte de parte do rebanho, mas também porque em função daquela crise nos pagamentos do Programa do Leite, muitos desistiram da atividade. Caiu também nossa produção de carne, mas nisto nós nunca fomos auto suficientes. A agricultura irrigada teve a área de plantio diminuída, em função das dificuldades com os poços d´agua. Mas, neste setor, pode parecer paradoxal diante do quadro da seca, alguns produtores estão abrindo novas áreas. A Agrícola Famosa, que é hoje o maior empregador rural no país, está abrindo novas áreas na região do Apodi, está investindo fortemente e nos últimos 60 dias foram contratados 1.200 novos trabalhadores. Isso é um impacto formidável para nossa economia.

E o que está ocorrendo lá no Apodi para essa expansão, mesmo com a seca?
Eles estão abrindo novas áreas, adquiriram novas fazendas na Bacia do Apodi que oferece uma reserva hídrica muito grande. É essa garantia de água que faz a diferença. Houve uma redução da área em torno de 5%, 6% em função da falta d´agua, mas eles voltaram a expandir e, agora, estão é com dificuldades para atender aos contratos, ao mercado comprador. Isso é ruim, porque não vamos ter o benefício da alta do dólar. A hora boa de exportar é agora, mas eles não tem como ampliar mais e atender novos contratos, além dos que já estão fechados.

Antes, a frente de produção da agricultura irrigada era no Vale do Açu. Lá tem havido uma queda de braço com a ANA para manter a oferta d’agua aos irrigantes. Como está a situação por lá?
Lá, nós temos duas áreas. A primeira etapa, que é a do Distrito Irrigado, vai muito bem. Temos a produção de frutas, mas existe a preocupação com uma diminuição ainda maior na vazão da Barragem Armando Ribeiro Gonçalves. A produção de lá é de irrigação perene, com banana, manga, grama, mamão… você não pode deixar de irrigar. Então, o distrito está perfurando poços, com a autorização da Agência Nacional de Aguas, perto do rio, e ajuda do governo do Estado que cedeu às perfuratrizes, para suprir essa falta. Lá a situação é difícil porque você tem a produção irrigada, a captação da adutora para Mossoró e a Termoaçu que é uma grande consumidora de água.

Você também defende a proposta de que a Termoaçu deveria ser desativada e essa água ir para os irrigantes?
Não. Eu acho que tem uma alternativa melhor. Eu acho que a Termoaçu tem que participar no custo da produção de água para a região. Por exemplo: custeando a perfuração de poços. Ela também pode precisar desses poços e, com eles, poderia ajudar o distrito irrigado a manter a produção. A Termoaçu deve entrar nesta conta, de perfuração e instalação dos postos. Isso tem sido discutido. É importante salientar que a Termoaçu não paga impostos no Estado. Ela é isenta e ela fatura mais de R$ 120 milhões/mês para a Petrobras. Hoje, a Termoaçu é a Petrobras. Então, elas tem que entrar neste conjunto de ações, não podem ficar à parte. 

De quanto seria esse custo, para uma rede de poços no Baixo Assu?
Em conversa que tive com Guilherme Saldanha (presidente do Distrito Irrigado do Baixo Açu) ele acha que o custo mensal seria em torno de R$ 600 mil mensais. É um custo que daria para a Termoaçu absorver, integralmente. Isso tem sido discutido entre o pessoal do distrito e a Termoaçu. Os dois precisam dar as mãos para escaparem dessa situação. As conversas tem evoluído e, acredito, já está a nível de diretoria na Petrobras. Não tem governo no meio. 

O governo não tem participado dessa discussão, mas como você avalia as ações do poder público para enfrentar o quadro geral da seca no Estado?
Precisamos entender que a situação financeira econômica do governo é muito grave. A alternativa, e eu vem batendo nesta tecla, é o Estado eleger prioridades. Se chegarmos com cinco,s eis, sete demandas em Brasília, não vamos conseguir viabilizar nenhuma. Acredito que estamos caminhando neste sentido. Perfurar e instalar poços é uma questão urgente. Precisa, também levar uma alternativa para aquela 1.200 famílias no percurso do Piranhas-Açu que foram proibidas de fazer irrigação. Elas estão sem produzir, deixaram de ter renda e o governo, especialmente o governo federal, deu as costas para essas famílias. Precisamos de programas de fomento, a cargo da Defesa Civil; de obras estruturantes; programas para os pequenos produtores; instalar dessalinizadores… Agora, nossas precisamos que essas ações  venham na quantidade e na velocidade necessárias para atender. 

Sobre essas 1.200 famílias, que tipo de alternativa é possível para atendê-las até que voltem a produzir?
Nós precisamos criar alguma bolsa, alguma coisa concreta tipo a ajuda que se dá aos pescadores no período do defeso. Uma espécia de bolsa-estiagem. Essas famílias estão completamente indefesas. Eu já conversei sobre isso na ANA, no Ministério da Agricultura, mas sei que não é fácil em função do momento da crise econômica que estamos vivendo. Mas, isso é muito pouco para o governo federal, diante da importância que é ajudar essas famílias do Piranhas/Açu.

No item obras estruturantes, tem a transposição do rio São Francisco, mas o RN não tem projetos para receber as águas.
As águas do rio São Francisco vão chegar aqui independente disso. Elas chegarão através de rios perenizados. O que deve nos preocupar é a velocidade das obras. A transposição precisa chegar ao Estado antes que o Estado entre em colapso total. O eixo que entra no Piranha/Açu tem previsão de chegar para dezembro de 2016 ou janeiro de 2017. O eixo que entra na Bacia do Apodi é ainda mais preocupante. A previsão de licitação é final deste ano, começo do ano que vem. Ou seja: na Bacia do Apodi a transposição deverá chegar em 2010, 2022. Isso nos apavora! Porque, a pergunta é: nós teremos condições de esperar até lá? As obras estão em um ritmo satisfatório, os recursos aplicados estão aumentando – veja que em agosto eles somaram R$  131 milhões – mas precisamos de  um ritmo maior. O ideal é que a transposição chegasse aqui em julho do  próximo ano.

O governo anunciou cortes pesados, de R$ 64 bilhões nos gastos. Eles podem atingir a transposição?
Em conversas que tive com o Ministro da Integração ele nos garantiu que, se acontecer de haver um corte nas obras do ministério, a transposição será o último item a ser atingido. Nós não podemos aceitar isso. Os governos do Nordeste não podem admitir de forma alguma que as obras da transposição sofram algum tipo de corte nos recursos. Eu gostaria de chamar atenção para isso. Precisamos agir conjuntamente para apressar a transposição e não aceitar cortes no fluxo de recursos para as obras.

Outra preocupação que vem com o impacto da seca na produção agrícola é quanto aos financiamentos, a dívida dos produtores. Existe alguma negociação para evitar a execução das dívidas? Dezembro próximo é uma data limite para renegociação.
Nós acabamos de protocolar no Ministério da Agricultura, no último dia 16, um documento com várias argumentos para a suspensão de todos os pagamentos das dívidas dos produtores rurais de 2015 e 2016. Porque, se não teve chuvas este ano e ano que vem poderá não ter, nós também não tivemos receitas. Nosso pleito não é por uma anistia, é por uma suspensão imediata. Isso é para ontem. Porque em 31 de dezembro, que é a data limite de algumas normas para liquidações e renegociações,  muitos dos produtores poderão estar sendo executados pelos bancos. Nós conversamos com a ministra Kátia Abreu (Agricultura), ela nos pediu para fazermos as justificativas e nós, além das justificativas, já estamos encaminhando a proposta de voto que o Ministério da Agricultura deve encaminhar ao Ministério da Fazenda. 

Essa suspensão seria de quanto tempo?
Até que nós tenhamos terminado o projeto que a bancada do Nordeste, através do deputado Julio César (PSD/PI), fique pronto e apresente uma solução para a dívida rural do Nordeste. Nós estamos dando suporte técnico a ele – eu também sou presidente da Comissão do Nordeste da Confedaração Nacional da Agricultura – e queremos uma solução, que seja para quitar, renegociar... Olha, muitas dessas dívidas já foram pagas. A nossa proposta é que se pegue todos os financiamentos, na origem, e calculem pela TR. Depois de atualizar esses cálculos, pela TR, ai o governo federal faz uma equalização. Fixa os descontos: 85% para o mini, 70 para o pequeno, 60% para o médio, 50% para o grande. Então, no final o governo faz isso. Vamos ver um exemplo prático do que isso vai significar. Um produtor que pegou R$ 15 mil em julho de 1994 tem saldo, em junho deste ano, de R$ 83 mil, se for um mini produtor; R$ 112 mil se for um pequeno; R$ 116 mil se for médio e R$ 144 mil se for grande produtor. Se ele estiver no semiárido ele tem desconto maior que se estiver fora. Nossa proposta, se o cálculo for pela TR, diminui em significativamente esses valores. Os R$ 15 mil, para todas as faixas de produtores, seria a mesma: R$ 42 mil. E com uma taxa de descontos de 85% para o semi-árido, o valor para liquidação também ficaria em torno de R$ 6 mil para todos. A partir dessa base, o governo faria a equalização, com descontos proporcionais para cada faixa. Mas, isso seria para depois da suspensão. Primeiro temos que parar a dívida.

Sem a suspensão e uma mudança nos cálculos, como fica a dívida rural do Nordeste?
É uma dívida impagável. Para você ter ideia, o produtor que pegou R$ 100 mil está devendo quase um milhão de reais. Ele não tem renda para pagar isso. Tá certo que já foram feitas outras leis para a dívida rural. Mas, é ai que está o desastre. Veja o Rio Grande do Norte. No ano passado tivemos R$ 365 milhões operações para ser regularizadas. Só R$ 247 mil, ou seja, 0,48% foram efetivadas.  

As normas da dívida, que você critica, foram discutidas e aprovadas no Congresso, Porque essa, que vocês estão propondo, será diferente?
Porque ela está sendo discutida de forma conjunta. Na Câmara, no Senado, na Casa Civil, no Ministério da Agricultura e no Ministério da Fazenda. O que sempre aconteceu, com as leis anteriores, é que o Congresso fez as normas, mas sem negociar com o Ministério da Fazenda nem com a Casa Civil. Quando chegava lá, a presidência vetava algumas partes e a Fazenda só implementava o que achava adequado. Nós estamos fazendo o inverso. Estamos discutindo com todos para acharmos uma solução. Uma solução para a dívida que também vai reinserir o produtor rural na economia. Acho que ano que vem vamos poder formatar o projeto para a readequação e colocar para votação no Congresso. A proposta de suspensão precisa vir ainda este ano.

E além da readequação das dívidas, o que é necessário para reinserir o produtor rural do Nordeste na economia?
Crédito adequado; tratamento diferenciado em relação ao sul e sudeste,principalmente em relação a uma política agrícola diferenciada; assistência técnica continuada, baseada em meritocracia para que os produtores queriam expandir sua produção. Isso tudo vai dar segurança ao produtor. 

A seca em 5 tópicos

*Abastecimento

Dos 167 municípios potiguares, já estão em situação crítica 47 municípios (28%), dos quais 35 enfrentam rodízio de abastecimento de água e 12 estão em  situação de colapso no sistema de abastecimento

*Reservatórios

Hoje, 19% dos reservatórios monitorados no Rio Grande do norte estão totalmente secos

*Recursos

O Governo do Estado pediu ao Ministério da Integração Nacional R$ 63 milhões para combater os efeitos da seca no RN. Metade desses recursos é para a Operação Carros-Pipa

*Bancos Sementes

Por conta da redução da colheita de grãos este ano, o governo vai ter de repor os estoques dos 1.156  banco de sementes dos agricultores de 137 municípios potiguares, que estão zerados

*Produção

A produção agrícola de grãos no Rio Grande do  Norte caiu 53,1% entre as safras de 2014 e 2015 em função da falta de chuvas, sobretudo na região semiárida do Estado 


TRIBUNA DO NORTE

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