sábado, 24 de março de 2012

O TRATOR RURALISTA ENTRA EM CAMPO


A crise enfrentada pela presidente Dilma Rousseff no Congresso Nacional já tem um efeito prático: a maior fragilidade das leis e do poder de fiscalização de atividades com grande potencial de degradação ambiental. O cerco da bancada ruralista ao Palácio do Planalto, protagonizado por parlamentares de um dos principais partidos aliados do governo — o PMDB —, resultou num Código Florestal mais flexível, em menor poder de punição pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e num provável esvaziamento do Executivo na demarcação de terras indígenas, unidades de conservação e comunidades quilombolas. A força dos ruralistas no Congresso deve resultar ainda no enfraquecimento da Lei da Mata Atlântica, sancionada em 2006, e na maior exploração de atividades de mineração em terras indígenas.

Em menos de um ano, a presidente Dilma coleciona três derrotas para a bancada ruralista que vão bem além da crise política. Em maio do ano passado, o plenário da Câmara aprovou um texto do Código Florestal indesejado pelo Planalto. A derrota foi amenizada no Senado, mas, de volta à Câmara, a proposta voltou a ser capitaneada pelos ruralistas, que cobram uma data para a votação. O texto a ser votado, na visão do governo, é pior do que o validado pelos senadores.

Será mais um revés, como a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 215/2000 pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na última quarta-feira. A matéria transfere do Executivo para o Congresso Nacional a atribuição exclusiva para demarcar terras indígenas, parques federais e espaços quilombolas. Os peemedebistas foram decisivos para a aprovação na CCJ. O esforço do governo, agora, é evitar o avanço da PEC na Câmara. Um roteiro muito semelhante à tramitação do Código Florestal.

O Ibama a serviço do governo da presidente Dilma é um órgão com menor poder de fiscalização em relação ao governo Lula. O Planalto se viu derrotado no Senado, em outubro, quando um projeto de lei oriundo da Câmara foi aprovado em plenário. A proposta recebeu uma emenda, validada pelos deputados, que retira poder de fiscalização do Ibama. Conforme esse texto, reiterado pelo Senado, prevalecem autuações dos órgãos ambientais que concederam as licenças para determinadas atividades econômicas. Como os estados são os principais responsáveis por licenças (para desmatamentos legais, por exemplo), o órgão federal perdeu poder de autuação. O projeto foi relatado pelos senadores Acir Gurgacz (PDT-RO), Romero Jucá (PMDB-RO) e Kátia Abreu (PSD-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Virou lei em dezembro do ano passado. Agora, o governo prepara uma nova proposta para corrigir essa distorção.

Revés à vista

Além dessas três derrotas, o Palácio do Planalto pode ser atropelado pela bancada ruralista em mais duas situações reais. Um projeto de lei de 2007 flexibiliza a Lei da Mata Atlântica, ao autorizar desmatamentos em pequenas propriedades no bioma e ao permitir atividades agrícolas em áreas de regeneração de mata nativa. O relator da proposta é o deputado Irajá Abreu (PSD-TO), filho da senadora Kátia Abreu. Na prática, o projeto ressuscita vetos do então presidente Lula, decididos na sanção da lei, em 2006. A bancada ruralista pressiona para que o projeto seja votado com urgência na Comissão de Meio Ambiente da Câmara. Irajá Abreu disse ao Correio que a votação ocorrerá na próxima semana.

Um projeto de 1996, de autoria do senador Romero Jucá regula a exploração de recursos minerais em terras indígenas. Uma comissão especial foi criada na Câmara para analisar a proposta. Deputados ruralistas dominam o colegiado. Na última terça-feira, a comissão aprovou um requerimento para ouvir o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho. O objetivo é saber o que o governo pensa sobre o assunto.

Refém de uma bancada
Em todos os confrontos diretos, o governo foi derrotado pelos ruralistas:

Novo Código Florestal
O governo foi amplamente derrotado durante a tramitação da proposta na Câmara, recuperou alguns pontos no Senado, e, agora, volta a ser chantageado pelo agronegócio.

PEC 215
A bancada tratorou o Planalto e conseguiu uma importante vitória na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara: a aprovação da proposta que transfere para o Congresso a exclusividade na delimitação de terras indígenas, unidades de conservação e comunidades quilombolas.

Menos poder ao Ibama
Um projeto de lei de 2003, por iniciativa do Partido Verde (PV), recebeu emenda em 2009 e, no Senado, teve como relatores parlamentares da bancada ruralista. O resultado foi a retirada de poder do Ibama na autuação de crimes ambientais, como desmatamentos. O projeto virou lei, sancionada pela presidente Dilma Rousseff.

Mineração em terras indígenas
Deputados e senadores estão de olho na exploração mineral em terras indígenas. Para analisar um projeto de lei oriundo do Senado, de 1996, a Câmara constituiu uma comissão especial. Deputados ruralistas estão na linha de frente da comissão.

Alteração da Lei da Mata Atlântica
Os ruralistas tentam na Câmara alterar a Lei da Mata Atlântica, sancionada pelo presidente Lula em 2006. O projeto é relatado pelo deputado Irajá Abreu (PSD-TO), filho da presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), senadora Kátia Abreu (PSD-TO).

Defesa apoiou PEC contra índio
O Ministério da Defesa já se posicionou a favor do esvaziamento de órgãos da União na delimitação de terras indígenas, unidades de conservação e comunidades quilombolas. Pareceres técnicos do ministério foram favoráveis à aprovação da PEC nº 215, de 2000. A proposta atribui ao Congresso a função de delimitar as terras. Hoje, essa é uma atribuição da Funai, no caso das terras indígenas; ICMBio, responsável por parques federais; e Fundação Cultural Palmares, a quem cabe os estudos sobre os quilombolas. A demarcação é determinada por decreto.

“A participação do Congresso no processo de demarcação das terras indígenas poderá ampliar o fórum de discussão, inserindo novos atores diretamente relacionados com o tema”, cita o parecer, elaborado em 2009. O ministro da Defesa na ocasião era Nelson Jobim. A assessoria de imprensa da pasta informou ao Correio que o atual ministro, Celso Amorim, ainda não analisou o conteúdo da PEC 215, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara na última quarta-feira. “O Ministério da Defesa seguirá a posição do governo. O parecer de 2009 se restringiu à adequação constitucional e refletia a posição do ministro Nelson Jobim”, diz a assessoria.

No ano seguinte ao parecer do Ministério da Defesa, o Ministério da Justiça, também por meio de pareceres técnicos, se posicionou contrário à PEC 215. “A demarcação de terras indígenas não se confunde com o exercício da função legislativa. Submeter as demarcações à aprovação do Congresso Nacional é subverter por completo o sistema de freios e contrapesos estabelecidos pelo princípio da separação de poderes”, cita um parecer de 2010, que conclui pela inconstitucionalidade da PEC. (VS)
 
por Vinicius Sassine

Comento:
É evidente que existem setores no Congresso confessadamente insatisfeitos com as ações do governo Dilma. Muitos dos tais ‘interesses’ são, digamos, pouco republicanos, mas...
Alguns aspectos apresentados na reportagem merecem reflexão:
O setor agropecuário, responsável por grande parte dos resultados econômicos satisfatórios do país, não tem o dever de defender seus pontos de vista?
O Brasil tem a maior área preservada de florestas do planeta e o lobby ecológico fundamentalista patrocinado por entidades estrangeiras quer por quer impor sua agenda e recuperar as áreas desmatadas, retroagindo ao patamar existente em 1.499.
Já vi a senadora Kátia Abreu na tribuna do Senado informando que a CNA aceita uma meta de desmatamento zero. É claro que não é preciso destruir a mata, também sou favorável que os grandes produtores recuperem áreas indevidamente devastadas, mas não creio que seja razoável obrigar agricultores familiares a abandonarem suas produções, posto que, certamente, não conseguirão cumprir as exigências draconianas que os ambientalistas fundamentalistas teimam em querer inserir no Código Florestal.
Tem mais...
Creio que seja bastante defensável a ideia de discutir no Congresso Nacional a demarcação de terras indígenas, quilombolas... Não entro no mérito da constitucionalidade, mas, é no mínimo, cavilosa a afirmação de que o Ministério da Defesa tenha dado parecer contra os índios. A não ser que se tenha como premissa que o Congresso seja contra os índios... 

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