sábado, 24 de março de 2012

Quais os efeitos de uma tributação mal planejada?


A Análise Econômica do Direito Tributário promove uma união entre o direito tributário e a economia, com o intuito de melhorar a eficiência alocativa, a justiça fiscal e a distribuição de renda. A economia pode oferecer subsídios ao direito tributário para evitar que a tributação gere desestímulo às atividades econômicas ou que piore a distribuição de recursos na sociedade.

Existem duas perspectivas para a Análise Econômica do Direito Tributário:
  • positiva;
  • normativa.
Na análise positiva, estuda-se o sistema tributário como ele é. Utilizam-se conceitos e métodos da ciência econômica para entender o direito positivado e as instituições jurídicas vigentes para então ver os efeitos que produzem à sociedade. Por exemplo, analisa-se o impacto das normas e das decisões judiciais, verificando-se se o efeito pretendido foi atingido e se o foi com o menor custo possível para a sociedade.

A perspectiva normativa busca oferecer soluções alternativas para o sistema tributário. Nesta abordagem, instrumentos econômicos e de outras áreas de conhecimentos são utilizados para elaborar e propor novos conceitos jurídicos ou reformar os vigentes. A Análise Econômica do Direito entende que os indivíduos são racionais ao reagir a incentivos, ao buscar maximizar suas próprias utilidades e ao efetuar escolhas consistentes baseadas em recursos limitados em vista de alternativas conflitantes. Assim, a Análise Econômica Normativa do Direito Tributário incorpora à normatização tributária conceitos como eficiência produtiva, eficácia alocativa, justiça distributiva e ordenamento institucional.

Quando se discute a elaboração de normas tributárias, no contexto do processo legislativo, vários cuidados deveriam ser tomados. Antes de a lei entrar em vigência, deveriam ser respondidas questões como: De que forma os contribuintes e demais agentes econômicos afetados reagirão à medida? Qual o efeito da medida proposta sobre a distribuição de renda e a alocação de recursos? A norma promoverá sonegação? O gasto com a fiscalização será excessivo? Está sendo criada margem para demandas judiciais? (para saber mais sobre o efeito da legislação no desenvolvimento, leia, neste site, Como as Leis e o Poder Judiciário afetam a Economia?)

Sob o ponto de vista jurídico, o primeiro item a ser observado são as limitações ao poder de tributar previstos na Constituição. De certa forma, a Constituição resume os desejos da população, aos quais as leis têm de se conformar. É o caso dos fundamentos do Estado (soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa), dos direitos e garantias individuais e, especialmente, dos princípios da ordem econômica previstos no art. 170 da Constituição. Ao mesmo tempo em que a Constituição prevê que nosso sistema econômico seja baseado na propriedade privada e na livre concorrência, também prevê que as leis devem atender à soberania nacional, à função social da propriedade; à defesa do consumidor e do meio ambiente; além de buscar a redução das desigualdades regionais e sociais, o pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte.

Ou seja, a Constituição, como forma de expressão dos anseios da sociedade, prevê que a ordem econômica não se restrinja ao livre mercado. Os princípios expressos no art. 170 são particularmente importantes porque preveem a atuação do Estado em circunstâncias nas quais as forças de mercado não conseguem gerar alocações que otimizam o bem estar social.  Sabemos que existem situações em que o mercado não se ajusta sozinho, são as chamadas “falhas de mercado”, como a necessidade de o Estado prover bens de natureza pública, resolver externalidades, minimizar assimetrias de informação ou atuar contra abusos de poder de mercado, quando ocorrem restrições à competição.  Quando o mercado falha, a intervenção do governo pode ser importante para colocar a sociedade em um nível mais elevado de bem-estar. (a esse respeito veja, neste site, o texto Porque o governo deve interferir na economia? )

A tributação, em especial, tem um papel crucial na resolução de várias dessas falhas. Uma questão importante no Brasil, que se apresenta de forma bem grave, é a péssima distribuição de renda no país. Esse problema pode ser amenizado por um sistema tributário progressivo, em que os ricos pagam mais impostos; ou na tributação mais intensa sobre propriedades urbanas e rurais subutilizadas.

A tributação pode, assim, ser uma forma de o governo atuar para resolver as falhas de mercado.

É claro que a tributação também tem por finalidade levantar recursos para financiar as atividades do Estado. O que se questiona é que, frequentemente, essa arrecadação é fruto de leis que foram construídas sem uma avaliação minuciosa de seus efeitos, o que gera diversas falhas de governo. Ou seja, a atuação do governo, ao tentar resolver as falhas de mercado, pode gerar distorções maiores que aquelas a que ele propõe resolver. São as chamadas falhas de governo. (para saber mais, consulte, neste site, o texto Por que a intervenção do governo pode gerar prejuízos à sociedade?).

Vimos que um dos fundamentos do Estado é a livre iniciativa, ou seja, deve ser assegurada a liberdade de acesso ao mercado. Mas, depois do acesso, não há que se lutar pela permanência do empreendimento no mercado? A complexa legislação tributária brasileira, as falhas na fiscalização e alta carga tributária provocam diversas distorções que prejudicam a alocação ótima na sociedade e, em algumas vezes, aniquilam o empresário que procura cumprir todas as obrigações tributárias. Essa situação faz com que a tributação seja não neutra, pois prejudica mais fortemente algumas firmas (as que tentam cumprir a lei) do que outras, dentro de um mesmo setor, alterando – indevidamente – as condições de concorrência.

Outra importante consequência negativa da tributação brasileira é a guerra fiscal. Existem três possibilidades para a tributação do ICMS: na origem, no destino e um regime misto. Atualmente, vigora no Brasil o regime misto, em que estados produtores e estados compradores dividem o valor do imposto. A existência de uma alíquota interestadual gera incentivos para a guerra fiscal, uma vez que o estado que concede o benefício abre mão de sua arrecadação. Mas é uma arrecadação que, na ausência da guerra fiscal, não ocorreria de qualquer jeito, se a empresa não viesse a se instalar em seu território. Um dos grandes perdedores é o estado que sediava a empresa e que terá as atividades dela interrompidas em sua área, face à mudança para outra unidade da federação. Outro grande perdedor são os concorrentes que já estão produzindo em outros estados e cujos custos fixos associados à instalação da planta ainda não foram totalmente depreciados.

O estado que concede o incentivo ganha também de forma indireta porque atrai os fornecedores da empresa subsidiada, contribuindo para a criação de empregos e a dinamização da economia local. Imagine agora se todos os estados começam a dar incentivos fiscais para atrair empresas. A guerra fiscal gerará uma queda generalizada da arrecadação, com agravamento dos déficits públicos. Qual a solução para o dilema?

Se o ICMS fosse integralmente ou preponderantemente de destino, a guerra fiscal seria muito enfraquecida, e não feriria (ou feriria muito pouco) as finanças dos estados. Ocorre que essa situação não agrada os estados que concentram a produção e aí a reforma tributária não caminha. (para saber mais sobre o tema, leia O que é guerra fiscal? neste site).

O processo legislativo é importante para explicar a qualidade de nossas leis. Um problema nesse sentido é a constante mudança da legislação tributária feita por Medidas Provisórias (MPs), em que praticamente não há discussão, uma vez que seus prazos de tramitação são bem exíguos. O resultado é que decisões que criam novas obrigações ou que concedem benefícios fiscais são tomadas sem a realização de debates, audiências públicas ou apresentação de contraditório.

Um exemplo dessa prática foi a Medida Provisória nº 512, de 2010, que foi convertida na Lei nº 12.407, de 2011. O principal item dessa lei é a concessão de incentivos fiscais com base na concessão de crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), como ressarcimento da contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), no montante do valor das contribuições devidas, em cada mês, decorrente das vendas no mercado interno para empresas automobilísticas localizadas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Além de haver evidências de que essa lei tem a função de privilegiar empresas específicas, conforme relatam Miranda e Santos (2011), os incentivos são oferecidos com perda da arrecadação do IPI. Ocorre que apenas 52% da arrecadação do IPI são da União, pois o restante é destinado ao Fundo de Participação dos Estados – FPE (21,5%), ao Fundo de Participação dos Municípios – FPM (22,5% + 1%) e aos Fundos Constitucionais de Financiamento (3%), conforme o art. 159 da Constituição Federal.

Assim, além do custo da isenção fiscal que se espraia por toda a economia nacional, seria importante considerar o impacto da isenção do IPI nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, principalmente para seus vinte Estados, 2.704 Municípios e três Fundos Constitucionais de Financiamento. Será que a isenção conferida a poucas empresas automobilísticas (estimada em R$4,5 bilhões) compensa a perda de todos os outros entes da federação? No mínimo, essa questão precisaria de muito mais estudos técnicos para avalizá-la, se não, para conferir mais transparência ao processo.

Na mesma linha de falhas causadas pela legislação tributária, Fortes e Bassoli (2010) trazem exemplo interessante. Em decorrência da grande sonegação no setor de bebidas, a Receita Federal expediu ato determinando que houvesse a instalação de medidores de vazão nas fábricas de cerveja. Assim, a tributação, que incide sobre o volume comercializado, passa a ser cobrada não pelo valor da venda no varejo, mas pela produção medida pela quantidade de litros de cerveja produzida (substituiu-se uma alíquota ad valorem por uma alíquota específica). O tributo de toda a cadeia produtiva passou a ser recolhido logo na fonte distribuidora.

A ideia parece fantástica, no entanto, gerou sérios problemas sob o ponto de vista da neutralidade fiscal. Como a alíquota é sobre o litro produzido, os produtos de melhor qualidade – supostamente de maior custo e mais caros – passaram a pagar relativamente menos tributos que as distribuidoras de produtos mais baratos, em geral, pequenos produtores. Isso favorece a concentração do mercado nas mãos das grandes produtoras. Em suma, a norma, ao baratear artificialmente a bebida mais cara, atrapalhou a concorrência igualitária.

De forma geral, a Análise Econômica do Direito Tributário sugere aos legisladores tributaristas evitar distorções em mercados específicos e atuar de forma redistributiva. Para tanto, recomenda-se: aplicar a tributação em base tributável grande (em vez de taxar alface, é melhor tributar verduras em geral, por exemplo); desenhar regras simples e objetivas (transparência, clareza visando menores custos de transação); fazer a incidência do tributo sobre bens ou atividades de demanda inelástica, ou seja, aqueles cuja demanda reage pouco a variações nos preços, o que reduz a ineficiência associada à tributação (por exemplo, combustíveis e energia elétrica); ser justo (não violar equidade); buscar quando possível ser progressivo (atribuição redistributiva); e ter baixo custo administrativo.

Algumas vezes tais princípios são conflitantes. Por exemplo, a demanda por bens de primeira necessidade, como produtos da cesta básica, é pouco elástica, o que, por questões de eficiência econômica, recomendaria tributação elevada. Entretanto, considerações de equidade recomendam que tais bens sejam pouco tributados. Cabe ao governante avaliar essas situações e definir quando questões de eficiência devem se sobrepor às de equidade, e vice versa.

Procuramos nesse texto mostrar a utilidade e as aplicações da análise econômica do direito tributário, frisando possíveis falhas que podem advir em consequência da ausência de uma avaliação de impacto da norma tributária. A legislação que cria ou majora tributos ou que concede benefícios fiscais deve ser cuidadosamente desenhada para que se aumente a eficiência da atividade econômica e se promova mais equidade. A tributação pode ser uma ferramenta interessante para solucionar falhas de mercado, mas também pode consistir em uma atuação governamental que prejudica o desenvolvimento econômico.

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Referências Bibliográficas.

Miranda, R. N.; Santos, C. B. “POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL: UMA CRÍTICA À MP 512”. Texto para Discussão nº 87, Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado. Brasília: Senado Federal, 2010. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm.

Fortes, F. C.; Bassoli, M. K. “Análise Econômica do Direito Tributário: Livre Iniciativa, Livre Concorrência e Neutralidade Fiscal”. Scientia Iuris, v. 14, nov/2010. Londrina: UEL, 2010.
 
Por Fernando Meneguin

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