O conceito de avaliação das ações governamentais, assim
como o de planejamento, surge com as
transformações no papel do Estado especialmente devido ao esforço de
reconstrução após a Segunda Guerra, à
adoção de políticas sociais e à conseqüente necessidade de analisar os custos e
as vantagens de suas intervenções. Mais recentemente, no âmbito do grande
processo de mudança das relações entre o Estado e a sociedade e da reforma da
administração pública, que passa do primado dos processos para a priorização
dos resultados, a avaliação assume a condição de instrumento estratégico em
todo o ciclo da gestão pública (Kettl, 2000).
Segundo Guba & Lincoln (1990), a trajetória histórica
dos processos de avaliação, passa de um primeiro estágio, centrado na medida
dos fenômenos analisados, para a focalização das formas de atingir resultados,
evoluindo para um julgamento das intervenções e, finalmente, tendendo a
constituir “um processo de negociação entre os atores envolvidos na intervenção
a ser avaliada” (Constandriopoulos, 1997).
O termo
“avaliação” é amplamente usado em muitos e diversos contextos, sempre se
referindo a julgamentos. Por exemplo, se vamos ao cinema ou ao teatro formamos
uma opinião pessoal sobre o que vimos, considerando satisfatório ou não. Quando
assistimos a um jogo de futebol, formamos opinião sobre as habilidades dos
jogadores. E assim por diante. Estes são julgamentos informais que efetuamos
cotidianamente sobre todos os aspectos das nossas vidas. Porém, há avaliações
muito mais rigorosas e formais, envolvendo julgamentos detalhados e
criteriosos, sobre a consecução de metas, por exemplo, em programas de redução da exclusão social, melhoria da saúde
dos idosos, prevenção da delinqüência juvenil ou diminuição de infecções hospitalares. Essas correspondem
à avaliação formal, que é o exame sistemático de certos objetos, baseado
em procedimentos científicos de coleta e análise de informação sobre o
conteúdo, estrutura, processo, resultados e/ou impactos de políticas,
programas, projetos ou quaisquer intervenções planejadas na realidade (Rua,
2000).
As definições de avaliação são muitas, mas um aspecto consensual é a sua característica
de atribuição de valor. A decisão de aplicar recursos em uma ação pública sugere
o reconhecimento do valor de seus objetivos pela sociedade, sendo assim, sua
avaliação deve “verificar o cumprimento de objetivos e validar continuamente o
valor social incorporado ao cumprimento desses objetivos” (Mokate, 2002).
A avaliação representa um potente instrumento de gestão,
na medida em que pode – e deve - ser utilizada durante todo o ciclo da
gestão, subsidiando desde o planejamento
e formulação de uma intervenção, o acompanhamento de sua implementação, os
conseqüentes ajustes a serem adotados até as decisões sobre sua manutenção,
aperfeiçoamento, mudança de rumo ou interrupção. Além disso, a avaliação pode
contribuir para a viabilização de todas as atividades de controle interno,
externo, por instituições públicas e pela sociedade, levando maior
transparência e accountability às ações de governo. Por isso,
Mokate (2002) defende que uma das características-chave da avaliação deve ser
sua integração a todo o ciclo de gestão, desenvolvendo-se simultaneamente a
ele, desde o momento inicial da identificação do problema.
Além
dos objetivos relacionados à eficiência e eficácia dos processos de gestão
pública, a avaliação é decisiva para o processo de aprendizagem institucional e
também contribuiria para a busca e obtenção de ganhos das ações governamentais em termos de satisfação dos usuários e de legitimidade social e política.
Por essas e outras razões, tem sido ressaltada a importância dos processos de
avaliação para a reforma das políticas públicas, modernização e democratização
da gestão pública.
Nos países desenvolvidos, os processos de avaliação de
políticas vêm se tornando crescentemente institucionalizados. Isso exige o empenho das estruturas
político-governamentais na adoção da avaliação como prática regular e
sistemática de suas ações, na regulação das práticas avaliativas e no fomento
de uma cultura de avaliação integrada aos processos gerenciais (Hartz, 2001).
No Brasil, a importância da avaliação das políticas
públicas é reconhecida em documentos oficiais e científicos, mas esse
reconhecimento formal ainda não se traduz em processos de avaliação
sistemáticos e consistentes que subsidiem a gestão pública (Hartz et
Pouvourville, 1998).
Esse consenso no plano do discurso não produz
automaticamente a apropriação dos processos de avaliação como ferramentas de
gestão, pois freqüentemente a tendência é
percebê-los como um dever, ou até mesmo como uma ameaça, impostos pelo
governo federal ou por organismos financiadores internacionais.
Mokate (2002) identifica algumas das possíveis razões
pelas quais a avaliação não seria facilmente integrada ao ciclo de gestão:
(1) Os paradigmas gerenciais
dificultam a apropriação da avaliação pelas equipes de gestão, na medida em que
focalizam mais as atividades e processos do que os resultados, não valorizando
a explicitação de metas e objetivos, e a responsabilização pelo seu alcance;
(2) As aplicações convencionais dos
processos de monitoramento e avaliação têm se realizado de tal maneira que não
têm induzido sua percepção como aliados do processo de gestão, cabendo
freqüentemente apenas aos avaliadores externos e assumindo o aspecto de
fiscalização, auditoria ou controle, cujos resultados não costumam ser
utilizados no processo decisório e gerencial;
(3) A complexidade dos objetivos e a
adoção de estratégias e tecnologias diferenciadas, que não necessariamente
conduzem ao mesmo resultado, dificultam a avaliação das intervenções. A
sensibilidade dos problemas sociais a múltiplas variáveis faz com que a seleção
de estratégias para seu enfrentamento se baseie em hipóteses de relações
causais. É particularmente difícil atribuir, através da avaliação, as mudanças
observadas a uma intervenção específica operada sobre um problema, até porque,
freqüentemente, os efeitos de algumas intervenções só se evidenciam no longo
prazo.
A avaliação tem constituído uma estratégia de mudança do
paradigma gerencial. Sob o ponto de vista da gerência social, as políticas
devem ser avaliadas pelo cumprimento de seus objetivos e os gerentes devem ter
incentivos naturais para utilizar informação no acompanhamento de seu
desempenho em relação a esses objetivos. Mokate (2002) aponta quatro desafios
prioritários para construir um processo de avaliação aliado à gerência social:
1.
A
definição de um marco conceitual da intervenção que se pretende avaliar,
indicando claramente objetivos, resultados e as supostas relações causais que
orientam a intervenção, pois quando não se sabe onde e como se quer chegar,
torna-se muito difícil avaliar nosso desempenho.
2.
A
superação da brecha entre o “quantitativo” e o “qualitativo” na definição de
metas e objetivos e na própria avaliação, gerando complementaridade e sinergia
entre eles;
3.
A
identificação e pactuação de indicadores e informações relevantes, levando em
conta o marco conceitual e as diversas perspectivas e interesses dos atores
envolvidos;
4.
A
definição e manejo efetivo de fluxos da informação gerada pelo processo
avaliativo e a introdução de estratégias de incentivos que promovam o uso dessa
informação.
Para uma cultura gerencial que incorpore uso efetivo da
avaliação ao ciclo de gestão, Mokate (2002) aponta algumas condições:
a) incentivar a flexibilidade e a
inovação como mecanismos para assegurar o alcance de objetivos máximos
desejados e tolerar o erro para promover ajustes e mudança de opções;
b) permitir que, dentro da
organização, os que têm a informação possam fazer uso dela, inclusive
disseminá-la, em função dos objetivos pretendidos;
c)
definir
“valores objetivos” e “valores de referência” que facilitem a interpretação da
informação;
d) adotar incentivos organizacionais
e gerenciais que favoreçam o uso da informação (premiação ou reconhecimento por
mérito ou alcance de resultados);
e) estabelecer mecanismos de ajuste
para realocação de recursos humanos, físicos e financeiros, redefinição de
estratégias operativas e modificações nos produtos e serviços para alcançar os
objetivos desejados;
f)
vincular
os indicadores ou informações com os processos decisórios;
g) especificar “pontos de decisão”,
fixando prazos e “valores objetivo” para alguns indicadores;
h) comprometer os gestores e suas
equipes com o alcance de metas através de pactos e contratos de gestão ou
desempenho.
A avaliação de desempenho constitui um importante
instrumento para a gestão das intervenções, mas a falta de acordo sobre como
medir esse desempenho ainda é um desafio. Como o desempenho refere-se ao grau
de alcance dos objetivos e os países definem diferentes objetivos, metas e
dimensões de desempenho nas suas avaliações, muitas vezes torna-se difícil
fazer análises comparativas. Esse tipo de avaliação deveria focalizar
fundamentalmente qualidade, eficiência e eqüidade, mas as experiências
internacionais de avaliação de desempenho enfocam de maneira desigual essas
dimensões. Nos países da OECD predominam análises sobre a melhoria de resultados
e sobre a “responsividade”. Apesar de as recomendações de organismos
internacionais, no sentido de que a eqüidade seja uma dimensão transversal de
todas as avaliações de desempenho. Especialmente no caso das intervenções de
natureza social, ainda são poucas as
experiências que consolidaram o exame desta dimensão.
[...]
Fonte
RUA, Maria das Graças. A avaliação no ciclo de Gestão Pública. Disponível em:
<http://www.enap.gov.br/downloads/ec43ea4fIndicadores_desmistificacao_problema_1.pdf>.
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