Na semana passada o Brasil mostrou ao mundo que é uma democracia adulta e madura, quase podre. A presidenta Dilma Roskoff mandou instaurar a Comichão da Verdade que vai investigar os crimes políticos cometidos entre 1946 e 1988. Felizmente estou fora dessa: só cometi crimes dessa natureza antes de 46 e depois de 88.
Numa cerimônia ecumênica estavam ao lado de Dilda Roussef, três ex-presidentes e o Lula, que é o atual. A cerimônia teve um forte apelo simbólico. Os presidentes reunidos eram uma representação da grande família brasileira: Dilma é a Mãe do PAC, FHC é o Pai do Plano Real (a mãe é o Itamar) e o Sarney e o Collor são dois filhos-da-pátria.
Esta
Comissão, na verdade, vai investigar os crimes da ditadura de 64 quando
os militares tomaram o poder (com PH) e transformaram o Brasil numa
imensa Cuba para que o país não virasse uma nação comunista. Bons tempos
aqueles... Nós jornalistas apanhávamos tanto e a gente nem sabia
porque. Alguma a gente deve ter feito... Lembro-me que, certa feita,
fomos presos eu, o Zuenir Ventura, Luís Fernando Veríssimo, Rubem
Fonseca e o Ziraldo. Com a nossa chegada, a Vila Militar ficou parecendo
a FLIP de Paraty. Enquanto jornalistas miseráveis e esfaimados,
estávamos todos pensando que aquilo ali era mais uma dessas bocas livres
de caráter literário tipo 0-800, com tudo de grátis. Mas não era nada
disso.
O pau começou a cantar. Mesmo depois de tortura violenta,
Luís Fernando Veríssimo, como sempre, não abriu a boca. Passávamos o dia
inteiro no pau de arara. Arara era um sargento afro-descendente
conhecido por sua enorme e descomunal violência.
Isaura, a minha patroa, militante incansável de esquerda, contrabandeava para dentro da cadeia artigos de primeira, segunda e terceira necessidade. Tudo malocado numa parte remota da sua anatomia. Uma vez ela trouxe até um celular mas não adiantou nada porque os telefones celulares ainda não tinham sido inventados nem as telefônicas privatizadas.
Quem também sofreu o
diabo na mão dos militares cruéis foi o Paulo Francis. Para passar o
tempo, o grande repórter nova iorquino e eu organizamos uma roda de
pôquer com um general boa praça, que não sabia que estava se metendo com
perigosos jornalistas. Numa partida emocionante, o pobre militar da
linha dura, coitado, acabou perdendo a casa no Grajaú e a esposa numa
rodada de fogo onde, eu e o Francis ganhamos, cada um com um four de
ases na mão.
Por trás das grades da masmorra, observávamos os
milicos dando duro para a construção do Brasil Grande. Eles passavam o
dia inteiro aparando a grama do campo de futebol dos oficiais e caiando
as árvores até a metade. Já estava ficando entediado com aquela rotina
de apanhar o dia todo quando o Jaguar, sempre habilidoso, cavou, com uma
colher de chá, um túnel que saía de nossa cela e ia até um botequim
perto do quartel.
Já respirando os ares da liberdade, combinamos de escapar numa sexta feira depois do expediente. Mas nosso plano falhou. Assim que chegamos no boteco, o Jaguar resolveu parar pra tomar a saideira e nós fomos presos de novo. Algum X-9 deve ter nos dedurado.
Mas hoje, felizmente, este período negro, quer dizer, este período afro-tenebroso de nossa história, vai ser desenterrado. Ao contrário da CPI do Cachoeira, a Comichão da Verdade vai esclarecer tudo, doa a quem doou. Inclusive o esquecido e pornográfico Escândalo da Mandioca que, até hoje, está entalado na garganta do brasileiro. A mandioca, não o escândalo.
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