O Hospital Geral Monsenhor Walfredo Gurgel/Clóvis Sarinho é o grande termômetro da saúde pública no Rio Grande do Norte. Se ele está superlotado é sinal de que a retaguarda de atendimento não funciona como deveria. Nas cidades próximas a Natal, com exceção do Hospital Regional Deoclécio Marques, os outros seis hospitais regionais estão subutilizados. Em dois deles, visitados pela reportagem da TRIBUNA DO NORTE o número de pacientes está abaixo da capacidade instalada. Sobram leitos, diariamente.
Na quinta-feira, 03, o Hospital
Regional Alfredo Mesquita, em Macaíba, que possui 21 leitos de clínica médica
(sendo um de isolamento), mantinha apenas onze pacientes internados. No mesmo
dia, o Hospital Regional Deoclécio Marques, em Parnamirim, a menos de 15
quilômetros, trabalhava com 30% acima de sua capacidade. Somente a
ortopedia, que tem a maior demanda, estava com 75 pacientes internados, dos
quais 70 aguardam cirurgia.
No Deoclécio Marques, a equipe de reportagem da TRIBUNA DO NORTE encontrou
pacientes internados em macas, alojados em salas improvisadas e nos corredores.
Já no Alfredo Mesquita, dez leitos estavam vazios. Na cidade de São José de
Mipibu, o Hospital Regional Monsenhor Antônio Barros tem espaço "de
sobra", segundo os profissionais de saúde, para ser uma unidade de apoio
para o Hospital Walfredo Gurgel, em casos simples, em que os pacientes estejam
estabilizados.
Na sexta-feira, 4, a unidade tinha vagos quatro leitos de clínica médica, três
de pediatria e sete cirúrgicos. Nas unidades, as diretorias reconhecem a
subutilização e garantem que informam, diariamente, à Coordenadoria de Operação
dos Hospitais (Cohur), da Secretaria Estadual de Saúde Pública, o número de
leitos vagos. "Nós informamos e nunca recusamos qualquer transferência,
até porque quando houve a restruturação ficamos como hospital de
retaguarda", afirmou a diretora geral da unidade de Macaíba, Altamira
Galvão de Paiva.
No entanto, os gestores dos hospitais regionais são unânimes em afirmar que
aumentar a produtividade, ou seja, a ocupação da unidade exige ampliação de recursos
humanos. "Hoje nossa dificuldade", afirmou a diretora da unidade,
Célia Serafim, "é de recursos humanos. Estamos pensando em aumentar o
número de cirurgias, mas não temos equipe suficiente para isso". Nenhum
deles tem Unidade de Terapia Intensiva (UTI), o que impede a realização de
cirurgias mais complexas.
Essa unidade tem 28 que realizam, em média 20 cirurgias por semana, segundo
informou a Célia Serafim. Em Macaíba, o centro cirúrgico está fechado há, pelo
menos, um ano. A situação de 'caos' dos principais hospitais levou o Ministério
Público Estadual a realizar um estudo que possa revelar porque os hospitais da
rede estadual consomem milhões de reais para pagamento de profissionais
da saúde e, ainda assim, a assistência é deficiente.
Solicitado ao Centro de Apoio às Promotorias de defesa da Cidadania, pela
promotora de Justiça da Saúde, Iara Pinheiro, o estudo motivou uma
auditoria nas unidades integrantes da rede estadual de Saúde Pública. A
pedido da promotora, o procurador-geral do Ministério Público junto ao
Tribunal de Contas, Thiago Martins Guterres, requereu a auditoria que foi
aprovada pelo Tribunal de Contas do estado, em janeiro deste ano.
No documento enviado ao Ministério Público de Contas, a promotora afirma que "a rede hospitalar do Estado absorve vultuosos recursos
financeiros, especialmente no pagamento da folha de pessoal, sem oferecer
mínimas condições de assistência regionalizada". O resultado disso,
destaca a Iara Pinheiro, "é a transferência de pacientes para atendimento
em Natal e, em menor escala, nas cidades polos, como Mossoró e
Parnamirim". A promotora afirma que "os hospitais regionais possuem
potencial para uma resposta assistencial de qualidade".
MP afirma que há distorções nas unidades
Para a Promotoria de Defesa da Saúde, a relação custo-benefício está
descompensada no caso dos hospitais regionais da rede estadual. Ao solicitar a
auditoria a promotora Iara Pinheiro citou a necessidade de "corrigir
distorções". O MP constatou na rede estadual de 23 hospitais "disparidade
entre os recursos gastos na manutenção e a efetividade de ações de saúde".
Dados do estudo do MP mostram que o hospital regional de Macaíba, por exemplo, custou, entre janeiro e agosto do ano passado,
aproximadamente R$ 681,4 mil, mas R$ 616,6 foram destinados a pagamento de
pessoal. Em contrapartida, a unidade realizou, no mesmo período, 1.274 procedimentos de internação
hospitalar. A demanda maior foi ambulatorial: mais de 302 mil atendimentos.
No hospital regional de São José de Mipibu, do total de gastos, R$ 711,3 mil,
mais de R$ 644 mil foram destinados para pessoal. A unidade realizou 151 internações
hospitalares e 26,8 mil atendimentos ambulatoriais. O período
analisado foi o mesmo.
O MP considera desequilibrada a distribuição espacial das unidades e critica a
oferta de serviços de baixa complexidade nas unidades hospitalares. A chamada
ambulancioterapia continua em alta, nas portas das principais unidades de Natal
e Parnamirim. A falência da Atenção Básica, de
responsabilidade dos municípios, agrava a crise na rede hospitalar.
Casos simples como torcicolo, torção e viroses continuam superlotando as
unidades, que deveriam estar atendendo pacientes com patologias mais complexas.
"A todo instante, recebemos pacientes de outros municípios, na maioria das
vezes", afirma a diretora do hospital regional, em Macaíba, Nilzelene
Carrasco, "pacientes que poderiam recorrer aos postos de saúde e às UPAS
[Unidades de pronto-Atendimento]".
Segundo ela, esses pacientes não deixam de ser atendidos. "Apesar de toda a crise das últimas semanas, que só
agora começa a ser equacionada", disse Nilzelene, "em nenhum
momento nossa porta de atendimento foi fechada. Atendemos a todos os que
chegaram ao hospital".
No hospital regional, em São José, a técnica de enfermagem Maria Aparecida de
Oliveira reclamou da sobrecarga de trabalho, devido à superlotação que acontece
no pronto-socorro da unidade. "Hoje os bancos estão cheios de pacientes
que deveriam estar sendo atendidos na atenção básica", afirmou Aparecida.
A técnica de enfermagem ressaltou que não estava "questionando a
necessidade do paciente, mas a falência da atenção básica".
Segundo Maria da Guia Dantas dos Santos, diretora local do Sindicato dos
Servidores da Saúde do RN, o município possui 17 equipes de Estratégia de Saúde
da Família (antigos PSFs). "Pelo que a gente vê, todos os dias aqui, essas
equipes não funcionam e a gente questiona para onde estão indo os recursos que
são repassados", asseverou.
Inspeção registra falta de cuidados
Por quase uma hora fiscais do Conselho Regional de Medicina no Rio Grande
do Norte (Cremern) visitaram todas as alas de internação e corredores do
Hospital Monsenhor Walfredo Grugel/Clovis Sarinho, no início da tarde de ontem.
O relatório da inspeção será apresentado ao presidente do Cremern, Jeancarlo
Fernandes, nesta segunda-feira, 7. No mesmo dia, o documento será levado ao
conhecimento do plenário do Conselho, que poderá aprovar uma intervenção em
alguns setores do HWG.
"Na impossibilidade de atuarmos em toda a unidade", avisou Jeancarlo
Fernandes, "vamos atuar no setor de reanimação". O presidente do
Cremern adiantou que "a situação está mais grave
do que se pensava". A última visita do Conselho ao Walfredo Gurgel
foi realizada em janeiro deste ano, juntamente com a Comissão de saúde da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e várias recomendações foram emitidas.
Os fiscais do Cremern fizeram fotografias e registros para colher provas
de materialidade do fato. Jeancarlo Fernandes disse que um relato informal dos
médicos que fizeram a inspeção aponta para uma situação "de caos
absoluto". No HWG, os pacientes entubados, que precisam de terapia
intensiva (UTI) estão acomodados em macas, que transbordam da sala de
reanimação para corredores, politrauma e clínica médica e observação
pós-cirúrgica.
Na madrugada de ontem um desses pacientes entubados no corredor veio a óbito. O
Cremern tem imagens comprovando desassistência. As fotografias mostram resíduos
de larvas de mosca na boca do paciente. "Na verdade, os pacientes estão
jogados num cantinho de parede, sem ter quem olhe por eles, o que é
completamente inadmissível", afirmou o médico.
Jeancarlo frisou que o paciente necessita de vigilância constante e, se essa
assistência não é dada adequadamente, o resultado é a elevação da mortalidade.
"Num hospital de trauma", afirmou Jeancarlo Fernandes, "a
mortalidade é maior pela própria natureza do paciente, entretanto parte das
mortes não ocorrem na hora do trauma. O paciente que está morrendo é aquele que
está estabilizado e internado há mais de uma semana, nos corredores".
Segundo enfermeiras do HWG entrevistadas, pela equipe da TN, na semana
passada ocorreram 44 óbitos, sem considerar as mortes por trauma. A unidade tem
um técnico de enfermagem para cada 16 pacientes.
Grande Natal tem oito hospitais
Dos hospitais da rede estadual, oito estão na região metropolitana de Natal.
Com corredores lotados, unidades como o Walfredo Gurgel, Santa Catarina, e
Deoclécio Marques, em Parnamirim, estão operando 'milagres', segundo os gestores
para atender a demanda. No entanto, unidades como o Alfredo Mesquita, em
Macaíba, e Antônio Barros, em São José de Mipibu, que têm espaços e leitos
ociosos poderiam ser um ponto de apoio.
A médica Jacila Braga, do HRMAB, de São José, afirma que "a unidade
tem condições para isso, por ter equipamento de raio-x, de atender traumas
simples, como luxações, torções, fratura de punho, torcicolos. Mas precisa ser
equipada e ter mais profissionais". Ontem, a médica estava transferindo a
paciente Maria Letícia da Silva, 15 anos, para Parnamirim. "Ela está com
problema de torcicolo, mas é preciso ortopedista faça uma avaliação",
explicou a médica.
No hospital regional de Macaíba, depois da interdição ocorrida no ano passado,
a unidade reabriu apenas com 21 leitos de clínica médica. A obstetrícia, que
antes da interdição chegou a fazer uma média de 160 partos/mês, está sem
funcionar, aguardando reforma do centro cirúrgico e da sala de parto. Berços
comuns e aquecidos, encubadora e diversos equipamentos estão sem uso.
A diretora geral Altamira Galvão de Paiva disse que aguarda orçamento para
inicar a reforma. Os dois hospitais não possuem autonomia financeira. Segundo
os médicos do interior, a superlotação de Natal e Parnamirim deve-se a uma regulação ineficiente. No último sábado, no hospital
de São José, a médica teve que aguardar cinco horas para a transferência de um
paciente infartado.
Segundo o coordenador de Ortopedia do Estado, Jean Valber, a quebra no fluxo de
pacientes da ortopedia tornou a superlotação mais crítica na última semana. O
governo do Estado estava em débito com a Cooperativa de Médicos do RN que
disponibiliza ortopedistas para os procedimentos. Eles só retomam o atendimento
na segunda-feira.
Devido à greve, a unidade está trabalhando com 30% de sua equipe. "Nós só
conseguimos fechar uma equipe, apesar de termos capacidade para fazer três
cirurgias simultâneas", disse o médico. Ela acredita que se a retaguarda
fosse estruturada melhor, desafogaria os hospitais de Natal e Parnamirim.
Tribuna do norte - Margareth
Grillo – repórter
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