“No Brasil, o foco do privilégio continua sendo o Estado”
Com um olhar crítico, porém sempre bem humorado, o antropólogo Ph.D
pela universidade de Harvard, colunista do jornal “ O Estado de São
Paulo” e especialista do Imil, Roberto DaMatta falou para os
participantes do quinto dia de palestras do “Ibmec Conference”. O evento
aconteceu na quarta-feira, 16 de maio, na Barra da Tijuca, Rio de
Janeiro.
O papel do Brasil no palco mundial foi o tema da palestra. Para
DaMatta, a atual estabilidade financeira do Brasil, em conseqüência da
implementação do Plano Real, precisa ser acompanhada do equilíbrio em
outras áreas da sociedade como a segurança pública e a educação. “Eu
também gostaria que outras áreas da sociedade brasileira tivessem esse
tipo de estabilidade”, ressaltou.
Meritocracia
DaMatta critica ainda a ausência de uma cultura meritocrática no
ensino e no funcionalismo público nacional e questiona a intrusão do
Estado no jogo social. Para o autor de “A casa e a rua: espaço,
cidadania, mulher e morte no Brasil”, precisamos incorporar uma cultura
baseada no mérito, como acontece nos EUA. “A ideia de que você pode
viver em um mundo relativamente orientado e agendado em termo de
meritocracia não existe no ensino universitário brasileiro. Se não fosse
assim, eu não teria ido embora para Notre Dame. A isonomia salarial é
um ponto sagrado do sistema universitário brasileiro.”
A meritocracia também inexiste no funcionalismo público e DaMatta não
ignora essa realidade. “Os funcionários são filhos do Estado, são
apadrinhados por ele.”
Igualdade
Outra questão que mereceu destaque foi a da igualdade perante a lei.
“Todos somos iguais perante a lei, mas algumas pessoas são mais iguais
perante a lei do que outras. No Brasil, o foco do privilégio continua
sendo o Estado e não a iniciativa privada.”
A onipresença do Estado brasileiro foi alvo de crítica de DaMatta. “A
aparelhagem da administração pública não serve a sociedade, ao
contrário, a sociedade sustenta um estado barroco. Não há como escapar
do imposto. No Brasil sempre tem uma relação com o Estado, em geral e,
lamentavelmente, uma relação espúria: o apadrinhamento, um
superfaturamentozinho, sobretudo, na área de obras contra a seca e
contra as chuvas…”
Liberalismo
O antropólogo acredita na necessidade de se repensar os aspectos do
liberalismo como sistema cultural. “A liberdade individual, a igualdade e
a solidariedade têm que ser conjugadas. Mas elas não são fáceis de
serem conjugadas, tanto é que o mundo está em crise.”
Apesar de ser a favor do individualismo, o antropólogo defendeu a
valorização do autruísmo em detrimento do egoísmo nos comportamentos
individuais. “Quanto mais eu me comunico com os outros, mais eu tenho
consciência dos limites do meu comportamento. Eu existo, sou importante,
mas não existo sem os outros.” Nesse ponto, DaMatta lembrou a famosa
teoria do inventor do existencialismo francês Jean- Paul Sartre: “O
inferno são os outros”.
Globalização e meio ambiente
O autor de “Fé em Deus e pé na tábua” falou sobre as conseqüências
positivas e negativas da redução das noções de tempo e espaço,
resultantes dos avanços tecnológicos na comunicação, nos transportes e
na ciência de forma geral.
“Além de sermos obrigados a enxergar muito bem as partes do mundo, a
gente esta vendo pela primeira vez na história da humanidade a
totalidade do mundo. Essa visão do todo existe porque a gente vive um
isolamento ilusório, você se isola e se conecta.”
O antropólogo chamou a atenção para o aumento da pressão exercida
sobre o meio ambiente, a produção cada vez maior de lixo e para e a
escassez dos recursos naturais. Para ilustrar a atual situação do
planeta, ele citou uma manchete do jornal “O Globo”, que dizia que
seria necessário uma terra e meia para suportar o peso do consumo.
“A gente esta sentindo os efeitos de um planeta que começa a reclamar
de um determinado estilo de exploração. A Terra está sendo assassinada
por causa da ilusão da onipotência tecnológica, que permitiu que a gente
fosse a Lua, que a gente curasse a tuberculose, mas ao mesmo tempo
criou um monte de conflitos. No século XIX, quando o capitalismo
industrial tomou a forma que ele tem hoje, a idéia era a de que os
recursos naturais eram inesgotáveis.”
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