rn: Folha de pessoal engole 81% do ICMS
A boa notícia: no primeiro quadrimestre deste ano a arrecadação do
Estado com ICMS cresceu 20,16%, no Rio Grande do Norte, em comparação ao
mesmo período de 2011. Isto representou R$ 1,169 bilhão nos cofres
públicos. E R$ 196.306.842 a mais que no primeiro quadrimestre do ano
passado, de acordo com dados da Secretaria Estadual de Tributação.
A má
notícia: depois de descontados os repasses constitucionais para os
municípios e as áreas da Saúde e Educação, o Governo ficou com R$ 444
milhões e, deste montante, 81% já estavam comprometidos com a folha de
pessoal, 19% com o custeio das secretárias, sobrando zero para
investimentos.
A arrecadação de ICMS bateu recorde em 2011. Somente com este tributo,
foram recolhidos R$ 3,1 bilhões, um incremento de 11,76% se comparado a
2010. Em 2011, o Rio Grande do Norte saiu do segundo menor crescimento
da arrecadação entre os estados do Nordeste - 2010 comparado com 2009 -
para ser o terceiro que mais arrecadou. O salto é ainda maior, de
76,45%, se comparado o desempenho de 2011 com 2006, de R$ 2 bilhões.
O
crescimento, segundo o secretário de Tributação do Estado, José Airton
da Silva, se deve ao esforço fiscal, por meio de um novo modelo fiscal.
"Não houve aumento na carga tributária, mas sim a ampliação da base
tributária", afirma. O número passou de 42 mil contribuintes, em 2009,
para cerca de 73 mil contribuintes inscritos.
Entre as mudanças
estão a fixação do limite máximo do regime do Simples Nacional, de R$
2,4 milhões para R$ 3,6 milhões, a monitoração do lançamento fiscal, por
meio da implantação do sistema de nota fiscal eletrônica e políticas de
incentivo fiscal e cobrança, que possibilitam a competitividade da
empresa e adimplência. A retirada do sublimite do Simples, segundo dados
da SET, contribuiu para a formalização de em média 1.5 mil
contribuintes por mês. "Muitos paravam de faturar para não passar do
limite e sair do regime", analisa Airton.
A previsão para 2012 é
que a arrecadação ultrapasse os R$ 3,5 bilhões. Contudo, a situação do
Estado "não é ideal porque falta capacidade de investimento em todos os
setores", admite José Airton.
De acordo com informações da
Secretaria Estadual de Planejamento, o Rio Grande do Norte destinou 81%,
ou seja, cerca de R$ 1 bilhão dos R$ R$ 3,1 bilhões que arrecadou com o
ICMS no ano passado, para pagar pessoal. A folha de pagamento chegou a
R$ 3.479.803 bilhões, em 2011. O restante, 19%, foi empregado, segundo o
secretário-adjunto José Lacerda Felipe, para custeio das secretarias.
"Não sobra para investimento em obras públicas e outras aplicação. O
valor mal chega para o custeio", reconhece o secretário-adjunto de
Planejamento José Lacerda Felipe. O secretário adjunto lembra que a
folha é um dos principais gastos do Estado. E mesmo que não tenha
acréscimo no número de funcionários, há implantação de promoções e
melhorias que fazem crescer os valores.
Recursos são mal geridos, dizem analistas
A
destinação da maior fatia da arrecadação do ICMS, que sobra ao Estado,
após as transferências constitucionais, para folha de pagamento aponta
para um erro de gestão. A avaliação é da vice-presidente do Instituto
Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) Leticia Mary Fernandes de
Amaral.
A advogada tributarista lembra que não há especificação, por
lei, de uso para esse tipo de tributo e que este pode ser usado para
pagamento de despesas líquidas, de acordo com a necessidade do Estado.
Contudo é enfática ao afirmar que "não adianta o esforço fiscal, se
este não der retorno para sociedade em melhoria na educação, saúde,
segurança pública. Se isso não ocorre é porque é mal gerido, a
administração é massante", observa Letícia Amaral. A situação, segundo
ela, não se restringe ao Rio Grande do Norte.
A "má
administração", analisa o ex-presidente da Federação da Indústria do Rio
Grande do Norte (Fiern) Bira Rocha, imputa a redução na capacidade de
investimentos - apesar do crescimento na arrecadação no último ano. A
equação passa pelo "enxugamento da máquina", a partir de reforma
administrativa.
"Seria necessário o governo promover auditoria para a
redução do quadro de cargos comissionados, da composição dos grandes
salários, liquidação do número de secretarias", afirma Rocha, que não
crê que o governo promova este tipo de reforma, no segundo ano de
mandato. "Se não foi feita no primeiro, permanecerá assim", afirma.
O
atual presidente da Fiern, Amaro Sales, reconhece avanços em relação a
política de incentivos fiscal para categoria, por meio do Programa de
Apoio ao Desenvolvimento Industrial do Estado do RN (Proadi).
Entretanto, alerta para necessidade de avaliar a aplicação da alta carga
tributária imposta ao setor. "Os investimentos tem sido irrisórios, não
só para o crescimento da economia, mas em setores fundamentais e
básicos, como educação saúde e segurança pública, em todo estado",
afirma.
No Rio Grande do Norte, a industria de transformação,
extrativista e o comércio respondem por mais de 60% da participação na
arrecadação do ICMS no estado, de acordo com dados da Secretaria de
Tributação. Para o setor rural, a carga tributária no Brasil (19,5%) é
até três vezes maior que em países da Europa e o Estados Unidos,
ressalta o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Rio
Grande do Norte (Faern) José Vieira. "Precisamos desonerar o setor.
Trocar imposto por geração de emprego e renda, para aumentar a
circulação de bens e serviços. E os impostos arrecadados serem usados na
boa prestação de serviços públicos, que não vemos acontecer", afirma.
Embora
a distribuição e transferência de alguns valores tenham percentuais
estabelecidos pela legislação, a diretora do curso de Gestão Pública da
Universidade Potiguar (UnP), Tânia Inagaki questiona a impossibilidade
de comprovar que estes são realmente empregados. Segundo ela, não há
mecanismos, dentro da dinâmica de tributo não específico e frente ao
desinteresse do contribuinte em acompanhar o emprego do que é pago na
aquisição de mercadorias e serviços. "Até onde é real? Onde esse valor é
aplicado? Quais as melhorias em infraestrutura para o estado? Quais as
mudanças para a economia?", questiona a professora. Uma educação
financeira e fiscal do contribuinte poderia, segundo ela, melhorar a
fiscalização.
Segundo o secretário adjunto de Planejamento, José
Lacerda Felipe, não há como mostrar, em valores nominais - apenas com
percentuais - como os recursos do ICMS foram empregados.
A
vice-presidente do IPBT Letícia Amaral, defende, além da
profissionalização do secretariado, o melhor funcionamento dos portais
de transparência e a implantação de mecanismos que identifiquem a
destinação dos recursos. "A sociedade deve buscar, à exemplo do
impostômetro, a instalação de gastômetros que digam ao contribuinte para
onde está indo o imposto que ele paga", afirma.
Imposto serve de "arma" para estimular investimentos
O
ICMS, principal fonte de arrecadação do Estado, também é usado para
atrair e manter investimentos. O Programa de Apoio ao Desenvolvimento
Industrial do Estado (Proadi) é uma das políticas de financiamento que
servem a arrecadação tributária. O incentivo é concedido sobre o valor
que a empresa deve recolher na apuração final, e pode chegar até 75% do
valor a recolher.
O Programa, explica o coordenador de
Desenvolvimento Industrial do Estado, Neil Armstrong, se difere das
demais políticas fiscais por ser incentivo financeiro. Não há isenção ou
redução tributaria. O estado financia parte do imposto que a empresa
deve pagar. A política atende 127 empresas que geram cerca de 33 mil
empregos diretos.
A arrecadação de ICMS dessas empresas equivale
a R$ 22 milhões. Contudo, 75% é financiado, ou seja, cerca de R$ 17
milhões do que entra nos cofres é usado pelo estado para dar condições
para estas empresas pagarem o imposto. "Como essa arrecadação sai na
outra ponta como financiamento, o governo acaba não contando com esse
valor, para dispor no orçamento", observa Neil Armstrong.
O
Import RN é outra aposta para atração e fortalecimento do Porto de
Natal. O programa reduz a carga tributaria de 17% para 2%, desde que a
mercadoria seja desembarcada via Porto ou Aeroporto. Neil Armstrong
reconhece que o RN está em desvantagem na guerra fiscal com outros
estados, mas alerta que é preciso cautela na hora de conceder incentivos
fiscais. "Não adianta conceder um incentivo que depois será questionado
juridicamente pelos outros estados. Nosso modelo é juridicamente
seguro".
E-commerce
Um
incremento na arrecadação do ICMS (Imposto sobre a Circulação de
Mercadorias e Serviços) poderá vir das compras realizadas pela internet.
A Secretaria Estadual de Tributação estuda formas de realizar a
cobrança e aguarda, segundo o secretário José Airton, a aprovação do
projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados. Atualmente, produtos
comprados pela internet (ou de forma não presencial) são taxados apenas
no estado de origem, a maioria no Sul e Sudeste. Desta forma, o Rio
Grande do Norte estima deixar de receber cerca de R$ 40 milhões por ano.
O valor é a média que a SET espera aumentar a arrecadação de ICMS,
quando aprovada.
"O Rio Grande do norte está em desvantagem nas
operações virtuais. Hoje a maior parte das transações de compra e venda
de mercadorias na internet partem de estados, como São paulo, que acabam
se beneficiando pela inexistência da divisão", observa o secretário
estadual de tributação, José Airton.
A ideia, segundo ele, é que
em negociações com estados do Sudeste, cuja aliquota é de 17%, 10% seja
recolhido para o Rio Grande do Norte. Nas compras em estados do Nordeste
esse percentual cairia para 5%. O modelo que será adotado no estado
deve seguir os moldes do já implantado no Ceará, onde há um limite que
diferencia consumidores de revendedores.
"Há espaços para que o governo reavalie suas políticas fiscal e tributária"
O
presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Rio
Grande do Norte (Fecomercio-RN), Marcelo Queiroz, analisa, nesta
entrevista à TRIBUNA DO NORTE, o impacto da tributação sobre o setor,
observa que há necessidade de incentivos e de mais investimentos em
áreas como infraestrutura. Confira os principais trechos:
O comércio é uma das principais fontes de arrecadação do ICMS. Como o senhor avalia a carga tributária imposta ao setor?
Em
um estado em que a imensa maioria das empresas é micro e pequena, o
valor nominal da carga tributária é reduzido em virtude dos benefícios
do Simples, nas esferas estadual e federal. Mas, ainda assim, podemos
dizer que há espaço para que esta carga tributária caia ainda mais. Ou,
por outro ângulo, ainda pagamos imposto demais. Basta verificar a
evolução da arrecadação do ICMS, que é a principal fonte de recursos
próprios do estado e que sai basicamente do nosso segmento de Comércio
de Bens, Serviços e Turismo. Se verificarmos a evolução, desde o início
de 2009, ela sempre emplaca percentuais acima do crescimento do setor.
No ano passado, por exemplo, o incremento desta arrecadação foi de
11,6%, mais que o dobro dos 5,5% que cresceram nossas vendas! Isso quer
dizer que há espaços para que o governo reavalie suas políticas fiscal e
tributária. Há espaços, por exemplo, para que possam ser retomados
alguns incentivos fiscais e regimes especiais que foram derrubados
recentemente.
Como isso onera as atividades?
O
imposto maior eleva o custo das empresas e reduz sua competitividade.
Sendo menos competitiva, a empresa perde mercado e com isso vê reduzido o
seu potencial de geração de emprego e renda.
O
RN arrecadou R$ 3,1 bilhões de ICMS, em 2011. Na prática, o comércio
tem visto algum benefício fruto do crescimento da arrecadação ou não
percebe nenhum impacto?
Vou falar do segmento como um
todo. O comércio tem se ressentido de maior segurança e de um tratamento
fiscal mais justo com determinados setores. O setor de turismo carece
de melhor infraestrutura e mais divulgação do destino. Nossos
colaboradores precisam recorrer a serviços de saúde, educação e lazer
oferecidos pelo Sistema S, notadamente o SESC, porque a oferta desses
itens pelo Poder Público ou é pífia ou sequer existe.
Atualmente,
o percentual que cabe ao Estado é gasto quase na totalidade com a folha
de pagamento, não sobrando para investimentos - o que não é um fato
isolado no RN. Como o senhor avalia esse quadro? Como estes recursos
poderiam ser investidos para melhorar a economia do Estado?
É
mais uma prova que os governos, de uma maneira geral, precisam fazer
seus deveres de casa. Não adianta aumentar a carga tributária. E é bom
ressaltar que este aumento pode se dar elevando alíquotas ou
simplesmente apertando ainda mais a tributação, ou ainda pondo fim a
incentivos benéficos à atividade produtora. Se não houver austeridade no
controle da máquina pública não há arrecadação que chegue. O Estado, de
uma forma ampla, no Brasil, custa muito caro aos contribuintes
nacionais.
Tribuna do norte
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