fhc está entediado?
Como faz todo primeiro domingo do mês, Fernando Henrique Cardoso
levou às páginas um novo artigo. Trata de “política e meios de
comunicação”. No texto, o autor revela uma ponta de enfado com a mesmice
do noticiário. Acha que a mídia, qual um parafuso espanado, gira ao
redor dos mesmos temas.
De viagem marcada para o Japão e a China, FHC passará duas semanas no
estrangeiro. Faz uma aposta: “O marasmo é tão grande que possivelmente
ao voltar e reler os jornais encontrarei os mesmos temas” –CPI e
corrupção, candidaturas e alianças, PIB miúdo e inadimplência, etc e
tal.
FHC anota: “Dá até preguiça passar os olhos pelas colunas e notícias
da mídia, sem falar das tevês que repetem tudo isso com sabor de press release,
emitido seja pelo governo, seja por empresas.” Só não abandona o hábito
porque “não há política sem comunicação”. Logo, “é melhor tomar coragem
para ler e ouvir tudo que se diz, mesmo quando partindo de fontes
suspeitas.”
Para FHC, as notícias reproduzem um “pensamento único”. Quando
ocupava a presidência, seus antagonistas diziam a mesma coisa. PT e Cia.
acusavam-no de render-se, sob aplausos da mídia, à cartilha neoliberal.
Agora, ele dá o troco. Escreve que vigora o monopólio do pensamento “de
esquerda desenvolvimentista-autoritária.”
Insinua que os “grupos dominantes” –econômicos e políticos— exercem
um “controle ideológico da opinião”. Prevalecem nos meios de comunicação
sem o inconveniente do contraponto. Tudo isso azeitado pelo abuso de
“verbas publicitárias” governamentais. Tão fartas que convertem em
notícia o que não passa de “propaganda disfarçada.” Curioso. O ex-PT
dizia o mesmo de FHC.
Na opinião do ex-presidente tucano, o “efeito deletério” do fenômeno
“não é tão sentido na grande mídia.” Acha que, submetidos à concorrência
de mercado, os veículos maiores terminam por levar em conta “o
interesse e mesmo a voz do consumidor e do cidadão eleitor.” É nas
“mídias locais e regionais”, anota FHC, que “o pensamento único impera
sem contraponto.”
Embora critique o “marasmo” das manchetes, FHC sustenta que não há
senão a alternativa de “manter a liberdade de expressão.” Refuga, “por
inaceitável”, a tese petista do “controle social da mídia.” O que não o
impede de defender a “luta constante” contra o que chama de “distorções”
das notícias. “Não para censurá-las”, ele esclarece, “mas para
confrontá-las com outras versões.”
Reconhece que é “pela voz crítica dos setores da mídia independente”
que as informações escapam “das deformações advindas da influência das
forças estatais.” Vem daí, acredita FHC, a aversão do petismo e dos seus
agregados à imprensa que imprensa. “Não por acaso, é contra estes que
os donos do poder político e os partidos que os sustentam se movem:
denunciam que é a imprensa quem faz o papel da oposição.”
Sintomaticamente, FHC reconhece: “Até certo ponto isso é verdade.” Na
sua avaliação, repórteres e articulistas fazem as vezes de algozes dos
governos “mais por deficiência dos partidos de oposição, cujas vozes se
perdem nos corredores dos parlamentos, do que por desejo de protagonismo
da mídia crítica.” Ele acrescenta:
“Obviamente, não basta haver uma mudança na oferta de espaço pela
mídia, é preciso que haja vozes de oposição com peso suficiente para
serem ouvidas e se fazerem respeitar. Sem esquecer que nas democracias a
voz que pesa politicamente é a de quem busca o voto para se tornar
poder.”
Quem consegue atravessar todo o artigo chega ao ponto final com a
impressão de que há um quê de autocrítica na peça. No fim das contas, é a
oposição quem rodopia feito parafuso. Sem rosca e sem assunto. No mais,
FHC reembrulha as críticas que os rivais faziam à sua presidência. A
tentativa de controle sobre a agenda, a derrama de verbas publicitárias…
Quanto à falta de contraponto, a própria presença do artigo nas
páginas deste domingo constitui uma evidência de que, havendo o que
dizer, espaço não vai faltar. A propósito, a íntegra do texto de FHC
está disponível aqui.
do blog do Josias
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