Gustavo Maia Gomes
Excertos
da “Introdução” ao livro Conflito e
Conciliação: Políticas de Desenvolvimento Regional no Mundo Contemporâneo.
Fortaleza, Banco do Nordeste, 2011. Versão digital em https://docs.google.com/file/d/0B_R9cylq9erzenJManB2dHlIX00/edit.
Os países se dividem em regiões e as
regiões, vez por outra, querem se dividir em novos países. (Conflito...) Ou
podem vir a querer. Quando a insatisfação
se apresenta, real ou latente, alguma providência (... e conciliação) tende a
ser tomada pelos poderes estabelecidos, para reduzir a ameaça de perderem a
soberania sobre uma parte de seu território.
Dentre as opções, está a outorga de
autonomia política parcial à região contestante; as transferências
diferenciadas de recursos fiscais; a política de desenvolvimento regional; o
apelo à mediação ou à arbitragem de um país estrangeiro; a repressão violenta;
até mesmo, a secessão consentida.
Este livro trata da política de
desenvolvimento regional, conjunto de ações de fomento à atividade econômica
por meio das quais os governos procuram compensar desvantagens relativas e
duradouras em qualidade de vida das populações residentes em algumas partes do
seu território.
***
Amplamente praticada no mundo
desenvolvido e nos países emergentes, a política regional também é rotineira
nas nações que não estão emergindo para lugar nenhum. Mesmo assim, ela não
deixa de enfrentar oposição. Uma razão para isso é que quase todas as políticas
de desenvolvimento regional implicam em transferências de renda entre
diferentes partes de um território. As regiões ricas, tipicamente, subsidiam o
investimento privado nas áreas pobres, ou produzem os recursos que possibilitam
aos governos realizar, nas regiões pobres, gastos públicos superiores aos que
poderiam ser pagos com os tributos ali arrecadados. E isso, é claro, desperta
reações.
Mas não é só. Os economistas da
tradição ortodoxa não gostam desse assunto. Eles acham que, dado o tempo
necessário e garantida a mobilidade dos trabalhadores, os salários das pessoas
com idêntica qualificação se tornarão iguais, independentemente de onde elas
vivam. Ou seja, que a questão regional, simplesmente, não existe. Mas essa
tese, confrontada com os fatos, não apenas é enganosa; ela é, também,
“percebida” como enganosa.
Para mencionar um exemplo
brasileiro: no nosso país, temos mobilidade praticamente total dos
trabalhadores e, desde a criação da Superintendência do Desenvolvimento do
Nordeste (Sudene), em 1959, já se passaram 50 anos. A despeito disso, o produto
por habitante da região mais pobre do país, em relação ao do Brasil, era, há
cinco décadas, quase exatamente o mesmo que hoje: algo muito próximo dos 50%.
Alguém poderia contrapor: “mas
vamos ver a qualificação dos trabalhadores; garanto que as diferenças de
salários estão muito mais relacionadas aos graus divergentes de qualificação do
que às regiões”. É, pode ser, mas não resolve, apenas transfere a dificuldade
para um andar abaixo. Por que, então, as qualificações permanecem regionalmente
desiguais há meio século, talvez, mais?
Há outro aspecto. Ainda que as
forças de mercado pudessem, em algum dia do indeterminado futuro, eliminar as
disparidades de rendimentos entre as pessoas vivendo em diferentes regiões,
essa seria uma vitória de Pirro. A verdade é que as mulheres e homens têm apego
ao lugar onde nasceram, pois é aí que elas e eles, provavelmente, desenvolvem
os laços afetivos que perdurarão por toda a vida. Sendo assim, por mais “móvel” que seja o trabalho, sempre
haverá uma demanda para que as oportunidades de ganho sejam criadas nos lugares
em que as pessoas têm raízes.
Sempre haverá um clamor pelo
desenvolvimento dessas regiões. Patativa do Assaré, poeta popular cearense,
sabia disso, quando compôs “A Triste Partida”; Luiz
Gonzaga, cantor pernambucano, migrante, que gravou a música, também:
Chegaram em
São Paulo
Sem cobre quebrado
E o pobre acanhado
Percura um patrão
Meu Deus, meu Deus
Só vê cara estranha
De estranha gente
Tudo é diferente
Do caro torrão
Ai, ai, ai, ai
Trabaia dois ano,
Três ano e mais ano
E sempre nos prano
De um dia vortar...
Assim
são as coisas: enquanto houver pessoas que hesitam em deixar para trás seu lugar
de nascimento – “caro torrão” – ou que, se já estão longe, passam a vida
fazendo “pranos de vortar”, as
tartarugas e a política regional não morrerão. Mesmo que elas continuem apenas
nadando, nadando... E nada.
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