No que se refere à agricultura nordestina, a atual seca é um dos temas mais importantes, sendo frequentemente descrita como a maior das últimas décadas. Visto a agricultura ainda ter grande peso econômico e, principalmente, social na região, a seca se tornou item da pauta na agenda política em todas as esferas que se referem ao Nordeste. Seria então de se esperar que as estimativas oficiais fornecessem subsídios para que os agentes de política econômica dimensionassem o problema e ajustassem os incentivos de forma a mitigar os efeitos.
Consideremos então as duas principais fontes “oficiais” de estatísticas e previsões da agricultura, o IBGE e a CONAB. O IBGE publica anualmente a Pesquisa Agrícola Municipal (PAM) que informa sobre a produção agrícola regional e cujo último número é o de 2011. Adicionalmente, o órgão publica mensalmente o Levantamento Sistemática da Produção Agrícola (LSPA) que informa a previsão de safra do ano anterior e do ano corrente. Por outro lado a CONAB possui um boletim de acompanhamento das principais safras, e destarte usar ano safra enquanto o IBGE usa ano calendário, informa basicamente o mesmo que a LSPA, embora com um maior detalhamento.
Tomando inicialmente os dados do IBGE e compondo uma série desde 1990 até o presente para quatro culturas importantes para o Nordeste (cana-de-açúcar, soja, feijão e milho), temos os seguintes resultados:
Com base nestes dados um observador desavisado dificilmente iria perceber a ocorrência da “pior seca das últimas décadas”. Mesmo a soja apresenta uma queda que não destoa significativamente do padrão desde a última década, enquanto a cana-de-açúcar permanece estável e o milho apresenta uma espiral crescente. Com alguma dose de boa vontade, se poderia arguir que houve algo em 2012, mas a produção já estaria normalizada em 2013.
É claro que se trata de uma estimativa, e como toda estimativa está sujeita a erros. Comparemos então com o resultado da CONAB, especificamente, para a produção de cana-de-açúcar. Usamos a cana porque há um lobby atualmente em progresso para que o Estado auxilie os produtores devido as fortes perdas verificadas. Dado que as previsões do IBGE ignoram estas perdas, se recorre aos dados da CONAB para confirmar e dimensionar o problema. Eis que no texto do último boletim há explicitamente uma descrição dos efeitos da seca não só sobre queda na produção de cana no Nordeste como também sobre a queda na qualidade do produto. Estranhamente, quando se observam os valores previstos para as safras 2012/2013 e 2013/2014 a informação obtida é que ela vai crescer (?) 5,6%, indo de 53 para 56 mil toneladas do produto. Mesmo o Nordeste tendo a menor evolução positiva da cultura no Brasil, com base nos dados da CONAB ainda assim teríamos crescimento, e não só da produção, mas também da produtividade!
Com base nisto temos que, ao menos de acordo com o IBGE e a CONAB, os efeitos da seca não foram incorporados às estimativas de fato ou, alternativamente, de acordo com estes órgãos o efeito é muito menor que o propagado e a produção também já está se recuperando.
Por fim, mas não menos importante, salta aos olhos a diferença entre a estimativa do IBGE e a da CONAB, que embora usem referenciais diferentes, ainda assim, apresentam valores totalmente divergentes. O IBGE estima a produção de cana pela LSPA em torno de 69 mil e 71 mil toneladas no Nordeste em 2012 e 2013, respectivamente, enquanto a CONAB estima em 53 mil e 56 mil para período similar. Por um lado, de acordo com os dados do IBGE, a produção de cana não atinge patamar tão baixo quanto o previsto pela CONAB para o Nordeste desde a passagem do milênio. Por outro lado, a produção de cana em 2013 de acordo com a LSPA/IBGE, será a quarta maior nos últimos 24 anos.
Com estas estatísticas só mesmo com bola de cristal o Estado vai poder dimensionar a ajuda para o setor, se é que precisa de ajuda, pois segundos as estatísticas oficiais não precisa.
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