Noções
básicas de metodologia da Política Econômica[1]
1.1 - O que é a Política Econômica
A primeira pergunta que se coloca o aprendiz de
Política Econômica será, certamente, "o que é a Política Econômica?".
A resposta, aparentemente fácil, não tem sido unânime. Exemplos de definições
dadas por diversos autores são as seguintes:
"[A política econômica
consiste na] conjugação deliberada de certos meios para alcançar determinados
fins [da área econômica]" (TINBERGEN, 1961)
"[a Política Econômica
é a] Área econômica da política."
"Processo pelo qual o
governo hierarquiza certos objetivos à luz dos seus fins de política econômica
geral e usa instrumentos ou alterações institucionais para alcançá-los."
(KIRSCHEN, 1974)
"Conjunto de decisões
coerentes tomadas pelos poderes públicos visando alcançar certos objetivos
relativos à situação econômica de um conjunto nacional, infranacional ou
supranacional, através de diversos instrumentos e num quadro de maior ou menor
prazo." (MOSSÉ, 1978)
"Conjunto das decisões
dos poderes públicos visando orientar a atividade econômica num sentido julgado
desejável aos olhos de todos." (GREFFE, 1989)
"[...] entendemos por política econômica a atuação dos poderes públicos em domínios econômicos
destinada à obtenção de resultados previamente escolhidos" (AMARAL, 1996)
Uma leitura cuidada de cada definição permite
salientar um conjunto de aspectos que nuns autores são enfatizados, mas a que
outros não se referem. Neste caso está, por exemplo, a referência explícita em
MOSSÉ de que só se existir coerência interna ao conjunto de medidas adotadas é
que se poderá falar numa verdadeira Política Econômica. A inexistência
dessa coerência faz das ações tomadas nesse domínio um mero rol de medidas com
o risco de provocar efeitos perversos na economia.
No entanto, não sendo profundas as diferenças de um
autor para outro, vamos fugir à tentação de analisar detalhadamente cada uma
delas para nos preocuparmos somente com aquela zona em que parece existir uma
nítida convergência de opiniões.
Essa
zona é a de que a política econômica consiste na manipulação, pelos agentes de
política econômica (nomeadamente o Governo, o Banco Central e o Parlamento de
um país, mas também, cada vez mais, de entidades multinacionais) de certos
meios para atingir determinadas finalidades relacionadas com a situação econômica
de um país, uma região ou um conjunto de países.
Esta
é, como facilmente se poderá constatar, uma formulação que quase decalca a de
Tinbergen referida acima.
Da
definição dada deduz-se que a Política Econômica é uma intervenção no real com
vista à sua modificação. Isto põe a questão do conhecimento desse real sobre o
qual ela irá incidir.
Por
ele ser multifacetado, a sua apreensão não está ao alcance da Ciência Econômica
se tomada isoladamente. Outras ciências contribuem para o seu conhecimento. Na
área que mais nos interessa a dos fenômenos sociais, além da ciência econômica
também a ciência política, a história, a estatística, a sociologia, a
antropologia e outras ciências sociais (a psicologia social, p.ex.) têm de
intervir no processo de conhecimento da realidade.
Este
é, como teremos oportunidade de ver e reforçar mais adiante, um dos aspectos
fundamentais numa perspectiva de metodologia da Política Econômica. É que sem
um bom conhecimento das realidades econômicas e sociais do espaço sobre que
incidem as ações de política econômica, ela arrisca-se a desencadear forças que
podem levar, inexoravelmente, à degradação duradoura da sociedade em causa. Isto é
especialmente verdade para o caso das sociedades africanas já que nelas é ainda
muito presente a influência de formas de organização ditas 'tradicionais'.
Temos
dito que a Política Econômica é intervenção no real. Só que ainda não precisamos,
até agora, qual o "real" em que a Política Econômica intervém. Isto
é, apesar do que já ficou dito, ainda não precisamos suficientemente qual o objeto da Política Econômica.
Ele
não é mais que o processo
econômico de um determinado espaço, o qual inclui, no essencial, a organização
e os mecanismos de funcionamento da economia desse espaço ((1)).
Portanto, para que seja possível formular a política econômica torna-se
necessário conhecer esse processo econômico. É o seu conhecimento através do
conhecimento dos dados
(2)
e dos fenômenos econômicos
(3)
que o caracterizam, que constitui a base de reflexão e de intervenção da
política econômica.
O
processo econômico concreto de um país é determinado por fatores de natureza
bem diversa como sejam o comportamento dos responsáveis da Política Econômica,
meios ((4))
ao dispor destes (quantitativos, qualitativos, reformas, etc.), fundamentos e
estrutura da economia.
Por
outro lado, a visão sistêmica da realidade econômico-social fornece duas
recomendações à política econômica:
a)
não ignorar que o campo de intervenção é uma totalidade complexa,
interrelacional, dinâmica; e que
b)
dado que existem tensões estruturais nas relações entre as componentes da
totalidade, há a necessidade de articular a política conjuntural com a política
estrutural (isto é, de médio/longo prazos). Se há alguma relação de determinação
entre ambas é fato sujeito a discussão. Temos para nós que, se é verdade que
razões prementes --- por exemplo, um desequilíbrio insustentável das contas
externas --- pode obrigar a uma hierarquia de objetivos em que os de curto
prazo se sobreponham aos de longo prazo, a verdade é que tendencialmente se
deve verificar uma (sobre-)determinação (?) destes sobre os primeiros ou, no
mínimo, uma preocupação em não perder de vista as consequências de médio-longo
prazo da gestão macroeconômica e macro-social de curto prazo.
1.2
- Contribuição da Análise Econômica e de outras disciplinas para a definição da
Política Econômica
A
Análise Econômica será, naturalmente, o principal suporte teórico da Política Econômica,
mas não é, de forma alguma, o suporte exclusivo. Na verdade, muitas outras
componentes terão de intervir para que seja possível traçar um quadro (tão exato
quanto possível) da realidade sobre a qual a Política Econômica vai atuar e
desta em si mesma. Porque ela é, como vimos, multifacetada, surge a necessidade
da utilização de contributos da sociologia, da ciência política, da
investigação científica e tecnológica, da educação, etc.
Eis,
pois, demonstrada a interdisciplinaridade da Política Econômica. Ela
"funciona" quer "de dentro para fora" quer "de fora
para dentro".
O
seu funcionamento "de dentro para fora" pode ser exemplificado com a
formulação da política de rendimentos e preços: dados os diferentes interesses
dos grupos e classes sociais em presença numa formação social, ela exige o
recurso não só à teoria econômica, mas também à sociologia e à ciência política
(principalmente).
O
funcionamento "de fora para dentro" da relação de interdisciplinaridade
pode ser exemplificada com a política da educação: a sua formulação impõe uma
articulação íntima com a política econômica dadas as suas evidentes
consequências quer a curto prazo (efeitos potencialmente inflacionistas de
despesas não diretamente produtivas --- pelo menos no curto prazo) quer a longo
prazo (efeitos na qualificação da mão-de-obra e, por isso, na produtividade do fator
trabalho e no conjunto da produção, por exemplo). A política de defesa seria
outro exemplo deste segundo tipo de interação.
Apesar
da sua manifesta interdisciplinaridade, é à Teoria Econômica que cabe um papel
mais importante como suporte da Política Econômica.
Sublinhe-se,
no entanto, que o processo de formulação da política econômica é inverso ao da
formulação das concepções da análise econômica.
Na
verdade, enquanto que naquela os fins/objetivos são definidos exogenamente e
com maior ou menor rigor e os meios/instrumentos são desconhecidos (incógnitos)
total ou parcialmente (que política monetária?), na Teoria Econômica os
meios/instrumentos são conhecidos e os fins/objetivos da política econômica (fenômenos
econômicos) são desconhecidos total ou parcialmente ((5)).
Vejamos
alguns exemplos de suportes da política econômica na Teoria Econômica:
Componentes da
Política
Econômica
|
Componentes
da
Teoria
Econômica
|
1) . Leis anti-trust Controle de preços . Política de subsídios |
1)
Teorias dos preços, da produção e da distribuição do rendimento
|
2) . Política fiscal .Políticas de estabilização |
2) Teoria da determinação
do rendimento |
3) . Política comercial .Política aduaneira |
3) Teoria do comércio
internacional |
4) . Política de
crescimento .Política de ajuda e de cooperação internacional |
4) Teorias do crescimento |
Evidente
se torna que não havendo, muitas vezes, unanimidade dos autores quanto à
explicação teórica de muitos fenômenos econômicos, as diferenças de teoria
conduzirão normalmente a diferenças na política econômica aconselhada para
alterar a realidade.
Assim,
por exemplo, enquanto os clássicos defendiam a teoria da impossibilidade de
equilíbrio da economia abaixo do pleno emprego e, em consonância, recomendava à
política econômica que deixasse funcionar livremente as "regras do jogo"
não intervindo na economia, já J. M. Keynes, ao demonstrar a possibilidade de
equilíbrio abaixo do pleno emprego, recomendou à política econômica que, em tal
caso, interviesse de forma a aumentar a procura efetiva ((6)), "empurrando" assim a
economia para o ponto de plena utilização da capacidade produtiva.
1.3
- Da noção de Política Econômica às noções de
fins, objetivos, metas e realizações.
Vimos
logo no início uma definição (a de Tinbergen) de Política Econômica. Chamou-se
a atenção, nessa altura, para o fato de essa definição além de não ser a única
existente, levantar problemas: a utilização da expressão "manipulação
deliberada", pode, tomada à letra, levar à exclusão da existência de uma
Política Econômica "passiva". Daí tal definição não ser, talvez, a
melhor. Por isso surgiram outras definições, variando de autor para autor a
resposta à questão "o que é a Política Econômica?".
Porém,
chamamos desde logo a atenção para o fato de não ser nosso interesse fazermos
um estudo comparativo das várias definições existentes. É nossa preocupação
somente detectar aquela zona de convergência que certamente haverá em todas
elas. E isto apesar de termos visto que a concepção e o conteúdo da Política Econômica
são influenciados pelo sistema econômico a que ela se dirige.
Em
síntese, parece-nos poder concluir que para todas as concepções a Política Econômica
envolve a utilização de meios
--- quer eles sejam de caráter quantitativo (instrumentos) ou de caráter
qualitativo (alterações institucionais grosso
modo) --- e com fins
ou, mais propriamente, objetivos.
Vejamos
então o que se pretende significar quando se utilizam estes conceitos.
Todos
os grupos humanos, quer estejam institucionalizados quer o não estejam, visam,
explícita ou implicitamente, a persecução de fins
como o bem-estar social, a solidariedade, o desenvolvimento da personalidade, a
melhoria da ordem social, etc.
Certamente
que a organização desses grupos em instituições facilitará bastante a persecução
desses fins. É assim que a sociedade se organizou em Estado com os respectivos
órgãos executivos (Governo, por exemplo), os trabalhadores (estes se
organizaram fundamentalmente em torno dos seus sindicatos), os consumidores
associados em organizações de defesa do consumidor, os patrões aderindo a
organizações patronais, etc.
Todos
estes grupos terão, por vezes, visões diferentes dos mesmos problemas, visões
essas condicionadas pelo tipo de interesses que defendem. Daí que as ações do
Governo, órgão potencialmente com maior poder coercivo de entre todos, tendam a
refletir ora os interesses de uns ora os de outros ou uma posição de
compromisso entre todos os interesses em presença.
Daí
que a própria Política Econômica --- considerada como atuação (ativa ou
passiva) dos agentes apropriados (principalmente o governo) para o controle de
determinados meios para a persecução de certos fins --- seja caracterizada por
uma atuação do mesmo tipo.
Um
aspecto importante que deve ficar salientado é a distinção entre Política Econômica e atividade econômica do
Estado. Na verdade, esta pode servir aquela --- ser um instrumento dela --- mas
não deve ser considerada em si como Política Econômica já que, por si, não visa
a "persecução de determinados fins" (tal como nós os definimos) e não
utiliza o mesmo tipo de meios da política econômica.
Aquela
atividade econômica do Estado, recorde-se, prende-se fundamentalmente com a
posição deste enquanto consumidor e enquanto produtor de bens e serviços.
Apesar das diferenças na lógica de funcionamento de cada um deles, ambas as
condições estão presentes quer no Setor Público Administrativo quer no Sector
Público Empresarial do Estado.
Os
fins atrás definidos não poderão ser diretamente utilizados em Política Econômica
já que se trata de noções muito genéricas e de impossível (a maioria, pelos
menos) quantificação. Daí que haja necessidade de traduzi-los, concretizar, ao
nível das variáveis econômicas do sistema. A isto corresponde a definição de objetivos que são,
portanto, a tradução em variáveis econômicas dos fins, i.e., a tradução daqueles em conceitos econômicos
susceptíveis de quantificação e desejáveis em si mesmos. Além disso, têm
normalmente um horizonte temporal bem definido: p.ex., o objetivo de aumentar o
PIB em 5% durante o próximo ano.
Normalmente
um fim será traduzível por vários objetivos. Assim, e por exemplo, o fim
"bem-estar social" poderá ser traduzido, em termos de Política Econômica,
pelos objetivos "pleno emprego" dos fatores produtivos, nível elevado
do rendimento "per capita", expansão da produção, elevado nível de
saúde, etc.
Sendo
os objetivos conceitos insusceptíveis de serem quantificados enquanto tal, à
sua quantificação a priori chamaremos metas. Assim:
Objetivo
|
Meta
|
Expansão
da produção
|
Taxa
de crescimento do PIB = 5%
|
Estabilidade
dos preços
|
Taxa
de inflação de 2,3%
|
As
metas são, pois, previsões (i.e., valores fixados ex ante) que, para
além de concretizarem os valores pretendidos para os objetivos, possibilitam,
em devido tempo, o controle da sua execução por comparação entre elas e os
valores efetivamente conseguidos a
posteriori. A
estes resultados que se obtém efetivamente, a estes níveis atingidos de fato
pelas metas, chamamos realizações.
A
importância das realizações advém, portanto, quer do fato de serem os valores efetivamente
conseguidos para as finalidades que se tinham estabelecido quer pelo fato de
permitirem o controlo ou avaliação que, por comparação com as metas, permitem
fazer da própria Política Econômica adotada. Por outras palavras, a comparação meta/realização mede a
eficácia conseguida pela Política Econômica executada. Evidentemente, quanto
menor for a diferença entre ambas mais eficaz terá sido a política econômica
definida para a persecução das metas.
A
maior eficácia da Política Econômica estará dependente, fundamentalmente, de
duas ordens de razões principais:
a)
o avanço da teoria econômica com consequente realismo na interpretação dos fenômenos
econômicos;
b)
o desenvolvimento das técnicas de formulação coerente da política econômica
(incluindo a formulação econométrica de modelos da economia)
Mas
há ainda outro fato que influencia o grau em que os objetivos são alcançados
--- que no limite pode implicar a sua não consecução, pura e simples. Trata-se
da existência de restrições à política econômica. AMARAL (1996; pg 26)
diz a propósito:
"A
definição e execução da política econômica tem, naturalmente, de ter em conta
um conjunto de condicionantes que restringem as possibilidades de escolha e,
mesmo, as condições de êxito das políticas. A estas condicionantes damos o nome
de restrições (...) [classificáveis] em dois tipos básicos de acordo com
a sua origem: Assim, consideraremos restrições objetivas as que resultam
de fatores independentes da vontade das autoridades e restrições subjetivas
aquelas que as próprias autoridades impõem à política que definem [e que
resultam] do caráter político que necessariamente informa toda a política econômica."
Exemplo
deste último tipo de restrições são as que influenciam as decisões de um
Governo em período pré-eleitoral e que dão, muitas vezes, origem a verdadeiros
ciclos econômicos de origem político-econômica.
Como
exemplo das restrições objetivas pode-se referir a capacidade de endividamento
externo. Esta tem limites que não podem ser ultrapassados sob risco de provocar
fortes desequilíbrios econômicos --- devidos, nomeadamente, aos elevados
encargos com o serviço da dívida e que assim exercerão uma enorme pressão sobre
recursos em divisas usualmente não muito abundantes.
1.4
- Distinção entre objetivos, instrumentos e medidas.
No
ponto anterior fez-se a distinção entre fins e objetivos, por um
lado, e entre metas e realizações, por outro.
Ficaram
definidos, portanto, alguns dos conceitos mais importantes para a definição de
uma Política Econômica concreta. Esta, porém, e como já foi sublinhado diversas
vezes, consiste numa utilização de determinados instrumentos (meios) tendo em
vista a persecução de certos objetivos. Vejamos então alguns conceitos como o
de instrumento e
medida ao mesmo
tempo que tentaremos melhorar o nosso conhecimento sobre os objetivos.
Uma
dificuldade que surge em tal estudo é a de que nem todos os autores utilizam
uma mesma classificação.
Assim,
e por exemplo, enquanto que as nacionalizações constituirão um instrumento para
Bénard, já não o serão nem para Kirschen nem para Tinbergen dado que este
considera como instrumentos somente aqueles meios da Política Econômica
susceptíveis de, através de modificações quantitativas, "poderem ser utilizados
para provocarem variações frequentes" em certos outros dados.
Para
Tinbergen as nacionalizações, como modificação nos fundamentos do sistema que
deverão ser, constituem uma reforma e Kirschen considera-as como uma alteração
do quadro institucional uma vez que ele inclui sob esta designação as
intervenções na estrutura econômica. Para Bénard a justificação encontra-se no fato
de elas serem uma "(...) estrutura econômica que o governo pode modificar diretamente",
[parte da definição de Bénard].
A
confusão é tal que Kirschen utiliza nos seus dois livros ((7))
classificações diferentes para os objetivos, coincidindo a publicada em 1965
com a que figura no texto publicado por Bénard, até porque este participou na
obra colectiva "Política Econômica Contemporânea" dirigida pelo
primeiro. O mesmo se pode dizer da definição de instrumentos que em 1965
incluíam as actuais "alterações institucionais".
Esta
"confusão" de classificações e a chamada de atenção para ela não deve
impedir de utilizar uma classificação, nomeadamente uma das que são mais
tradicionalmente utilizadas e que são exatamente as dos autores a que vimos
fazendo referência.
Face
à conveniência de optar por uma delas, aquela que será mais seguida --- embora
nem sempre rigidamente --- será a de Kirschen que figura no seu livro Ecomonic Policies Compared
(1974).
Segundo
ele os instrumentos são "grandezas que satisfazem três condições":
1-
os responsáveis da política econômica deverão poder utilizá-las;
2
- não deverão ser consideradas como desejáveis em si próprias;
3
- terem por função atingirem as metas definidas para os objetivos.
Esta
definição permite estabelecer as diferenças entre instrumentos e objetivos já que estes, como tradução econômica
que são de certos fins perseguidos, são procurados em si mesmos e não poderão
ser utilizados.
Mas
é raro o instrumento que atua diretamente sobre o(s) objetivo(s) para a
realização do qual ele é utilizado.
Às
variáveis econômicas que, variando a partir da influência direta dos
instrumentos ou de fatores exógenos, permitem a concretização dos objetivos,
chamaremos variáveis intermédias.
Um
exemplo ajudará a esclarecer o assunto:
Instrumento
==> variável intermédia ==> objetivo ==> fim
Taxa
de desconto ==> investimento privado ==> produção ==> bem-estar econômico
e social
Taxa
média de imposto ==> rendimento disponível ==> (idem) ==> (idem)
Dissemos
atrás que os instrumentos são "grandezas...". Eles são, portanto,
variáveis econômicas que, como tal, poderão tomar vários valores e ser
utilizadas ou não consoante as circunstâncias.
A
noção de medida
de Política Econômica corresponde exatamente a essa noção de "uso"
que se faz de um determinado instrumento em determinada circunstância e para
alcançar um ou mais objetivos
--- normalmente por intermédio das variáveis
intermédias.
Referimo-nos
a um ou mais objetivos por que uma das características dos instrumentos é a de
afetarem simultaneamente vários objetivos; estes, por sua vez, podem ser
alcançados através da utilização de diversos instrumentos.
Assim,
se a taxa de redesconto do Banco Central é um instrumento, sempre que ela é
alterada diz-se que estamos perante uma medida
de Política Econômica. O mesmo se passa em relação à taxa do imposto sobre o
valor acrescentado (IVA); o mesmo ainda em relação à eliminação ou redução das
taxas alfandegárias de 20% para 10%, por exemplo.
Vejamos
um último aspecto a tomar em consideração. Bénard defende que
"Várias
medidas associadas para atingirem um ou vários objetivos constituem uma
política econômica, em relação à qual nós não nos perguntamos, de momento, se é
coerente ou não, eficaz ou não." (op.
cit., pg 704)
Esta
definição levanta uma questão muito importante: a da coerência de uma determinada Política Econômica,
a qual tem que ver com a noção de eficácia
que abordaremos mais adiante. Adiante-se desde já, porém, que dificilmente será
aceitável como sendo uma política econômica um simples "cabaz" de
medidas em que tudo caiba.
1.5
- Os objetivos em
Política Econômica.
1.5.1.
- Alguns problemas relacionados com a classificação dos objetivos da Política Econômica
Referiu-se
atrás a conveniência de optar por uma das classificações --- nomeadamente dos objetivos
--- mais comumente adotados. Tal necessidade advêm do fato de, dada a multiplicidade
de objetivos definíveis, se pretender facilitar o trabalho dos centros de
decisão política. Assim, utilizando a experiência do passado, facilita-se a
tomada de decisões quanto ao futuro.
É
nesta perspectiva que se coloca Kirschen (1974) para utilizar um critério de
classificação que permite ligar os objetivos ao processo de tomada de decisões,
critério este que depois conjuga com o critério tempo. Já Bénard (1962)
privilegia este último critério (tempo) para conjugá-lo com o tipo de
alterações que os objetivos representam em relação à estrutura da economia.
Aliás, este era o critério de Kirschen no livro de 1965 em que Bénard colaborou.
Vejam-se
alguns exemplos da utilização de ambas as classificações para demonstrarmos a
sua "não-mútua exclusividade" e a sua artificialidade.
A
estabilidade de preços é classificada por Kirschen como um "objetivo
puramente econômico principalmente de curto prazo" enquanto Bénard o
classifica como um "objetivo principalmente conjuntural". O mesmo em
relação ao pleno emprego.
O
equilíbrio da balança de pagamentos, que é para Bénard um objetivo
principalmente conjuntural, é classificado por Kirschen como um quasi-objetivo.
A
educação, apontada por Kirschen (1974) como um objetivo de bem estar social é
referenciada por Bénard incluída no grupo dos objetivos principalmente
estruturais. A expansão da produção é para Kirschen um objetivo puramente econômico,
principalmente de longo prazo e para Bénard um objetivo principalmente estrutural.
Uma
palavra especial para os quasi-objetivos,
já que as restantes designações tornam mais fácil a compreensão do seu
conteúdo.
Trata-se
de "variáveis intermédias ou, em certos casos, instrumentos que foram
promovidos à categoria de objetivos sem que atuem diretamente sobre o
bem-estar". A sua autonomização aqui advêm do fato de "em numerosas
ocasiões os responsáveis da política econômica os terem considerado como objetivos
em si mesmos". O que efetivamente não são, como se pode ver pelos
exemplos: equilíbrio da balança de pagamentos e promoção da concorrência
interna.
O
equilíbrio da balança de pagamentos torna-se especialmente importante em
situações de déficit/superávit muito acentuados e duradouros, já que tais
situações afetarão o bem-estar (fim) através dos seus efeitos sobre o pleno
emprego, a estabilidade dos preços e a expansão da produção (objetivos).
A
promoção da concorrência interna --- quasi-objetivo mais característico dos
países de economia de mercado --- torna-se importante devido à influência que a
crescente monopolização da economia (variável intermédia) tem sobre a expansão
da produção e a redistribuição dos rendimentos.
A
introdução desta nova noção de quasi-objetivo no léxico da Política Econômica
feita pela mão de Kirschen é de manifesto interesse. Aliás a classificação
apresentada por este autor é mais "operacional" --- além de mais
moderna --- que a de Bénard do ponto de vista da Política Econômica. Daí que
seja normal a sua adoção por um maior número de economistas.
1.5.2
- Os objetivos mais típicos da Política Econômica. A especificidade dos objetivos
típicos em economias capitalistas e em economias socialistas.
Fez-se
acima uma pequena dissertação à volta do interesse e dos cuidados a ter com a
utilização de uma classificação dos objetivos. Mas quais são, quais têm sido
--- já que só é possível falar do presente e do passado --- os objetivos da
Política Econômica?
Procuraremos
analisar muito brevemente aqueles que se poderão considerar como mais típicos. Esta
tipicidade advém do fato de constituírem um conjunto de objetivos que se têm
mostrado dominantes na política econômica seguida durante os últimos (cerca de)
40-50 anos, isto é, têm tido uma maior importância relativamente aos outros objetivos
e têm sido considerados como tal duradouramente.
Do
que fica dito (objetivos mais "dominantes" que outros) se deduz que é
normal estabelecer uma hierarquia de prioridades quanto à persecução dos objetivos
já que dada a complexidade da realidade, é impossível satisfazer
simultaneamente e com a mesma intensidade todos os objetivos possíveis. Até
porque, como veremos adiante, existem relações de incompatibilidade entre
alguns deles.
Quais
são, então, os tais objetivos típicos? Não será difícil, utilizando o critério
de tipicidade definido, considerar os seguintes: pleno emprego, expansão da
produção (crescimento econômico), estabilidade dos preços e equilíbrio externo,
traduzido correntemente pelo equilíbrio da balança de pagamentos ((8)).
Têm sido estes os grandes objetivos, as grandes questões da Política Econômica.
Mas
estes objetivos têm sido principalmente características das economias de
mercado pois que nas economias de direção central, dadas as diferenças de
sistema econômica, há diferenças quanto aos objetivos perseguidos.
Assim,
e por exemplo, em relação à estabilidade dos preços, poder-se-á dizer que não
existem metas já que estes são fixados administrativamente e segundo critérios
que, na maior parte dos casos, nada têm que ver com o custo de produção dos
bens ou com a sua escassez. Aliás, este é um dos problemas fundamentais que se
colocam neste tipo de economias, pois assim deixa de existir um indicador da
evolução da economia e um incentivo à mudança, nomeadamente tecnológica. Alguma
variação de preços que exista reflete apenas pequenos ajustamentos motivados
pelo aparecimento dos excedentes ou déficits ou por variações da produtividade
ou, por fim, mas não por último, modificação das opções das autoridades
centrais de planejamento quanto à ênfase a colocar na produção de um produto ou
de outro.
Já
quanto ao nível de emprego há, talvez, um maior "peso" desse objetivo
nas economias de direção central que nas de mercado, pois que ele é um dos objetivos
centrais do funcionamento do sistema e do planejamento. De tal forma que a
eficiência de muitos postos de trabalho é relativamente reduzida. Esta opção
pelo pleno emprego condiciona, inclusivamente, as opções tecnológicas.
1.5.3
- O caráter dinâmico dos objetivos da Política Econômica
Outra
questão que se pode colocar em relação aos objetivos apresentados como típicos
da Política Econômica é a de saber qual a evolução que eles têm tido ao longo
do tempo uma vez que é possível, à partida, admitirem-se modificações no
conteúdo de cada objetivo ao longo do tempo.
Vejamos
apenas o que se tem passado nas economias capitalistas.
Nelas,
o crescimento surgiu nos anos 50 e 60 como o objetivo fundamental da Política Econômica.
Entendia-se então que nele se concentravam todos os outros objetivos já que se
pensava que a sua simples persecução iria assegurar o pleno emprego e, dado o
constante aumento da capacidade produtiva que trazia consigo, assegurar também
a estabilidade dos preços devido à expansão da oferta, que assim acompanharia a
da procura.
Este
crescimento apareceu como uma forma de satisfazer as cada vez maiores
exigências --- promovidas por um sistema cada vez mais perfeito de publicidade,
por exemplo --- de um público consumidor que exigia um nível elevado de bem
estar material, deixando para segundo plano as eventuais consequências
nefastas, nomeadamente em relação ao esgotamento dos recursos e à poluição, de
um crescimento orientado somente em tal sentido. Constituiu-se, pois, um
autêntico mito do "crescimento".
Já
há vários anos, porém, que os autores começaram a perguntar-se se tal tipo de crescimento
econômico não traria a prazo, custos muito elevados, os quais, no passado,
tinham passado despercebidos e de que os menores não eram os ambientais. Daí uma
cada vez maior preocupação com um determinado tipo de crescimento, tendo-se
passado a distinguir crescimento
de desenvolvimento.
Por
outro lado, dado que o crescimento econômico verificado entre a II Guerra e o
início da década de 70 conseguiu, de fato, resolver os problemas da
estabilidade de preços e do desemprego, só no início da década de 70, quando
vários fatores levaram ao desencadear de uma crise grave, é que eles passaram,
juntamente com o equilíbrio externo, para o primeiro plano.
1.5.4
- Relações de possibilidade entre objetivos. A questão dos conflitos.
Um
último ponto a abordar no estudo dos objetivos em Política Econômica
é o das relações que se podem estabelecer entre eles. Tal estudo tem interesse
porque, dada a complexidade das relações presentes nos diversos sistemas econômicos,
nada garante que não haja relações de conflito entre os objetivos, isto é, que
não surjam problemas de impossibilidade de realização simultânea de dois ou
mais objetivos distintos.
O
contato com a realidade permitiu determinar quatro tipos fundamentais de
relações entre objetivos. Vejamos cada um deles:
|
|
a)
independência:
dois objetivos dizem-se independentes quando os instrumentos utilizados para
atingir as metas relativas a um [OA] não produzem qualquer efeito
sobre o outro [OB].
Ex.:
dada a complexidade dos sistemas econômicos, não é muito fácil garantir a
independência absoluta entre dois objetivos, contentando-nos por vezes com
uma independência relativa bastante elevada. Dessa mesma dificuldade decorre
a dificuldade em apresentar exemplos. No entanto, podemos considerar ser este
o caso da relação entre estabilidade dos preços e aumento dos tempos de repouso.
|
|
b)
complementaridade: quando a persecução de um objetivo [OA]
permite, simultaneamente, ganhos em outro objetivo [OB].
Ex.:
Aumento da taxa de crescimento da produção e nível elevado de emprego.
|
|
c) complementaridade com tendência para o conflito:
sempre que os efeitos favoráveis sobre um [OA] dos instrumentos
utilizados para a realização do outro [OB] se transformem em
efeitos desfavoráveis quando em tais instrumentos ultrapassarem determinados
limites.
Ex.:
Os gastos públicos poderão ser "encarregues" de promoverem uma
expansão moderada da produção assegurando simultaneamente uma subida do
investimento. No entanto, se ultrapassarem estes limites poderão desencadear
uma inflação que, provocando a instabilidade na conjuntura, leve à redução do
investimento.
|
|
d) conflitos: dois objetivos dizem-se em
conflito quando a persecução de um põe em causa a realização do outro. Tais
conflitos são de diferentes tipos:
|
i)
conflitos fundamentais:
resultam de objetivos totalmente incompatíveis já que a realização de um nível
superior do objetivo [OA] arrastará sempre um nível inferior de [OB].
Ex.:
divisão internacional de trabalho versus proteção a certos ramos de atividade.
ii)
conflitos devidos aos
instrumentos: os que resultam da utilização de um instrumento para
a realização do objetivo [OA], utilização essa que resulta num nível
inferior para o objetivo [OB].
Ex.:
Pleno emprego versus equilíbrio da Balança de Pagamentos.
iii)
conflitos derivados do grau
de internacionalização da economia: quando a tomada de uma
determinada medida num determinado país visando a persecução de um seu objetivo
provoca efeitos negativos sobre a realização desse objetivo, mas noutros
países.
Ex.:
a redução da imigração com vista à redução do desemprego num país provoca no
país de origem dos imigrantes (país de emigração) um acréscimo no nível do
desemprego.
2.6
- Os instrumentos da Política Econômica.
Definimos
já o que são instrumentos.
Recordemos o que se disse e que corresponde à definição dada por Kirschen:
"Os
instrumentos são grandezas que satisfazem três condições:
-
são utilizáveis pelos responsáveis da Política Econômica
-
não são consideradas como desejáveis em si próprias
- “a
sua função é a de atingir as metas definidas para os objetivos”.
1.6.1
- A classificação dos instrumentos e algumas dificuldades com ela relacionadas.
Tal
como os objetivos, os instrumentos também são classificáveis em função de
vários critérios definíveis. Não tem especial interesse para nós recorrer a
tais classificações que obedecem a critérios como o da iniciativa --- quem toma
a iniciativa da sua utilização? ---, o da frequência de utilização --- utilização
pontual? Utilização contínua? ---, o do número de objetivos a que se destina um
instrumento --- um só objetivo? Muitos objetivos?.
Já
a classificação dos instrumentos em famílias ou categorias apresenta interesse.
Assim,
as principais famílias ou categorias de instrumentos são as seguintes:
-
instrumentos das finanças
públicas (ex.: impostos, subsídios)
-
instrumentos da moeda
e do crédito
(ex.: taxa de redesconto, taxa de reservas obrigatórias)
- instrumento
taxa de câmbio
-
instrumentos do tipo 'controles
diretos'
(fixação ou controle administrativo de preços, controle da emigração, controle
dos salários e sua taxa de variação, etc.)
Conforme
se pode, verificar estas categorias de instrumentos são de um caráter
fundamentalmente quantitativo.
Aos
instrumentos essencialmente qualitativos
como, por exemplo, as nacionalizações, a reforma agrária, etc. chamaremos alterações institucionais.
Repare-se
que classificamos estas alterações como "instrumentos" embora de caráter
fundamentalmente qualitativo.
Paralelamente
lembremo-nos que Kirschen definiu os instrumentos como "grandezas que
satisfazem três condições (...)" e agora apresenta como instrumentos ---
embora qualitativos, sublinhe-se uma vez mais --- modificações nitidamente qualitativas no quadro institucional
de uma formação social e que como tal não poderão ser quantificadas.
Nós
próprios, quando da referência que fizemos à dificuldade de utilização de
classificações, demos como exemplo as nacionalizações: estas seriam
classificadas como uma reforma por Tinbergen, como instrumento por Bénard e
como alteração institucional por Kirschem.
Serve
todo este retomar de pontos já referidos anteriormente para sublinhar, uma vez
mais, que as classificações são artificiais e que as definições que por vezes
se utilizam levantam, elas próprias, problemas por vezes delicados.
1.6.2
- A utilização dos instrumentos: noções básicas relacionadas com o processo de
escolha.
Na
escolha dos instrumentos a utilizar em Política Econômica
pode-se pensar que se entra em linha de conta exclusivamente com considerações
"objetivas" relacionadas com a sua maior ou menor capacidade para
atingir os objetivos propostos (eficácia). Na realidade não é isso que se passa
já que as preferências ideológicas dos responsáveis da Política Econômica
desempenham um papel muito importante no processo de escolha dos instrumentos.
Há
ainda outros fatores que influenciam tal escolha e que só serão vistos mais
tarde.
Vejamos
para já, só uma destas condicionantes do processo de escolha dos instrumentos:
a relacionada com a sua capacidade para atingir os objetivos.
O
valor relativo dos vários instrumentos pode ser aferido pelos seguintes vetores:
a)
custo: medido
pelo prejuízo causado em outro(s) objetivo(s) sobre o(s) qual(-is) o
instrumento tem uma influência negativa.
Ex.:
principalmente nas economias dependentes com abundância de mão-de-obra, o
investimento em indústrias capital-intensivas agrava o desemprego --- ou, pelo
menos, não permite criar postos de trabalho em número suficiente para absorver
a mão-de-obra disponível --- e agrava o déficit da Balança de Pagamentos.
b)
eficácia: grau
de capacidade revelada pelo instrumento em atingir o objetivo.
Ex.:
a taxa de câmbio e o equilíbrio da Balança de Pagamentos; utilização dos gastos
públicos (sua redução) ou de impostos (seu aumento) para elevar o saldo
orçamental.
c)
tempo de efeito:
medido entre a utilização do instrumento (isto é, a tomada da medida) e o
momento em que os seus efeitos começam a produzir-se.
Ex.:
entre a criação de postos de trabalho num determinado sector e a elevação da
produção; entre a subida dos impostos e a redução da procura.
A
referência a este tempo de
efeito permite-nos introduzir o conceito de 'lag' a que voltaremos
mais adiante. Ele remete para a diferença temporal que ocorre entre dois
momentos. Assim, entre a produção de um fenômeno econômico e o seu
reconhecimento pelas autoridades econômicas através de indicadores decorre um 'lag' de reconhecimento.
Entre este reconhecimento e a decisão de intervir medeia um 'lag' de decisão. Entre
esta e a tomada efetiva de medidas decorre um "lag" de execução, normalmente
derivado da necessidade de preparar medidas concretas e de aprová-las nos
órgãos decisórios competentes.
A
medição exata de qualquer dos conceitos apresentados apresenta alguns problemas,
pois que é necessário um conhecimento muito perfeito não só da teoria, mas,
principalmente, da realidade econômico-social de cada formação social.
Tal
conhecimento da realidade tem levado, associado às técnicas econométricas, por
exemplo, à construção de modelos econômicos cada vez mais próximos de
traduzirem essa realidade. É, por vezes, com a ajuda desses modelos que se pode
medir o custo da utilização de um instrumento.
Mas,
não é só sob o ponto de vista econômico que se pode medir o custo. Também, sob
o ponto de vista social e político interessará tal medição.
Também a eficácia pode ser medida utilizando-se, para o efeito, o conceito de elasticidade. Isto é, a eficácia de um instrumento mede-se calculando a variação percentual obtida num objetivo em resposta à variação introduzida no instrumento. A eficácia também costuma ser calculada com a derivada, mas este instrumento é menos apropriado já que nos dá valores absolutos que, muitas vezes, não são comparáveis.
Também a eficácia pode ser medida utilizando-se, para o efeito, o conceito de elasticidade. Isto é, a eficácia de um instrumento mede-se calculando a variação percentual obtida num objetivo em resposta à variação introduzida no instrumento. A eficácia também costuma ser calculada com a derivada, mas este instrumento é menos apropriado já que nos dá valores absolutos que, muitas vezes, não são comparáveis.
Evidentemente
que nem em todos os casos será possível uma quantificação deste conceito dada a
complexidade de fatores que atuam simultaneamente sobre um objetivo, sendo de
difícil isolamento a parcela de variação do objetivo que é resposta à variação
do instrumento.
Quanto
ao tempo de efeito, há também grandes dificuldades para a sua medição exata.
Variam bastante de instrumento para instrumento (como é de esperar) e até de
época para época. Conforme a maior ou menor rapidez com que se fazem sentir os
seus efeitos --- a qual está muitas vezes relacionada com a extensão do
'circuito' da sua transmissão aos objetivos, i.e., se os instrumentos atuam
mais direta ou menos diretamente sobre os objetivos ---, podemos definir
instrumentos rápidos, meio-rápidos e lentos. Exemplos:
- rápidos: o controlo direto
sobre o comércio externo; controlo do investimento público --- a simples implementação
de uma tal medida produz efeitos imediatamente após a sua adoção.
- meio-rápidos: impostos indiretos;
controlo de preços e salários --- um aumento dos impostos indiretos
repercutidos nos preços, fará baixar o consumo, alcançando-se assim, com
relativa rapidez, o efeito pretendido.
- lentos: impostos diretos
--- uma vez que um seu aumento se faz sentir apenas no rendimento, só quando os
seus beneficiários tiverem consciência da diminuição do seu rendimento
disponível é que alterarão os seus gastos; ora, esta adaptação de
comportamentos em resposta a alterações do rendimento no sentido da sua baixa é
normalmente lenta. Os aumentos de rendimento são, em geral, mais rapidamente
percebidos.
1.6.3
- A utilização dos instrumentos: formulação de uma Política Econômica concreta.
Vimos
no ponto anterior algumas noções básicas sobre a escolha de instrumentos em Política Econômica.
Evidentemente que esta será feita tendo em conta a Política Econômica
concreta que se pretende adotar, já que ela deverá constituir um sistema
coerente de objetivos e instrumentos que implicará:
a)
a detecção de incompatibilidades pelo uso de instrumentos;
b)
a avaliação do seu grau de eficácia;
c)
a busca de combinação de objetivos e instrumentos que maximizem a função objetivo
ou a "função bem-estar social".
Se
nos lembrarmos do que foi dito atrás sobre o fato de que só excepcionalmente um
único instrumento é suficiente para atingir um ou mais objetivos e também só
excepcionalmente um instrumento afetar apenas um objetivo e sabendo que, dada a
complexidade crescente das economias, o número de objetivos é também crescente,
ficaremos com uma primeira ideia da necessidade de um cada vez maior número de
instrumentos e da complexidade da adequação que será necessário estabelecer
entre eles e os objetivos que pretendem prosseguir.
Por
aqui também está reforçada a ideia da complexidade da formulação de uma
Política Econômica coerente que implicará as três preocupações apontadas acima.
Várias
hipóteses são possíveis nessa adequação "objetivos-instrumentos".
1
- Sistemas de objetivos fixos:
a)
número de instrumentos igual ao número de objetivos
Neste
caso o número de incógnitas do modelo econométrico a construir é igual ao
número de equações, isto é, se o modelo for coerente, o número de equações
[funções objetivo do tipo Yj=Yj(Xi) com Yj = objetivo e Xi = instrumento] será
igual ao número de variáveis econômicas e o problema da Política Econômica
consistirá em encontrar os valores das variáveis instrumento e o valor das
variáveis que não constituem objetivos (variáveis intermédias ou acessórias).
Se as equações são lineares (e não dependentes) o sistema é determinado e a
solução é única.
b)
número de instrumentos diferente do número de objetivos
i)
número de instrumentos maior
que o número de objetivos: existem mais incógnitas do que equações pelo que o
número de soluções será definido já que será possível estabelecer várias
combinações de instrumentos para atingir o objetivo. Diz-se então que há
"graus de liberdade" sendo o seu número igual à diferença entre o
número de instrumentos e o número de objetivos.
Isto
é, para se alcançar um determinado objetivo poder-se-ão escolher instrumentos
alternativos, devendo-se apenas fixar valores para os
"excedentários".
ii)
número de instrumentos menor
do que o número de objetivos: existem menos incógnitas que o número de equações
pelo que a solução é impossível pois que os objetivos a alcançar (metas) serão
incompatíveis com a quantidade de instrumentos disponíveis.
Tudo
o que ficou dito não tem em atenção um fato que é comum em política econômica e
que consiste na imposição de certos limites aos valores a atingir pelos
instrumentos. São as chamadas "condições-limite". Estas poderão ser
impostos tendo por base vários motivos, quer técnicos quer ideológicos.
Exemplo:
a elevação do nível médio das taxas de impostos diretos para ajudar a
equilibrar o orçamento do Estado e a reduzir o consumo privado pode ter 3 tipos
de limites:
- um
provocado pelo apelo à fuga ao imposto que surge inevitavelmente com mais força
a partir de certos limites;
-
outro provocado pela resistência à utilização dos impostos diretos por parte
dos partidos mais conservadores pelos seus efeitos sobre as classes de
rendimentos mais elevados;
-
outro ainda, a reação social à subida de tais impostos para além de certos
limites.
1.7
-- O processo da Política Econômica
1.7.1
- Condições e enquadramento do processo de tomada de decisões em Política Econômica.
Vimos
nos pontos anteriores algumas noções fundamentais para o estudo da Política Econômica.
Vimos, por exemplo, que uma Política Econômica concreta é um conjunto de
medidas que, atuando direta ou indiretamente através de variáveis intermédias sobre
determinados objetivos, visa a persecução de determinados fins próprios à
sociedade humana e que, de uma forma ou de outra, têm ligação com a sua
organização econômica.
Ora
tudo isto, que parece simples, é extremamente complexo e pressupõe um processo
mais ou menos longo até se chegar à fase de atuação.
É exatamente
este processo da Política Econômica que constitui o objeto de estudo deste
ponto.
É
costume confundir "processo
Política Econômica" --- no sentido de circuito de exercício dos efeitos
por parte dos instrumentos sobre os objetivos --- com o "processo de tomada de decisões
em Política Econômica
(PTD)" já que a atuação sobre a realidade tem subjacente a preparação da
decisão do se, do como e do quando atuar e que
constituirá, talvez, a tarefa mais importante do processo dado que as incorreções
aí cometidas afetarão a eficácia da política adotada.
Fases
importantes serão também a da execução
e do seu controle,
tendo esta o interesse de permitir detectar as modificações julgadas
convenientes. É exatamente devido à importância destas duas últimas fases e que
parecem, pelo menos pelo nome ("processo de tomada de decisões"), estar excluídas do
processo de tomada de decisões que aqui fica esta chamada de atenção.
Vejamos
então as condições e enquadramento de tal processo em Política Econômica. Isto
é, como surge a decisão de intervir e em que enquadramento institucional.
Um
aspecto salientado já é o relativo à própria decisão de intervir ainda
desligada do como e do quando fazê-lo. Tal decisão poderá ser basicamente
motivada por uma das seguintes três categorias de origens ou fatores do PTD em Política Econômica :
i)
acontecimentos ocasionais e imprevistos que levem a uma decisão rápida,
imediata mesmo, de intervir na realidade e em que o como fazê-lo tem também que ser decidido
igualmente com rapidez (ex.: cataclismos naturais; conflitos internos ou
internacionais);
ii)
o evoluir da situação econômica que leva, por vezes, ao aparecimento de
aspectos críticos sobre os quais há que atuar e em que o período do
reconhecimento da situação e de definição do como
e do quando atuar
poder ser mais longo ou menos longo (ex.: aparecimento de tensões
inflacionistas; desequilíbrio externo acentuado);
iii)
desenvolvimento e fortalecimento de "novas ideias" sobre os processos,
instituições e atuação dos agentes econômicos (ex.: novas concepções acerca da atuação
do Estado na economia; proteção do meio ambiente; orientação para a satisfação
de necessidades coletivas). Também aqui o como e o quando se diluem um pouco no
tempo.
Repare-se,
porém, que temos estado a falar em decisões de intervir, de como fazê-lo e de quando fazê-lo e ainda não
fizemos qualquer referência a quem
participa no processo de decisão e com que enquadramento institucional o faz.
Ora estes dois últimos aspectos têm assinalável importância já que a Política Econômica
vai, em grande parte, ser o resultado dos jogos de interesses dos
intervenientes no processo, interesses esses que em sistemas de democracia mais
ou menos formal como aqueles que constituem os países de economia de mercado se
manifestam principalmente através de instituições suas representativas.
Tais
instituições --- as principais, pelo menos --- formam um quadro institucional
que Kirschen (1965) considera incluir:
-
Parlamento;
-
Partidos Políticos;
-
Governo;
-
Administração;
-
Grupos de pressão (grupos de interesses bem determinados do tipo: sindicatos, associações
patronais, associações de consumidores, etc.)
Estas
são instituições do quadro nacional. Hoje em dia, porém, já não nos podemos
cingir a este quadro, já que a existência de organizações internacionais com
poderes decisórios supranacionais obriga a que se entre em linha de conta com
elas para definir o quadro institucional de intervenção dos agentes da Política
Econômica. É o caso, por exemplo, da Comunidade Europeia, em que as suas
instituições próprias têm poderes decisórios sobre muitos campos da atividade
legislativa de cada país. Face ao processo de criação da chamada União Política
e Econômica, a transferência de poderes das autoridades econômicas nacionais
para as supranacionais vai ainda aumentar. Destaque-se o caso da perda de
controlo de cada país sobre a emissão de moeda e, por isso, sobre a política
monetária, que tenderá a ser controlada, para todos os países da UE, pelo Banco
Central Europeu a sediar em Frankfurt.
1.7.2
- Os centros de decisão e a sua preferência por objetivos e instrumentos.
A
manifestação exterior dos diferentes interesses dos vários interventores no PDT faz-se sentir, principalmente, ao nível da escolha
e hierarquia dos objetivos da Política Econômica a prosseguir e dos
instrumentos a utilizar.
Não
vamos aqui fazer um estudo descritivo profundo do tema. Iremos, isso sim,
chamar a atenção para alguns pontos de caráter metodológico.
Um
deles é a influência do contexto --- conjuntural ou estrutural --- em que a
escolha e a hierarquia dos objetivos são feitos.
O
que são os contextos estrutural e conjuntural? Que tipo de influência exercem
sobre os agentes da Política Econômica?
Bénard
(pag. 720) define o contexto
estrutural como sendo o conjunto de "elementos estáveis que,
nos domínios técnicos, sociológico ou institucional, constituem os quadros da atividade
econômica". E exemplifica com a estrutura setorial da economia, o sistema
político e administrativo o contexto de relações externas, a estrutura de
classes sociais.
O
contexto conjuntural é a "situação econômica, social e política, de ordem
internacional bem como nacional, no seio da qual, num determinado momento e num
determinado país, as escolhas concretas terão que ser feitas e as decisões
devem ser tomadas". Por exemplo: mais ou menos inflação; nível de emprego;
etc.
Como
atuam eles sobre as escolhas e hierarquias de objetivos de cada grupo?
Disse-se
atrás que uma política econômica concreta é em grande parte a resultante dos
jogos de interesses dos grupos sociais em presença. Ora o que
acontece é que a capacidade de cada um desses grupos a influenciar está diretamente
dependente da correlação de forças entre eles. Tal correlação, por sua vez,
está normalmente dependente do contexto estrutural em que os grupos se
movimentam. Há momentos, porém --- principalmente aqueles em que as tensões
sociais são mais graves devido a desequilíbrios vários ---, em que é o contexto
conjuntural que determina mais fortemente as escolhas dos objetivos por cada
grupo e altera a correlação de forças.
Ora,
verifica-se que a escolha dos objetivos e dos instrumentos da política econômica
concreta passa cada vez mais pela sua articulação e negociação entre os grupos.
Estas, cada vez mais também, passam pelas instituições representativas dos
vários grupos sociais, o que não impede a continuação de lutas não enquadradas,
as quais têm tendência a multiplicar-se em contextos conjunturais favoráveis.
Atualmente,
a preferência mais ou menos nítida e generalizada --- em termos de decisões da
Política Econômica dos países mais industrializados de economia de mercado ---
pelos pactos sociais, reflete esta tendência para a negociação e articulação
entre as preferências dos grupos dentro de um espírito que tem muito de
corporativo.
Esta
tendência para a articulação e negociação de interesses por via institucional,
embora mais nítida ao nível nacional, não deixa de ser muito significativa
também ao nível internacional onde há esforços --- muitas vezes não totalmente
conseguidos, é certo --- de coordenação das políticas econômicas dos vários
países para mais facilmente se controlar as economias nacionais e internacional
de forma a evitar os ambientes de crise que caracterizaram quase toda a década
de 70 e boa parte da de 80.
Não
se pense, porém, que tudo o que determina os objetivos de uma política econômica
concreta passa pelos grupos sociais (classes sociais) em presença. Na verdade,
uma influência muito grande é exercida pelas próprias instituições ((9)).
É
assim que poderemos ver em Bénard (quadro II, pag. 719) um estudo sobre a
influência dos diversos centros de decisão na persecução de certos objetivos ((10)).
Mas
os problemas não se põem apenas ao nível da
escolha e hierarquização
dos objetivos. Aliás, já vimos que ao nível da escolha dos instrumentos, embora
o critério que deveria --- pelo menos aparentemente --- prevalecer fosse o da
eficácia, não é isso que se passa na realidade já que há fortes influências
ideológicas nessa escolha. De fato, os grupos sociais em presença não
desconhecem que da utilização de determinados instrumentos de política econômica
--- por vezes mais intensamente ainda que da própria realização dos objetivos
--- resultam custos mais ou menos elevados e diretos para esse grupo.
É
assim, por exemplo, que embora o objetivo estabilidade dos preços (em princípio)
beneficie todos os grupos sociais, a sua persecução através da redução do
consumo pelo aumento dos impostos indiretos, vai afetar proporcionalmente mais
as classes de menores rendimentos do que se tal objetivo for prosseguido com o
aumento dos impostos diretos, em que, dada a sua progressividade, quem será
mais afetado são os grupos de mais elevados rendimentos. Daqui uma preferência
destas classes pelos impostos indiretos, quando as de mais baixos rendimentos
preferem ver aumentados os impostos diretos --- até pelos efeitos
redistributivos que eles têm.
Mas
não são só as determinantes ideológicas que, para além da eficácia, influenciam
a escolha dos instrumentos.
Assim,
e dado que na noção de eficácia de uma Política Econômica se conjugam noções como
as de utilidade coletiva máxima e custo social mínimo, há que tentar
quantificar qualquer delas. Ora é isso mesmo que se torna extremamente difícil
de fazer à escala nacional, já que o subjetivismo do decisor tenderá a
influenciar bastante a "contabilização" das utilidades e dos custos, principalmente
os de caráter social.
Outro
fator que influencia tal escolha é o fato de, frequentemente, os decisores
optarem por instrumentos globais e polivalentes de eficácia mais fraca, mas com
uma maior probabilidade de sucesso na persecução do objetivo definido em lugar
de instrumentos teoricamente mais eficazes, mas cujo campo de aplicação
restrito diminui as hipóteses de sucesso.
Um
desenvolvimento teórico mais recente é a tentativa de construção de funções de
preferência ou utilidade e funções de possibilidade que permitam explicar as
escolhas.
Por
enquanto, porém, as tentativas são bastante rudimentares e as influências de certo
academismo e de um elevado grau de subjetividade fazem-se sentir bastante. Mas
a porta está aberta. Resta saber até que ponto o caráter social da Política Econômica
permitirá caminhar nesta direção.
1.7.3
- As fases do processo de tomada de decisões em Política Econômica
É
de Tinbergen a decomposição deste processo da forma que se segue:
1ª
fase:
conhecimento da realidade (diagnóstico);
2ª
fase: análise das divergências entre a realidade e o desejável;
3ª
fase: estimativa dos efeitos de políticas econômicas alternativas;
4ª
fase: escolha e decisão sobre a política econômica a executar;
5ª
fase: execução da política econômica escolhida;
6ª
fase: avaliação dos resultados
Ao
conjunto das três primeiras fases do processo de atuação em política econômica
Tinbergen designa por planejamento
da Política Econômica. Ao conjunto dessas três mais a quarta chama ele
"fase de determinação
da política econômica.
Saliente-se
que Tinbergen não refere a fase de controle da política. Sabendo que o texto
data de 1951 e adivinhando-se as extremas dificuldades que se deveriam colocar,
naquela época, ao controlo da sua execução devido, nomeadamente, a um
incompleto domínio sobre algumas técnicas, não é de estranhar que exista tal
omissão.
Hoje
em dia, porém, as técnicas de conhecimento da realidade estão bem mais
avançadas --- graças em boa parte ao próprio Tinbergen --- e o controle (da
execução) da política econômica é essencial para a introdução das correções
necessárias em devido tempo. Aliás, como tal controle de execução só é possível
a posteriori, também não é
de estranhar que Tinbergen não o tenha referenciado como componente do processo
da política econômica.
Ora,
um aspecto importante desse processo e de cada uma das suas fases é o da sua
caracterização (a definição do seu conteúdo básico) e o da sua temporalidade. É
isso que passamos a fazer brevemente.
O "planejamento"
da Política Econômica inclui, como vimos, três fases tão importantes como a do
conhecimento da realidade e seu confronto com o desejável e posterior estudo de
políticas alternativas para o prosseguimento das metas definidas.
É exatamente
por esta fase constituir o alicerce da política econômica concreta que vier a
ser adotada que ela é tão importante. Poder-se-á, até certo sentido, dizer que
ela é a mais importante uma vez que um erro no diagnóstico da situação e no
delinear das soluções alternativas porá em risco definitivamente todo o
edifício da política econômica.
A
necessidade de um correto conhecimento da realidade, de a confrontar com o
desejável e de através de um importante trabalho de análise sugerir políticas
alternativas, obriga a que toda esta fase se desenvolva por um espaço de tempo
mais ou menos longo já que nela terão de intervir vários
departamentos/instituições (governamentais ou não) que procurarão, de uma forma
ou de outra, influenciar todo o processo já que ele irá condicionar em boa
parte as decisões a tomar.
Tais
decisões serão tomadas após um processo igualmente complexo e longo de
consultas entre as instituições e os grupos sociais --- através das suas
organizações representativas --- de forma a articular, através de negociações
entre si, os vários interesses sociais em presença.
Evidentemente,
a duração de tal processo dependerá do tipo de problemas, do tipo de medidas
que forem propostas para enfrentá-los, da extensão e importância dos interesses
afetados, do próprio quadro institucional em que ele for levado a cabo, etc.
Não é, portanto, de estranhar que os governos procurem orientar-se, sempre que
possível, para ações/instrumentos que exijam limitado número de consultas e
discussões institucionais.
Aliás,
está dentro desta tendência a cada vez menor intervenção dos parlamentos na
definição das políticas econômicas concretas, limitando-se a sua intervenção,
muitas vezes, à aprovação do orçamento do Estado e à definição dos grandes objetivos
do evoluir da sociedade nacional que aparecem formalizados, por exemplo em
Portugal, nas "Grandes Opções do Plano" que sempre acompanham as
propostas de orçamento anual do Estado.
Uma
vez tomadas as decisões, é necessário passar à execução da política econômica e
seu posterior controle. Estas fases podem ser relativamente rápidas se o
aparelho administrativo estiver preparado para veicular rapidamente as ações e
existir consenso político acerca das formas de execução, o que estará
dependente da forma como decorrer a fase prévia da negociação e articulação de objetivos
e instituições.
Verificamos,
pois, que uma preocupação constante que ficou patente nos pontos anteriores foi
a de tentar dar algumas indicações genéricas sobre o período de tempo
necessário à preparação de uma política econômica concreta. A esse período que decorre
entre o reconhecimento da existência de determinado "problema" e a
execução de medidas tendentes a eliminá-lo, chamaremos "lag de reconhecimento".
Uma
tendência generalizada na formulação de políticas econômicas é a de tentar
diminuir o mais possível a dimensão desse lag
temporal. Daí o aparecimento dos "indicadores de alerta" da
conjuntura --- como são o consumo de cimento e ferro para a construção civil e
os inquéritos às intenções de investimento dos empresários, p.ex. --- e do
número crescente de análises prospectivas sobre a evolução econômica.
1.7.4
- A avaliação dos resultados da Política Econômica e o processo de tomada de
decisões
Chamamos
a atenção no ponto anterior para a crescente importância da fase de controle da
política econômica, isto é, para a avaliação dos seus resultados e concomitante
processo da sua permanente revisão. Fizemos chamando a atenção para o fato de
ele nos permitir detectar falhas no planejamento e execução da política
definida até ao momento. Ele fecha um circuito de atuação que nos levou
sucessivamente a percorrer as fases já identificadas.
Pretende-se
agora sublinhar, sobretudo, que tal avaliação dos resultados constitui, cada
vez mais, uma exigência do processo da política econômica quer por interesse
dos próprios responsáveis quer por pressão exterior, já que os grupos de
interesses constituídos não deixarão de sublinhar os aspectos negativos que tal
ou tal medida da política prosseguida têm, principalmente para os seus
interesses.
Não
é, portanto, somente com o intuito de detectar falhas (erros) de construção da
política econômica que se deve avaliar os seus resultados, mas também com a
intenção de permanentemente por em causa, criticamente, o que foi feito ou não
até então.
É
com o objetivo de fazer esta avaliação que existem várias técnicas, mais
elaboradas umas do que as outras.
Um
aspecto a ter em atenção é o tipo de avaliação que é feita. De fato, esta
poderá ser, por um lado, parcelar ou global, e, por outro, sistemática ou
ocasional. Evidentemente que quanto mais global e sistemática for a avaliação,
maior será a complexidade de que se rodeia e mais elevado será o custo da sua
realização. Daí as administrações públicas terem tendência a começarem tal tipo
de tarefa por análises mais parcelares: determinados sectores de atividade do
Estado, política monetário-financeira, etc.
1.8
-- A sistematização da política econômica através de modelos.
1.8.1
- Noção de modelo. A utilização de modelos em Política Econômica
Vamos
completar o estudo de aspectos metodológicos da Política Econômica com algumas
noções fundamentais sobre a utilização de modelos. A definição de modelo, o
estudo de algumas noções elementares sobre eles e as alternativas à sua
utilização vão ser, pois, o objeto do nosso interesse neste ponto.
Bénard
define modelo (em
Política Econômica ) como sendo "uma representação
simplificada das leis que governam um ou mais fenômenos econômicos por um
sistema coerente de relações matemáticas".
Assim
sendo, um modelo a utilizar em Política Econômica deverá representar o sistema econômico
concreto que pretende gerir.
Mas
será que terá que representar todas
as relações características desse sistema? Sabendo nós que eles são formados
por uma complexa teia de relações, terá o modelo de Política Econômica que diz
respeito a um deles retratar todas elas?
Até
pela complexidade que caracteriza cada sistema, pela miríade de relações que
teriam que ser utilizadas para retratá-lo na sua totalidade, se torna evidente
ser impossível construir um modelo que represente toda a realidade. Daí que não
nos devamos esquecer de que um modelo é sempre uma imagem ou quadro simplificado da realidade.
Sendo
assim, o construtor de um modelo a ser utilizado em Política Econômica
terá forçosamente que optar pela representação de apenas algumas das relações
possíveis de estabelecer. Evidentemente, tal escolha terá que depender dos fins
específicos da sua utilização. Temos, pois, que devemos construir modelos para
respondermos a fins específicos e não para respondermos a todos as finalidades.
Cada modelo estará, assim, associado aos objetivos que se pretendem atingir e
às decisões que se visa tomar através da sua utilização. Assim, por exemplo, um
modelo de estabilização da conjuntura será forçosamente diferente de um modelo
de planejamento do desenvolvimento econômico-social.
Mas
não basta construir um modelo qualquer. É necessário fazê-lo com a preocupação
de que a sua formalização garanta a sua coerência interna e permita a sua
manipulação tendo em vista a consecução dos objetivos pretendidos. Tudo isto
será conseguido com a formalização matemática (sempre que possível) das
relações do modelo, formalização essa que deverá garantir a compatibilidade
entre as referidas relações. Tal formalização é feita através de equações e
inequações.
Qual
a forma de mais facilmente conseguir esta operacionalidade? Do ponto de vista metodológico
é aconselhável que o trabalho de construção de um modelo se faça por etapas
aproximativas, devendo começar-se pela elaboração de modelos muito simples e
sucessivamente ir integrando novas relações com novas variáveis, complicando
assim o caráter do modelo, mas aumentando o seu poder explicativo do sistema econômico
que pretende retratar. Recorde-se que é esse o processo seguido quando se estuda
a Análise Econômica: após a construção do chamado "modelo simples"
(de raiz keynesiana) são-lhe introduzidas novas relações com novas variáveis.
Mas,
para quê construir modelos em Política Econômica ? Qual a sua utilidade? Quais
as possibilidades que a sua utilização abre aos responsáveis no processo da
política econômica?
Utilizam-se
modelos em Política
Econômica fundamentalmente para:
1)
melhorar a descrição e compreensão do sistema que se pretende gerir;
2)
efetuar previsões sobre o evoluir do sistema a partir de dados históricos
disponíveis e assim ajudar a decidir a política econômica a ser seguida;
3)
aumentar a eficácia das intervenções sobre o sistema através, por exemplo, do
estabelecimento de condições auto-corretivas e de controle.
No
final deste ponto retomaremos esta temática quando estudarmos os tipos de
utilização das medidas em Política Econômica.
Pretendeu-se aqui dar apenas uma primeira informação sobre a
utilidade dos modelos despertando o interesse para o estudo do enquadramento
teórico e a metodologia dos modelos que se vai seguir.
1.8.2
- Enquadramento teórico e metodologia dos modelos.
1.8.2.1
- Estrutura geral de um modelo
Vimos
já que um modelo é, por definição, um conjunto de relações que devem ter uma
tradução matemática.
Ora,
cada relação (equação ou inequação) faz intervir diferentes variáveis e vários
parâmetros.
Tentemos,
pois, sistematizar do ponto de vista da Política Econômica, a nomencleatura dos
diferentes tipos de relações e de variáveis.
Quanto
às relações, Bénard classifica-as em seis tipos diferentes de acordo com a sua
natureza econômica:
-
de comportamento
-
técnicas
-
de equilíbrio
-
de definição
-
institucionais
-
de evolução temporal
Vejamos
algumas noções elementares sobre cada uma delas bem como exemplos:
1.
Relações de comportamento:
indicam como é que os agentes econômicos tencionam utilizar os meios ao seu dispor.
São as mais importantes num modelo econômico.
Ex.:
a função consumo, nossa conhecida da teoria keynesiana: C = a+bYd.
2.
Relações técnicas:
são as funções de produção em que se explicitam as proporções em que os inputs
de produção se combinam para produzirem um determinado volume de produção.
Ex:
ao nível macroeconômico a função de produção mais conhecida é a de
Cobb-Douglas, que combina os fatores trabalho e capital na expressão Y = A L Kß,
em que Y =volume
da produção (rendimento nacional), L=volume da força de trabalho utilizada na
produção nacional, K=stock de bens de capital, é a elasticidade da produção
global em relação ao fator trabalho e ß a elasticidade correspondente ao fator
capital; A
é um fator residual que pretende traduzir a produtividade total dos fatores,
sendo um indicador do progresso técnico na economia.
3.
As relações de equilíbrio:
tentam traduzir principalmente equilíbrios entre os recursos e os empregos dos
bens ou os equilíbrios orçamentais dos agentes econômicos. Se tais equilíbrios
forem traduzidos por igualdades e incluírem só simples adições de variáveis sem
que entrem coeficientes, diremos que se trata de um equilíbrio contabilístico.
Ex.:
Y + Im = C + G + I + Ex, em que as variáveis têm o significado tradicional:
Y=rendimento/produção nacional, Im=importações, C=consumo das famílias,
G=consumo público, I=investimento e Ex=exportações
4.
Equações de definição:
servem para definir conceitos através da utilização de variáveis.
Ex:
I = K/t
que significa que o investimento líquido é igual à variação do stock de capital
por unidade de tempo
Ym
= Y.P que significa que o rendimento monetário é igual ao rendimento real
multiplicado pelo nível de preços
5.
Relações institucionais:
pretendem traduzir quantitativamente determinadas regras administrativas ou
tabelas fiscais utilizadas como instrumentos da política econômica.
Ex.:
direitos alfandegários; taxas de câmbio; carga fiscal.
6.
Relações de evolução
temporal: exprimem a evolução de uma determinada grandeza no tempo.
Ex:
Pt = P0.t com Pt=população do
período t,
P0=população do período inicial (o período 0), =taxa de
crescimento médio anual da população, t=tempo
Identificados
os principais tipos de relações,
vejamos agora as variáveis.
O
conceito de variável no domínio da Política Econômica é bastante mais restrito
do que no seu sentido geral. Assim, são consideradas variáveis de Política Econômica
as que são "objeto de decisão específica" embora ligadas a outras
variáveis econômicas. O conceito de variáveis aparece assim estreitamente
ligado às noções de objetivo e de instrumento.
Numa
primeira abordagem, característica dos modelos em geral, poderemos classificar
as variáveis em endógenas
e em exógenas. Aquelas ,
determinadas pelo fenômeno que o modelo traduz, são calculadas pela resolução
do modelo. Estas, determinadas externamente ao modelo, poderão sê-lo através de
outro modelo ou por qualquer outra via como, por exemplo, a sua simples
fixação. As variáveis endógenas serão, pois, as verdadeiras incógnitas do
modelo.
Na
sua expressão ao nível da Política Econômica as variáveis poderão ser
classificadas em pré-determinadas, intermédias e controladas
Consideraremos
como pré-determinadas
as variáveis que, estando embora situadas entre os instrumentos e os objetivos,
vem o seu valor fixado fora do modelo, quer como resultante de dados do passado
quer como hipóteses para o futuro. São, pois, variáveis exógenas.
As
variáveis intermédias
são, tal como já vimos acima, as situadas entre os instrumentos e os objetivos
e surgem da constatação de que, na generalidade, os instrumentos não agem diretamente
sobre os objetivos mas sim através de elos intermédios. São variáveis
endógenas, o que as distingue das variáveis pré-determinadas que são exógenas.
As
variáveis controladas
são as que são objeto de decisão em política econômica, isto é, são os
instrumentos e os objetivos.
1.8.2.2
-- Problemas colocados pela construção e utilização de modelos
De
uma forma esquemática, a construção de um modelo segue o processo retratado na
figura da página seguinte (reproduzida de vd. SILVA, Manuela et al Política econômica -- questões
metodológicas, AE-ISE/UTL, Lisboa, 1981, pg 81)
Notem-se
os principais passos do processo: a Teoria Econômica --- principalmente ela,
mas também outras ciências sociais que são aqui omitidas --- permite, uma vez
aplicada ao estudo de uma determinada formação social, elaborar um quadro de
interpretação da realidade que vai dar origem, através da formalização
matemática, ao modelo de política econômica.
Estimadas
as equações do modelo com a ajuda dos dados estatísticos disponibilizados pelo
sistema estatístico nacional, os resultados obtidos com tal estimação são
sujeitos a verificação por confronto com a realidade ((11)).
Se ela confirmar o ajustamento a esta, o modelo está pronto para ser utilizado;
porém, se existirem divergências, então há que retomar o esforço de
interpretação da realidade e reformular o modelo de acordo com as conclusões
que se tirarem de tal confronto. Este passo abre um novo ciclo de construção do
modelo.
É
necessário, porém, ter em consideração que a realidade não é estática; pelo
contrário, é dinâmica. Assim sendo, não é possível pensarmos na formulação de
um modelo que seja capaz de retratar durante muitos anos, com a mesma fidelidade,
aquela parte da realidade que normalmente ele formaliza sob a forma matemática,
pois que à mutação das estruturas econômicas e sociais correspondem uma
tendência à obsolescência
dos modelos.
Porém,
independentemente desta questão, há que tomar em consideração que a adequação
do modelo sofre a influência de vários fatores que, limitando essa capacidade
de adequação, podem afetar a possibilidade/conveniência da sua utilização.
Tais
fatores podem ser agregados em dois grandes grupos: os de caráter mais
ideológico e os de caráter essencialmente técnico.
Em
relação aos primeiros, lembremos que cada modelo tende a refletir os problemas
que numa determinada época e por determinados grupos sociais são considerados
como mais importantes no funcionamento da economia e que, além disso, refletem
dada teoria econômica, também ela sujeita a interferências de caráter
ideológico e, de qualquer forma, não una
mas sim plural .
Um
exemplo da subalternização de determinados problemas que, no entanto, são muito
importantes, é o que se passa com o tratamento dado na maioria dos modelos
macroeconômicos de regulação conjuntural ao problema da repartição de
rendimento: na maior parte dos que são elaborados sob a tutela dos governos
esta dimensão está ausente. Porém, organizações como as de natureza sindical
não podem deixar de incluir tal dimensão nos modelos que eventualmente formulem
já que esta é uma das dimensões que mais lhes interessa abordar por ser, em boa
parte, a sua razão de ser.
Quanto
aos pressupostos técnicos, saliente-se, p.ex., que um excessivo detalhe na
construção dos modelos (i.e., a inclusão de um número demasiado elevado de
relações matemáticas) dificulta a sua utilização prática, embora a utilização
do cálculo informático tenha alterado significativamente aquilo que se
considera uma dimensão "manuseável".
Por
outro lado, a demasiada complexidade dificulta a participação de outros agentes
que não os seus construtores na sua discussão. Esta pode ser útil de para torná-lo
mais realista. Ela pode, ainda, dificultar a (quase sempre necessária) tarefa
da sua reformulação quer no quadro da sua elaboração inicial e processo de
adaptação à realidade quer na fase da sua alteração por obsolescência do
modelo.
Note-se,
no entanto, a constante melhoria da qualidade dos modelos de política econômica
e, portanto, da sua capacidade de representação sintética da realidade e do seu
manuseamento. Tal melhoria fica a dever-se à crescente cooperação na sua
formulação de especialistas com várias formações, particularmente economistas,
econometristas e informáticos.
Também
a Contabilidade Nacional, ao fornecer um conjunto de informações estatísticas
sobre os agregados macroeconômicos possibilita a estimação de parâmetros do
modelo bem como o teste da sua adequação à realidade.
No
entanto, muitos problemas subsistem.
Note-se,
por exemplo, que na construção das equações do modelo podem ser omitidas, quer
por deficiências da teoria quer por insuficiências das estatísticas
disponíveis, variáveis importantes para a explicação do comportamento dos
agentes econômicos ou, pelo menos, de determinado fenômeno econômico.
Por
outro lado, a expressão analítica das equações que usualmente mais se utiliza,
até pela sua simplicidade, é a linear. Ora, é muito possível que vários fenômenos
econômicos sejam mais bem descritos por equações mais complexas que as
lineares.
Outro
aspecto a referir é o de que os parâmetros das equações são objeto de
estimações econométricas com recurso aos dados do passado. Ora, se é verdade
que alguns comportamentos são relativamente estáveis, também o é que, em
relação a outros, isso não é verdade, fazendo da utilização de tais parâmetros
um (por vezes grande) erro susceptível de conduzir a uma má definição das
medidas de política econômica --- senão quanto tipo, pelo menos quanto ao nível de utilização de
determinado instrumento.
Refira-se
ainda a dificuldade que por vezes existe em determinar o nexo de causalidade
entre variáveis, principalmente em modelos agregados, com variáveis macroeconômicas
envolvidas em várias relações mútuas.
Outra
condicionante extremamente importante da qualidade dos modelos que se consegue elaborarem
é a qualidade da informação estatística disponível. Esta afeta normalmente a
qualidade das equações.
O fato
de não ser possível ou, pelo menos, prático construir modelos com a pretensão
de representarem o conjunto da realidade pode levar à omissão de relações
respeitantes a determinadas áreas dessa realidade que seriam importantes para o
estudo dos fenômenos econômicos que nos preocupam.
Estas
são apenas algumas das limitações, das dificuldades, que se colocam à
utilização de modelos em política econômica. Elas não devem, porém, impedir-nos
de utilizá-los mas é bom estarmos conscientes das limitações dos modelos que se
utilizam. Um método para evitar erros maiores é o de se fazerem análises de
sensibilidade: utilizar um modelo para fazer previsões e introduzir formulações
alternativas das equações mais sensíveis ou em relação às quais as nossas
dúvidas sobre a sua qualidade são mais importantes. Por exemplo, fazer S(i),
S(Y) ou S(Y,i) são alternativas de modelagem do comportamento da poupança.
Se
os resultados não forem muito diferentes podemos ter confiança nas previsões;
caso contrário é necessário ter muito cuidado com as conclusões a retirar do
modelo e, principalmente, com a formulação das medidas de política.
Mesmo
depois de termos estudado cada uma das equações do modelo, ele não deve ser
utilizado sem testarmos se, no seu conjunto, ele é aderente à realidade. Pode
suceder que, apesar da qualidade das suas equações, os resultados do conjunto
não permitam uma boa representação desta. Por isso convém testar o modelo antes
de utilizá-lo.
Para
tal podemos considerar o valor das variáveis exógenas de anos anteriores e
resolver o modelo, determinando os valores das variáveis endógenas desse mesmo
período. A comparação ente estes valores e os reais obtidos das estatísticas
permitem-nos ter uma ideia mais ou menos precisa sobre a qualidade do modelo:
se os valores forem aproximados, o modelo pode ser considerado como pronto para
ser utilizado; caso contrário, terá que ser reformulado. Este controle deverá
ser feito para vários períodos e não apenas para um. A permanência de bons
resultados é um indício da qualidade do modelo, mas o fato de eles serem
relativos ao passado não significa, ainda assim, que o modelo não tenha alguns
defeitos quanto à sua capacidade de fazer previsões para o futuro.
Admitindo
que o modelo construído e testado se mostre de boa qualidade, podemos agora
utilizá-lo para fazer previsões. Neste passo da utilização dos modelos podem
ainda surgir algumas dificuldades.
É
muitas vezes difícil prever os valores das variáveis exógenas --- por vezes é
até mais difícil que a previsão dos valores para as endógenas. Por exemplo, a
evolução do preço do petróleo no mercado internacional é, hoje em dia, uma
condicionante fundamental do comportamento das economias; ora, a sua previsão é
devido ao fato de, por vezes, estar dependente de fatores políticos, torna-se
difícil. Porém, esta dificuldade não deve, não pode impedir que se formulem
algumas hipóteses alternativas sobre a evolução de tal preço. Evidentemente,
que a decisão final sobre qual o preço a vigorar terá sempre algo de arbitrário
embora a escolha deva recair sobre aquele preço que parece mais plausível face
aos dados de que dispomos para fundamentar a nossa decisão.
Outro
problema que pode surgir é o de considerarmos como variáveis exógenas variáveis
que efetivamente não o são. Por exemplo, o investimento poderá não ser exógeno,
mas sim dependente de variáveis como o produto e o consumo. Muitas vezes as
variáveis que nós definimos como exógenas dependem de fato, pelo menos em
parte, de variáveis do modelo. Tal acontece principalmente quanto mais agregado
ele for.
Um
exemplo de variável inequivocamente exógena é o preço do petróleo no mercado
internacional; já o montante das despesas públicas é uma variável que tem algo
de exógeno, mas também de endógeno uma vez que depende não só das decisões do
governo, mas também quer da conjuntura econômica quer de características
institucionais do funcionamento da sociedade. Neste último caso estão, por
exemplo, as despesas com a segurança pública ou com a educação: elas não podem
ser comprimidas nem alargadas algo aleatoriamente.
Refira-se,
por fim, outro problema que surge ligado à utilização dos modelos para
previsão. Trata-se da possível alteração da sua estrutura, i.e., da alteração
dos valores dos parâmetros estimados. Já fizemos uma curta referência a este
aspecto, mas podemos agora desenvolvê-lo um pouco mais.
Uma
vez que os parâmetros são estimados com base no comportamento, no passado, da
economia é necessário ter em consideração a sempre possível sua alteração no
futuro, até porque muitas vezes os valores das variáveis endógenas reagem
intensamente aos valores dos parâmetros. Se mantivermos constante o valor de um
parâmetro que de fato
se vai alterar, poderemos estar a cometer graves erros de previsão. Devem então
alterar-se os parâmetros do modelo. Porém, o que acontece frequentemente é que
não sabemos exatamente o sentido e o grau da alteração, pois não existe um
critério aceite como válido para prevê-lo.
Se
por um lado não devemos introduzir alterações estruturais ao modelo sem que
tenhamos fortes indícios do sentido e do grau em que elas devem ser introduzidas
--- i.e., só as devemos introduzir se soubermos exatamente qual o valor do novo
parâmetro ---, também é verdade que não podemos deixar de fazer uma análise de
sensibilidade do modelo a várias hipóteses de novo valor par ao parâmetro.
Assim, devem-se fazer testes com vários valores alternativos dos parâmetros; se
as previsões não forem muito díspares (o que não acontece frequentemente),
poder-se-á manter o parâmetro constante. A análise de sensibilidade deve ser
feita, pois, sempre que o grau de incerteza fôr grande.
NOTA:
as referências que se seguem são apenas algumas das muitas existentes sobre o
tema central deste capítulo. Os textos referenciados servem para apoiar
bibliograficamente uma investigação sobre o assunto.
Uma biblioteca consultável através da INTERNET é a do ISEG/UTL - Econômicas" através da escolha do item "Biblioteca" no 'site' do Instituto.
Uma biblioteca consultável através da INTERNET é a do ISEG/UTL - Econômicas" através da escolha do item "Biblioteca" no 'site' do Instituto.
AMARAL,
João Ferreira do Política econômica- Metodologia, concepções e instrumentos
de atuação, Ed. Cosmos, (Lisboa), 1996
BERNARD,
Jean "Conflit et choix dans l'élaboration de la politique économique"
in Révue Économique, Setembro/1962
BOISSIEU,
Christian Principes de politique économique, Ed. Economica,
Paris, 1978
CABANES, Michel La politique économique, Armand
Colin, Paris, 1994
DORNBUSH, Rudiger e FISCHER, Stanley
Macroeconomics (6th edition), McGraw-Hill ,
New York , 1994
GUILLAUME, Marc Modèles economiques: methodologie
des modèles et technique macro-économique, PUF, Paris , 1971
KIRSCHEN, E. S. La politique économique
contemporaine, ULB, Bruxelles, 1966
KIRSCHEN, E. S. Economic policies compared west and
east, North-Holland, Amsterdam ,
1975
MOSSÉ,
Eliane Comprendre la politique économique, SEUIL, Paris, 1978
PESTON, M. H. Theory of macro economic policy,
Philil Allan, 1974
TINBERGEN, Jan On the theory of economic policy,
North-Holland, Amsterdam ,
1952
TINBERGEN, Jan Techniques modernes de la politique
économique, Dunod, paris ,
1962
SHAW, G.K. An introduction to the theory of
macroeconomic policy, Martin Robertson, 1973
SILVA,
Manuela et allii. Política econômica - questões metodológicas,
AE/ISEG-UTL, 1981
Notas
1.
- Repare-se que esta referência remete para
uma dupla perspectiva em que se pode analisar a política econômica: por um
lado, uma perspectiva "teórica", dos princípios, desligada de uma
determinada realidade concreta; por outro, uma perspectiva eminentemente
empírica, ligada à sua aplicação a um espaço econômico concreto, seja ele nacional,
infranacional ou supranacional como referido na definição de MOSSÉ referenciada
atrás
2. - DADOS (vd. Tinbergen, p. 3): elementos
intervenientes no processo econômico, mas que provêm de um mundo exterior às
preocupações do economista já que dizem respeito, por exemplo, aos elementos
naturais, técnicos, psicológicos, institucionais e internacionais que a atividade
econômica do homem deve considerar tal qual como aparece. Exemplo: o clima, as
colheitas, os processos técnicos, as preferências humanas, os hábitos, as leis,
os preços internacionais, etc.
3. - FENÔMENOS ECONÔMICOS (idem): elementos da atividade
econômica propriamente dita, e que, como tal, deverão ser explicados pela
teoria econômica, sendo considerados consequências dos dados. Os seus aspectos
quantitativos (as variáveis econômicas) são, por exemplo, o volume da produção,
os preços, os rendimentos, a despesa, o capital, etc.
4. - MEIOS (idem): dados que, dada a sua
natureza específica, poderão ser modificados pelos responsáveis da P. Ex.
Exemplo: meios quantitativos (instrumentos ou variáveis instrumentais): taxa de
um imposto, taxa de juro, volume das despesas públicas, etc.; meios qualitativos:
tipos de impostos, racionamento, etc.
5. - Exemplo: Política Econômica - objetivo: estabilidade
dos preços (conhecido .......); instrumento:
política monetária [desconhecido]. Teoria
Econômica - objetivo: qual a teoria da formação dos preços e
qual o seu nível (desconhecido); instrumento:
a existência de moeda (conhecido)].
6. - Dado que defendia que a oferta (produção) é
função da procura, contrariamente aos clássicos para quem a procura é função da
oferta [a oferta cria a sua própria procura].
7. - "Política Econômica
Contemporânea", 1966 e "Economic Policies Compared...", 1975
8. - Note-se que o equilíbrio externo aparece
aqui, tal como já tínhamos referido anteriormente, promovido a objetivo quando
não é senão uma variável intermédia. É, pois, um dos casos mais típicos de quasi-objetivo.
9. - Evidentemente que em última análise e dado
que tais instituições têm determinado conteúdo político-social, o que há que
perguntar é quais são os interesses que elas objetivamente servem. Deixemos,
porém, esse tipo de análise já que atribuímos grande importância às lutas
sociais no ponto anterior.
10. - Não é nosso objetivo que se decore tal
quadro, mas somente que se tire proveito dele em termos de detecção de alguns
pontos com mais interesse.
11. - A referência a este sistema permite-nos
sublinhar a sua importância fundamental para o sucesso da política econômica: é
que sem um bom sistema estatístico não há bom conhecimento da realidade e das
relações entre variáveis. Sem estas, por sua vez, não há a possibilidade de uma
boa formulação da política econômica, pois a que se vier a definir corre o
risco de ser adaptada não a esta,
mas a outra
realidade.
[1] Texto produzido pelo professor
Antonio M. de Almeida Serra para o curso de mestrado de desenvolvimento e
cooperação internacional, com pequenas adaptações.
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