Lembro-me que era bastante comum encontrarmos agrupamentos de ciganos percorrendo os municípios do Alto Oeste Potiguar. Alguns grupos eram bem numerosos e chegavam a causar temor nos moradores e autoridades.
O preconceito acompanhava as caravanas e as hostilidades sempre provinham da fama nada lisonjeira de negociantes espertalhões, de acusações de furtos, de pedintes intransigentes e outras coisas do gênero.
A lembrança mais remota, remete-me ao meu tempo de criança quando um grande acampamento foi montado na antiga "baboca" em Portalegre. Era permanentemente lembrado que não deveria me aproximar, pois os ciganos teriam o costume de raptar crianças.
Na juventude, acompanhado de João Maria, ficamos "arranchados" num pequeno acampamento em Riacho da Cruz após uma mal-sucedida farra em São Francisco do Oeste e uma carona até o local do acampamento.
Ofereceram-nos café e logo se interessaram em propor todo tipo de troca: relógios, cordões de 'ouro' e toda sorte de traquitanas. Foram tão cordiais que meu amigo já estava prestes a namorar a filha do líder do grupo.
O 'romance' não se consumou porque alguém nos ofereceu uma carona para Portalegre.
Eis um povo com uma história muito rica, pouco estudada e marcado por incompreensões e perseguições.
A seguir um texto que publico com um pouco da história dos ciganos.
Ciganos, um milênio de história
Origem do Povo
A
origem do cigano é desconhecida. Os estudiosos que procuram reconstituir a sua
história afirmam que a sua primeira grande dispersão pelo mundo se deu a partir
da Índia e que viveram por muito tempo no Egito antigo. Hoje eles podem ser
encontrados em várias partes do mundo. Os próprios ciganos desconhecem a sua
origem e a explicam por meio de mitos e lendas. Estas lendas se reportam às
explicações cristãs de criação do mundo e destacam a sua origem pura, sem o
pecado original, que contaminou os demais homens. Eles são os homens puros, em
oposição aos não-ciganos. O seu nomadismo é explicado como predestinado por
Deus, que não lhes deu uma terra, mas lhes concedeu o mundo todo para andarem
livremente.
A história dos ciganos, assim como a conhecemos atualmente é breve: cerca de
1000 anos, e principia com seu aparecimento no Ocidente europeu. Pouco conhecido
e pouco estudado no Brasil, os ciganos, entre nós, continuam cercados de
“mistérios” decorrentes da incompreensão, do etnocentrismo e do preconceito.
Quase nada sabemos dos acontecimentos anteriores à sua migração; nem mesmo se
já eram nômades ou sedentários. A história do povo cigano é a história de um
grupo que jamais fez guerras, nem aspirou ao poder, mas desde o início sofreu
com a guerra de outros e foi muitas vezes perseguido.
Não
há comprovação histórica de onde nasceram os ciganos. Alguns afirmam que a
origem está na Turquia e de lá emigraram para o Egito. De acordo com o
folclorista e estudioso Luis da Câmara Cascudo (1898-1986), saíram os ciganos
da Índia, Sind e Pendjab, vagueando pelo Afeganistão, Pérsia, Armênia, Ásia
Menor em fora, entretanto na Europa pela Grécia, derramando-se pela península
Balcânica, vindo à Valáquia, Moldávia, Hungria, onde são notados em 1417.
Surgem nas terras germânicas um ano depois e, em 1427, estão em Paris. Em 1447
chegam à Catalunha. Nesse mesmo século XV estão em Portugal. A sua popularidade
levou o dramaturgo Gil Vicente (1465-1536) escrever o Auto das Ciganas (1521),
onde os personagens Martina, Cassandra, Giralda e Lucrecia confabulam em mal
castelhano, diante do Rei D. João III, no seu Paço de Évora, no ano de 1521.
Chegada
ao Brasil
O
mais antigo documento conhecido no Brasil, em que figura um cigano que aqui
aportara com mulher e filhos é um alvará de D. Sebastião, de 1574, que troca a
pena de galés de João de Torres por exílio. Acredita-se que os ciganos
começaram a vir para o Brasil nos séculos XVI, XVII e XVIII. Os primeiros eram
degredados para a Bahia e Minas Gerais (Congonhas do Campo) foram os primeiros
centros de concentração, ao tempo da colônia. Em 1718 chegam à Bahia as
primeiras famílias ciganas. O Senado da Câmara deu-lhe para morada um trecho da
Freguesia de Santa’Ana, perto da Palma, que passou a ser conhecido como Santo
Antônio da Mouraria. Da antiga ocupação, não há atualmente nenhum vestígio, nem
mesmo em outros pontos da cidade do Salvador.
Em
1710, os ciganos foram vitimas de violenta perseguição. As autoridades
perceberam que os ciganos era um grupo homogêneo, unido, com uma só língua, com
usos e costumes próprios, e por isso poderiam tornar-se uma força e um perigo.
O decreto de 11 de abril de 1718 chamava à atenção das autoridades locais para
o policiamento das atividades dos ciganos: “foram degredados os ciganos do
reino para a Praça da Cidade da Bahia, ordenando-se ao governador que ponha
cobro e cuidado na proibição do uso de sua língua e gíria, não permitindo que
se ensine a seus filhos, a fim de obter-se a sua extinção”. Os povos ciganos
que ainda resistem, procuram as estradas. Em 1726 e 1760 bandos de ciganos foram
assassinados em São Paulo e, por decisão do Senado da Câmara, expulsos da
cidade.
O
Barão de Eschwege (1777-1855), militar, engenheiro e naturalista alemão, após
ter trabalhado em mineralogia na Alemanha, passou a serviço de Portugal, vindo
para o Brasil por ocasião da transferência da corte portuguesa para o Rio de
Janeiro, narra a participação entusiasta de um grupo cigano na comemoração
pública quando do casamento da Princesa D. Maria Teresa, primogênita do
Príncipe Regente, com seu primo, Infante de Espanha, D. Pedro Carlos, a 13 de
maio de 1810. Eschwege informa: “Os ciganos foram convidados para as festas
dadas na capital brasileira por ocasião do casamento da filha mais velha de D.
João VI com o Infante espanhol. Os moços desta nação, trazendo à garupa suas
noivas, entraram no circo montando belos cavalos ricamente ajaezados. Cada par
pulou no chão, com incrível agilidade, e todos juntos, executaram os mais
lindos bailados que eu jamais vira. Todos só tinham olhos para as jovens
ciganas e os outros bailados que também executaram parecendo ter tido por único
fim fazer sobressair os dos ciganos como os mais agradáveis”.
O
historiador e médico baiano Mello Moraes Filho (1843-1919) que desenvolveu
vários estudos etnográficos e folclóricos, em crônica “Um casamento de cigano
em 1830” publicado em Festas e Tradições Populares do Brasil (1901) diz que:
“Nessa época muitíssimos era os ciganos aqui residentes, entregando-se ao
comércio de escravos e cavalos, empregados no foro e em vários misteres, todos
porém constituídos em sociedade à parte, onde mantinham, sem a menor quebra de
lealdade, as suas tradições e os seus preconceitos de raça”. O desenhista e
pintor francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848), cuja obra é de grande valor
para o estudo da história do Brasil no início do século XIX, integrou a missão
artística francesa que veio ao Brasil em 1816, permanecendo por 15 anos,
exercendo intensa atividade didática, escreveu e ilustrou “Viagem Pitoresca e
Histórica ao Brasil” em três volumes (1834-1839) documentários sobre a
natureza, o homem e a sociedade fluminense no princípio do século XIX.
Durante
sua estada em nosso país (1816-1831), Debret retratou-os e sobre eles deu o seu
depoimento, afirmando que caracterizavam “tanto pela capacidade como pela
velhacaria que põem no seu comércio exclusivo de negros novos e de escravos
civilizados”, informando que “os primeiros ciganos vindos de Portugal
desembarcaram na Bahia, e se estabeleceram, pouco a poço, no Brasil,
conservando nas suas viagens, as habilidades do povo nômade”. E contaminado,
ele também, pelo preconceito, afirma: “Esta raça desprezada tem por hábito
encorajar o roubo e praticá-lo; roubam sempre alguma coisa nas lojas onde fazem
compra e, de volta para casa se felicitam mutuamente por sua habilidade repreensível”.
No Rio de Janeiro eles se instalaram na Rua dos ciganos (atual Rua da
Constituição) até 1808, quando procuraram outras localidades mais próximas das
estradas do interior, levados pelo seu comércio de ouro e de cavalos.
Perseguições
Os ciganos sofreram, ao longo do tempo, muitas perseguições. No século XVI, na Inglaterra, eram de tal modo mal vistos que todos aqueles que com eles se relacionassem corriam o risco de ser condenados à morte e ter seus bens confiscados, sem direito a julgamento. Na Europa Central, nos séculos XVII e XVIII, foram também perseguidos, de modo implacável, em vários estados. Desde 1933, a imprensa nazista começou a acentuar que os ciganos e judeus eram raça estrangeira, inferior, e que teriam “contaminado” a Europa com o um corpo estranho.
As autoridades nazistas, com o apoio da generalizada antipatia contra os
ciganos, puderam facilmente percorrer a via do extermínio desse povo. A 17 de
outubro de 1939, quando Heydrich, a mando de Hitler, proibiu-os de abandonar
seus acampamentos. Três dias depois, após recenseamento, foram transferidos
para campos de concentração, esperando serem enviados à Polônia. A última e
mais cruel perseguição por eles sofrida foi, contudo, a determinada pelo
governo nazista da Alemanha, quando se calcula que, em conseqüência, 10 por
cento da população cigana de todo o mundo foi exterminada nos campos de
concentração, entre os fins da década dos 30 e os da II Grande Guerra.
Cultura
Essencialmente
nômade até hoje os ciganos vive pelo mundo, conseguindo sustentar-se
basicamente do comércio. Devido à violência, as facilidades do mundo moderno,
como as estradas asfaltadas e a necessidade de educar os filhos, tem tornado
este povo sedentário, instalando-se com as famílias em cidades próximas as
metrópoles. A tendência de todo cigano é fixar residência, não há mais lugar
para o povo estar caminhando. Uma das justificativas para o sedentarismo é a
perseguição social que o povo sofre, há quem ainda pense que todo cigano é
ladrão ou gente que não presta.
Os ciganos
têm um dialeto próprio denominado de shibi. Os grupos não têm certeza da origem
da língua, entendida apenas por ciganos e ensinada pelos mais velhos aos mais
novos que se interesse em aprendê-las. Acredita-se que a língua é de origem
hebraica, com algumas variações incorporadas pelos próprios ciganos. Há
indícios de cerca de 400 mil ciganos falam uma língua própria, o romani, e
muitos outros falam dialetos dela, como o calo e o sinto. Esse povo alegre, que
gosta de festas entre os grupos, falantes, gostam de gesticular muito, sem
falar na hospitalidade, quando passam a conhecer o interlocutor, já que são
extremamente desconfiados. Habilidosos, muitos homens usam a ourivesaria como
meio de vida.
Qualquer
cigano sabe cantar e tocar. Sua música não tem pressa de se exprimir, nem
tampouco precisa dizer logo tudo e abruptamente. Os ciganos gozam
universalmente de fama de músicos natos, e isto não se aplica apenas aos
ciganos húngaros, mas também aos que vivem na Turquia e na Romênia. Os ciganos
são logo reconhecidos pelas características próprias com que se apresentam
(forma de vestir, de morar, o seu trabalho e a sua grande mobilidade). Eles têm
os seus modos diferentes de vida, mas são pessoas iguais a qualquer outra, e
precisa ser respeitadas também a individualidade do povo.
No
Brasil, os ciganos são encontrados morando em casas, muitas delas luxuosas, ou
em acampamentos de barracas. Alguns grupos se dedicam ao trabalho de
fabricação, reparo e venda de utensílios de metal, enquanto outros se dedicam
ao comércio e outras atividades correlatas. Alguns se apresentam muito ricos,
fazendo uso de carros do último tipo, ostentando jóias de ouro, e outros são
vistos como muito pobres, sujos, sem casas, adivinhos de sorte ou pedintes.
Referência
Site
Cinform
Blog Gil Francisco
Jornalista, pesquisador e professor membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
Jornalista, pesquisador e professor membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
Gostei muito deste artigo. Realmente ainda há muita discriminação em todos os países. Na Itália, Brasil, etc. Aqui há o pensamento cheio de glamour de que os ciganos são ricos. Na verdade, em qualquer sociedade, há os ricos e pobres, porém a glamour, vem das entidades ciganas, que canalizam em sessões espíritas. Talvez, isso, tenha ajudado mais o respeito para com eles pelos espíritas. mas e o resto? Preconceito é o que acaba com a humanidade! Belo artigo! Optcha!
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