segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A coerção administrativa para pagamento de tributo como forma de restringir o exercício das atividades profissionais



A definição de tributo, segundo Marcus Cláudio Acquaviva, é o ônus compulsório, criado e gerido pelo Estado, visando ao custeio de serviços públicos. O fundamento jurídico é o poder fiscal do Estado, e seu elemento essencial é a coercibilidade, vale dizer, a prerrogativa legal de o Estado compelir o contribuinte ao pagamento da prestação. Os tributos, alguns dizem, são um mal necessário, ou seja, o preço de uma sociedade civilizada. Infelizmente, altos demais.

Apesar disso, todos os tributos arrecadados possuem destinação para o bem estar coletivo. Os serviços considerados essenciais tais como os de saúde, educação e segurança, só podem ser mantidos com a arrecadação de tributos. Além desses serviços, ainda há outras destinações, tais como, a construção de estradas, de hospitais, prédios públicos, enfim, o desenvolvimento de uma sociedade civilizada, com prédios públicos modernos e amplos, e porque não dizer com funcionários bem treinados e motivados, advém em grande parte da eficiência com que os governos conseguem arrecadar os seus tributos. Mesmo indignadas, as pessoas de um modo geral reconhecem a necessidade de haver impostos, mas o problema é quando o contribuinte é compelido a pagar com ameaça à sua liberdade de trabalho.

O emprego de diversos meios pelo Estado para cobrar seus tributos possui limites. A coercibilidade exercida não pode extrapolar os limites legais sob pena de causar injustiças, e jamais conseguirá atingir seu objetivo se vier a frustrar a atividade laborativa. O bom pastor deve apenas tosquiar o rebanho, não esfolá-lo. Por exemplo, mesmo o Estado entendendo que não é devido a liberação de um alvará para localização se o requerente estiver em débito com os cofres públicos, fundamentando seu entendimento em lei, ainda assim será indevido o condicionamento da liberação do alvará ao pagamento dos débitos fiscais, pois, agindo assim, estará caracterizada uma interdição forçada do estabelecimento comercial.
 
O Estado dispõe de outros meios suficientes para a cobrança destes débitos e as medidas restritivas tomadas para forçar o pagamento não devem impedir a atividade do contribuinte, especialmente as medidas coercitivas que dificultem ou impeçam o exercício de trabalho, ofício ou profissão. Haverá, então, uma crassa violação à nossa Constituição, especialmente no que diz respeito ao art. 5º, XIII c/c 170 parágrafo único. Assim entendidos:

Art. 5º, XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações que a lei estabelecer.

Art. 170. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Além do mais, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou a respeito, inclusive sumulando a matéria, deixando transparecer que o Estado jamais poderá utilizar-se de meios não previstos em lei para a cobrança de seus tributos. As súmulas 80, 323 e 547, esclarecem que obrigar o contribuinte ao cumprimento das obrigações tributárias é inadmissível. Assim nos instruem as respectivas súmulas:

Súmula nº 70 – É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.

Súmula nº 323 – É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

Súmula nº 547 – Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.

Tais disposições, mormente as contidas na súmula 547, amainam as dúvidas quanto a se o Estado, mesmo legitimado para a coerção na cobrança de seus impostos, pode transcender suas efetivas medidas cerceando um direito à atividade profissional do contribuinte. Ademais, dentre essas restrições pode ser incluída também a proibição à obtenção de alvarás, mesmo que não expressamente contida nas súmulas, porque agindo de forma diversa o Estado estará prejudicando não só o contribuinte, mas também a ele próprio ou a sociedade.

Ensina Maria Sylvia Zanella di Pietro que, ainda que a Administração goze de certa discricionariedade no exercício deste poder, deve observar a proporcionalidade entre os meios utilizados e o fim a ser atingido, sendo certo que a finalidade do Poder de Polícia não é destruir os direitos individuais, mas assegurá-los, condicionando-os ao bem-estar social.

A liberdade de ação administrativa deve ser exercida dentro dos limites da lei, caso contrário, a discricionariedade passará a ser arbitrariedade. Condicionar a liberação de alvará de localização ao pagamento de tributos é uma conduta abusiva. E qualquer lesão ou ameaça de lesão aos direitos é passível de ser apreciada pelo Poder Judiciário, sendo tal atitude merecedora de guarida pela tutela jurisdicional. Frisando, os poderes concedidos ao Estado para a consecução de sua atividade tributária têm limites que não podem ser desrespeitados. Nem pode este valer-se desses poderes tolhendo a liberdade de exercer uma profissão. Deve sim haver mecanismos eficazes de cobrança, mas não a pretexto de um eficiente sistema de cobrança em detrimento dos direitos particulares.

Com o escopo de cobrar seus tributos e de velar pela regularidade fiscal das atividades econômicas exercidas em seu território, o Estado não pode fazer exigências que não estejam previstas em lei, ainda mais abusivas que prejudiquem o desenvolvimento da liberdade de trabalho. De mais a mais, o Estado dispõe de meios próprios para cobrar seus créditos tributários por meio de execuções fiscais, e se o contribuinte agir em desconformidade com a legislação tributária, haverá a imposição de penalidades cabíveis já previamente definidas.

Portanto, há meios próprios e suficientes para o Estado garantir os seus direitos, bem como para reprimir comportamentos ilegais dos contribuintes, não podendo admitir que se crie ainda mais barreiras como forma de coibir o inadimplemento de tributos que não os já previstos em lei e que acarretem prejuízos ilegítimos aos particulares. Se o contribuinte possui débitos com a Fazenda, esta deve evidentemente cobrá-los, contudo, sem negar a expedição de um alvará. Com tal atitude, não se vislumbra um prejuízo para o Estado, tampouco para o interesse público apenas por permitir a continuidade da atividade laborativa do contribuinte.

O mesmo entendimento tem sido adotado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: Mandado de Segurança - Autorização para impressão de talonário de nota fiscal, fornecimento de alvará funcionamento e concessão positiva com efeito negativo para fins de participação em licitações públicas - Condicionamento imposto pela Fazenda de regularização de débito - Ilegalidade - Segurança concedida parcialmente - Sentença confirmada no reexame necessário. (APELAÇÃO CÍVEL/REEXAME NECESSÁRIO Nº 1.0702.02.030666-9/001 - COMARCA DE UBERLÂNDIA - APELANTE(S): 1º) JD V. FAZ. PUBL. AUTARQUIAS COMARCA DE UBERLÂNDIA, 2º) SECRETÁRIO MUNICIPAL DE FINANÇAS DE UBERLÂNDIA - APELADO(A)(S): TQI TECNOLOGIA QUALIDADE INFORMÁTICA LTDA. - RELATOR: EXMO. SR. DES. JOSÉ FRANCISCO BUENO).

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA – ‘ALVARÁ DE LICENÇA E FUNCIONAMENTO’ - INDEFERIMENTO - CONTRIBUINTE QUE NÃO APRESENTOU GUIA DE IPTU QUITADA - ABUSO DE PODER DA ADMINISTRAÇÃO FAZENDÁRIA - CONCESSÃO DA SEGURANÇA MANTIDA. É ilegítimo o procedimento do Fisco que condiciona a emissão do ‘ALVARÁ DE LICENÇA E FUNCIONAMENTO’ à apresentação da guia DE IPTU quitada, pois cria meios coercitivos sem previsão legal. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 000.289.055-6/00 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): 1º) JD DA 2ª VARA DA FAZENDA DA COMARCA DE BELO HORIZONTE, 2ºS) FAZENDA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, PREFEITO MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE E OUTRO - APELADO(S): DROGARIA SÃO DIMAS LTDA. - RELATOR: EXMO. SR. DES. DORIVAL GUIMARÃES PEREIRA).

A verdade é que não podemos nos esquivar dos impostos. A enormidade de tributos, impostos e taxas levam os contribuintes a certa desesperança por não entenderem na prática como são empregados, onde são destinados e como são criados. Porém, a maioria das pessoas reconhece, mesmo a contragosto, os benefícios dos impostos à comunidade em que vivem e estão dispostos a pagá-los. E acredito que grande parte da inadimplência ocorre em virtude da complexidade da lei e dos procedimentos, e não por causa da sonegação intencional.

Fonte
SOUZA, Bruno Soares de. A coerção administrativa para pagamento de tributo como forma de restringir o exercício das atividades profissionais. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 212, 14 jan. 2007. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1706>.

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