sábado, 31 de agosto de 2013

PORTALEGRE E O PISO SALARIAL DOS PROFESSORES – PARTE 2

Já escrevi outras vezes sobre o pagamento do Piso Salarial aos professores. A situação é recorrente em vários municípios e até alguns governadores tentaram no STF questionar a constitucionalidade da Lei. O STF reconheceu a validade da Lei, mas nem esse episódio resolveu a questão definitivamente.

 

Também não restam dúvidas que inúmeros municípios têm enfrentado severas dificuldades financeiras, principalmente, aqueles que não dispõem de capacidade de arrecadação própria.

 

Entretanto, a Lei nº 11.738, de 16-07-2008, dispõe em seu artigo 4º que o Governo Federal poderá complementar o repasse de recursos para garantir o pagamento do piso aos professores.

 

O que as prefeituras precisam fazer para conseguir o acréscimo nos repasses?

 

Diz a Lei: “O ente federativo deverá justificar sua necessidade e incapacidade, enviando ao Ministério da Educação solicitação fundamentada, acompanhada de planilha de custos comprovando a necessidade da complementação [...]”.

 

As justificativas de que não existem recursos para pagamento do piso devem ser suficientemente claras para convencer o Ministério da Educação.

 

Caso a gestão municipal não consiga comprovar a situação ao Ministério, com que tipo de argumento tentará convencer os professores?

 

A situação em Portalegre é bem ilustrativa das dificuldades que os professores enfrentam país afora.

 

Em 2012, a prefeitura não pagou o Piso Salarial aos professores, portanto, acumulou uma dívida significativa com os docentes (a diferença entre o que pagou e o que deveria ter pago).

 

O SINTE-Portalegre, representado pelo zeloso professor Elismar Bezerra, ingressou com ações buscando fazer valer o direito dos professores. Também o representante do Ministério Público ajuizou Ação Civil Pública com o mesmo propósito.

 

De forma surpreendente, o juiz determinou a suspensão do trâmite das ações e determinou também que o prefeito colocasse dotação orçamentária no orçamento de 2013 num montante suficiente para pagamento do Piso Salarial.

 

Quem conhecesse o mínimo de processo orçamentário sabe que, caso o problema para pagamento dos professores fosse uma dotação orçamentária insuficiente, bastaria que a dotação fosse reforçada ou que fosse encaminhado um pedido de Crédito Adicional. Tarefas simples.

 

Mas, o ano de 2012 terminou de forma ainda mais dramática para os servidores municipais. O salário de dezembro não foi pago e existia um acordo (prefeitura e sindicato) para que fosse pago neste mês de agosto. Infelizmente, as informações que tivemos acesso indicam que não existe mais data prevista para pagamento dos professores.

 

Que tipo de implicações jurídicas esse tipo de situação pode causar?

 

A existência da dívida deixada pela gestão do ex-prefeito Euclides Pereira e as declarações atribuídas ao atual prefeito Neto da EMATER de que a prefeitura não tem condições de pagar o mês de dezembro (2012) deixa a impressão que o ex-prefeito descumpriu a LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal.

 

A LRF veda ao gestor público contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro de seu mandato, "ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito". (art. 42)


 

Por todos os ângulos que se observe a cena, tem-se que reconhecê-la como, no mínimo, embaraçosa.

 

É bom não esquecer que o TCE-RN publicou a Resolução nº. 27/2012 sobre a obrigatoriedade de “[...] adoção de providências necessárias à transição de governo no âmbito da Administração Pública Municipal”.

A referida Resolução orientava a formação de uma Equipe de Transição e sugeria inúmeras atribuições aos integrantes, dentre elas:

[...] inteirar-se do funcionamento dos órgãos e entidades que compõem a administração direta e indireta do municipal, e preparar os atos de iniciativa do novo Prefeito, a serem editados imediatamente após a posse. (art. 4º)

[...] fornecer ao Prefeito eleito às informações relativas às contas públicas, aos programas e aos projetos dos órgãos e entidades que compõem a administração direta e indireta municipal. (art. 5º)

Não conheço o resultado do trabalho da Equipe de Transição, mas certamente seguiu o roteiro estabelecido pela Resolução do TCE, que orientava a realização das seguintes tarefas, dentre outras:

 

À equipe constituída nos termos do artigo 3º caberá a apresentação dos documentos e informações ao Prefeito eleito, através da equipe de transição por ele instituída, a seguir elencados (art. 6º):

III - demonstrativo dos restos a pagar distinguindo-se os empenhos liquidados/processados e os não processados, referentes aos exercícios anteriores àqueles relativos ao exercício findo, com cópias dos respectivos empenhos, conforme os Anexos IV e V desta Resolução;

VIII - relação e situação dos servidores municipais, em face do seu regime jurídico e quadro de pessoal do Município regularmente aprovados por lei municipal, para fins de averiguação das admissões efetuadas, observando-se:

a) servidores estáveis, assim considerados por força do art. 19 da ADCT/CF, se houver, nos termos do Anexo IX;

b) servidores pertencentes ao Quadro Suplementar, por força do não enquadramento no art. 19 ADCT/CF, se houver, nos termos do Anexo X;

c) servidores admitidos através de concurso público, indicando seus vencimentos e data de admissão, bem como o protocolo de sua remessa ao Tribunal de Contas, nos termos do Anexo XI;

d - pessoal admitido por contrato com prazo de vigência, em vigor ou expirado, nos termos do Anexo XII;

IX – a relação dos concursos públicos homologados e o respectivo prazo de validade, bem como os deflagrados no exercício atual;

XIV– informação sobre a folha de pagamentos de servidores em atraso, se houver;

 

São informações preciosas que o prefeito deve ter recebido no início de sua gestão e que deveriam resultar em providências adequadas ao enfrentamento das adversidades.

 

De acordo com a Resolução o prefeito eleito teria que adotar algumas providências. A seguir transcrevo algumas.

 

Empossado no cargo de Prefeito Municipal, o novo gestor deverá (Art. 9º):

 

I - receber os levantamentos, demonstrativos, relações e inventários, emitindo recibo ao ex-Prefeito Municipal [...];

IV - ter acesso aos assuntos que requeiram adoção de providências, ação ou decisão da administração no primeiro quadrimestre do novo gestor;

Ressalto que, em virtude do trabalho sugerido pelo TCE, os novos gestores não tem como alegar pleno desconhecimento da situação e teriam como obrigação adotar as medidas necessárias para o saneamento dos problemas.

 

Leiam mais alguns trechos da Resolução:

 

Na hipótese da falta da apresentação dos demonstrativos elencados nesta Resolução, ou pelo menos, daqueles que permitem o conhecimento da situação orçamentária, contábil, financeira e patrimonial e, mais ainda, indícios de irregularidades ou desvios de recursos públicos, deverá a equipe de transição instituída pelo Prefeito eleito comunicar ao Tribunal de Contas para adoção das providências cabíveis. (Art. 12)

 

Não creio que nenhuma informação tenha sido negada pelo ex-prefeito e nem tenho notícia de qualquer comunicação feita ao TCE de irregularidades detectadas, portanto, os problemas que possam ter sido encontrados pela Equipe de Transição eram sanáveis.

 

Mais uma questão fundamental. Conforme a Resolução, uma cópia do trabalho realizado pela Equipe de Transição deve ter sido encaminhada a Câmara de Vereadores pelo prefeito eleito.


Destaco este trecho da resolução:

O Prefeito Municipal empossado deverá encaminhar uma cópia dos documentos elaborados pela equipe de transição à Câmara Municipal. (Art. 13)

Outro trecho:

Ao Tribunal de Contas deverá ser encaminhado, via Portal do TCE/RN, até 31 de janeiro de 2013, a cópia do Relatório Técnico conclusivo emitido pela equipe de transição, devendo ser distribuído ao Relator competente que, constatando existência de dano adotará as providências cabíveis ao seu ressarcimento, ou caso contrário determinará sua juntada à prestação de contas anual de ordenador para subsidiar o seu julgamento. (Art. 14)

Por todas as circunstâncias que envolvem o não pagamento do mês de dezembro aos servidores municipais de Portalegre e também pelo não pagamento do Piso Salarial aos professores, creio que carece de sustentação o argumento de que os pagamentos não ocorrem por falta e/ou insuficiência de recursos.

 

Isso porque se o problema tiver como origem a falta de capacidade municipal bastaria apresentar as justificativas ao Ministério da Educação para fazer jus ao complemento.

 

Já se o problema tivesse origem em descalabros financeiros cometidos na gestão anterior, certamente, os assessores contábeis e jurídicos do atual prefeito já teriam orientado a adoção de providências legais, sob pena de que o atual gestor pudesse incorrer em omissão.

 

Mais ainda: a alegação de que o município superou o limite estabelecido pela LRF para gastos com a folha requer medidas saneadoras drásticas (demissão de cargos comissionados, extinção de contrato de trabalho, etc.). A última medida a ser adotada seria afrontar outra legislação, no caso, a Lei nº 11.738.

 

Parece que a atitude só piora a questão: deixa-se de cumprir a LRF e também não atende a Lei do Piso Salarial, além de aumentar o endividamento municipal e, não menos grave, deteriorar o serviço educacional prestado as crianças e jovens, afinal, os docentes não estão trabalhando plenamente satisfeitos.

 


Um último aspecto importante é o necessário afastamento do componente partidário deste episódio. Os professores que votaram no atual prefeito não se constituirão em adversários por buscarem seus direitos. Quem buscar partidarizar o debate deseja apenas escapar do enfrentamento do real problema, ou, o que é pior, não tem nada de proveitoso a acrescentar ao assunto.

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