Alugar um automóvel em uma padaria ou
em uma loja de materiais de construção? Não parece a coisa mais comum do
mundo, mas alguns políticos brasileiros fazem isso com frequência. Uma denúncia
popular chegou ao Tribunal de Contas da União para que esse procedimento seja
investigado. E o Fantástico foi investigar o assunto.
O que uma organização
não-governamental, uma loja de produtos de limpeza e uma padaria têm em comum?
Seriam elas o lugar certo para alugar carros? Para um grupo de deputados
federais, parece que sim.
O Fantástico foi a Teresina (PI) e procurou por uma locadora de carros. Entre março e
julho de 2013, o deputado federal Assis Carvalho, do PT, gastou R$ 50 mil na
empresa 'Fontes Locadora de Veículos'. O endereço comercial é em um prédio,
mas... “Minha mãe comprou este prédio há cinco anos e há cinco anos a gente
mora aqui. Aqui já funcionou uma loja de roupa, uma lan house e, agora, uma
padaria e um restaurante. Uma locadora, não”, diz a dona de casa Ingrid
Oliveira.
Fantástico: O senhor conhece uma empresa chamada R Fontes G de Almondes?
Deputado Assis Carvalho: R Fontes? Conheço o dono da empresa. Já esteve comigo e tenho um carro alugado por eles. Eu não fiscalizo locais de empresa.
O deputado
do Piauí interrompeu a entrevista neste ponto e depois se manifestou com uma
nota. Ele confirma o endereço da empresa e apresenta dois documentos de
veículos alugados pela R Fontes ao gabinete. Os carros estão em nome de uma
pessoa física.
"Pessoa
física não aluga carro. Quem aluga carro é pessoa jurídica. Então, assim, de
cara, uma pessoa física alugar um carro não é uma locadora”, afirma Paulo Gaba
Jr, da Associação Brasileira de Locadoras de Automóveis.
Assis
Carvalho e mais 20 parlamentares estão sendo investigados pelo Tribunal de
Contas da União, que quer saber como está sendo usada a cota para o exercício
da atividade parlamentar. A locação de automóveis está na mira dos auditores.
Os
repórteres Francisco Regueira e Alberto Fernandez viajaram por alguns estados
brasileiros para descobrir onde os deputados alugam seus carros.
A empresa
Locacom recebeu mais de R$ 40 mil da cota do deputado Jorge de Oliveira Zoinho,
do PR-RJ. No endereço fornecido, encontramos uma ONG especializada na
profissionalização de jovens.
Fantástico: A Locacom você conhece?
Rapaz: Não.
O rapaz
que atendeu o Fantástico na sala onde era para estar a locadora indicou a sede
da ONG Centro de Cidadania Cidade Maravilhosa (CCCM) para mais esclarecimentos.
Fomos até lá, mas aí começou a confusão.
Carlos da
Silva, representante da Locacom: Esse
prédio pertence à Locacom.
Fantástico: Por que a CCCM funciona aqui?
Carlos da Silva: Sim, porque alugou o espaço.
Fantástico: A Locacom divide espaço com a CCCM?
Carlos da Silva: Não, simplesmente porque estamos em obras lá. E a
gente tem atendido aqui.
Não entendeu? É confuso mesmo. Onde deveria existir a Locacom, está um escritório da ONG CCCM e, na sede da ONG, toca o telefone da Locacom.
Não entendeu? É confuso mesmo. Onde deveria existir a Locacom, está um escritório da ONG CCCM e, na sede da ONG, toca o telefone da Locacom.
Fantástico: Queria saber se aqui funciona a Locacom ou uma ONG.
Funcionária: Aqui é uma ONG.
Fantástico: Onde o senhor costuma alugar seus carros?
Deputado Zoinho: Alugo dentro daquilo que o ato da mesa me permite.
Certo? Dizer para você que eu sou 100% honesto... 100% honesto só Jesus
Cristo. Eu procuro fazer as coisas sempre com transparência.
·
Eu sempre falo isso aqui: santo, aqui
em Brasília não existe. Da fronteira dos estados com Distrito Federalx, eles
não passam para cá"
Deputado Jorge
de Oliveira Zoinho
Zoinho se
irrita com as perguntas. Ele não é o único. O deputado Paulo Feijó, também do
PR-RJ, que nada tinha a ver com a conversa, resolve agredir os repórteres
do Fantástico.
Com os
ânimos mais calmos e já no gabinete, o deputado Zoinho justifica seus gastos.
“O que é que acontece? Quando eu cheguei aqui, pensei que essa verba
indenizatória, eu poderia até comprar um carro para mim e ficar quatro anos
pagando. Depois, se eu perder o mandato, pelo menos tinha um patrimônio de
quatro anos. Mas você não pode comprar um veículo. Pelo ato da mesa, você é
obrigado a alugar um veículo”, afirma.
A mesa que
o deputado acabou de citar é a mesa diretora da Câmara. É ela quem define o
valor e as regras para o uso da cota. A verba varia de R$ 25 mil a R$ 37 mil,
dependendo do estado. Além do aluguel de carro, esse dinheiro só pode ser gasto
com passagens, aluguel de salas, serviços postais e telefonia, por exemplo. Não
acaba aí. Cada parlamentar recebe ainda R$ 78 mil para pagamento de
funcionários. E tem, claro, o salário: R$ 26,7 mil. A soma disso tudo chega a
quase R$ 2 milhões ao ano para cada um dos 513 congressistas.
Faxinão,
diz o letreiro. É lá que o deputado Lael Varella, do DEM-MG, aluga carros.
Entre maio de 2011 e maio deste ano, ele repassou R$ 150 mil para a Vila Rica
Rent a Car. “Eu posso fazer escritório onde eu quiser, naquela lojinha, naquele
telhado. É só eu mudar. É uma empresa formal, sempre locou e sempre loca”, diz
o dono da locadora.
Deputado
Lael Varella: Ele pode ter o produto de faxina aqui
e ter o carro. Uma empresa não é impedida de ter dois negócios não, tá certo?
Fantástico: Não é estranho?
Deputado Lael Varella: Não é não. Não é não.
Deputado Lael Varella: Não é não. Não é não.
Fantástico: É comum?
Deputado Lael Varella: É comum. Não tem nada estranho. Não tem nada ilegal. Tem nota fiscal, tem contrato bem feito. Tudo pago com cheque nominal. Tudo bonitinho.
Deputado Lael Varella: É comum. Não tem nada estranho. Não tem nada ilegal. Tem nota fiscal, tem contrato bem feito. Tudo pago com cheque nominal. Tudo bonitinho.
“Nós temos
que fazer todas as auditorias, aprofundar essas questões para que a gente possa
saber se os recursos estão sendo bem aplicados tanto no Congresso como em
qualquer parte da administração pública brasileira”, afirma o presidente do
TCU, Augusto Nardes.
Em Macaé,
no Rio, a situação é diferente.
Fantástico: Essa empresa DCS Moura não existiu aqui?
Funcionário do prédio: Aqui não.
O deputado Adrian Mussi Ramos
(PMDB-RJ) pagou R$ 79 mil à empresa DCS Moura entre janeiro de 2012 e maio de
2013. Só que o endereço cadastrado na junta comercial não existe.
Por telefone, localizamos o representante legal da locadora.
Por telefone, localizamos o representante legal da locadora.
Fantástico: Eu
só queria que o senhor me informasse o endereço, o lugar de funcionamento da
empresa.
Representante: Eu
prefiro não dar esse endereço para o senhor.
Depois, indicou um endereço. O
funcionário que nos atendeu não quis mostrar a sede.
Fantástico: Onde fica a frota da DCS Moura?
Fantástico: Onde fica a frota da DCS Moura?
Funcionário: No momento, só temos um veículo, parado
até, por falta de contrato, e a van que está fazendo escolar.
“Se a frota é grande ou pequena, não
sei. Não tem nada de errado nisso. O que importa é que ela presta o serviço
para mim em um preço abaixo de mercado”, diz o deputado Adrian Mussi.
Os valores dos contratos feitos pelos
deputados com as locadoras citados nesta reportagem foram checados pela ONG
Contas Abertas a partir do banco de informações oficiais do estado brasileiro,
o Siafi, a pedido do Fantástico.
“Me parece um absurdo que
parlamentares estejam usando empresas ou que não existem ou empresas fajutas
para locar veículos”, diz Gil Castelo Branco, da ONG Contas Abertas.
Todos esses casos foram encaminhados
ao TCU por um grupo de cidadãos que resolveu fiscalizar por conta própria o uso
do dinheiro público.
“Não precisa esperar polícia, não
precisa esperar o Tribunal de Contas, Ministério Público ou coisa alguma para
investigar. O cidadão brasileiro tem fartas informações na internet. Ele pode
sozinho fazer essas investigações e encaminhar essas investigações aos órgãos
competentes”, diz Lucio Big, do Movimento de Combate à Corrupção nas Ruas.
“Eu sempre falo isso aqui: santo,
aqui em Brasília, não existe. Da fronteira dos estados com Distrito Federal, eles não passam para cá”, afirma o deputado Zoinho.
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