Perdoe o leitor a obviedade, mas os políticos não tomam jeito mesmo. Seguros de que o grande público está olhando para o outro lado – o lado da vida real com que tem de se haver a cada dia –, as excelências que nos representam fazem do Congresso uma festa sem hora para acabar. E, se a minoria que ainda presta atenção nas suas lambanças não apreciar o espetáculo, pouco se lhes dá. Afinal, já houve deputado que – decerto externando o que vai pela alma de não raros de seus pares – disse estar se “lixando” para a opinião pública. O assomo de sinceridade ocorreu na sessão de 9 de maio de 2009. Nas urnas de 3 de outubro do ano seguinte, ele se reelegeu com quase 100 mil votos.
Nesse
espírito, o Senado acaba de aprovar a chamada minirreforma eleitoral. O
projeto, que precisa ser ratificado na Câmara até o começo do mês que vem para
valer já em 2014, não tem nada que ver com a eternamente adiada reforma
política. Menos ainda com as demandas de junho por uma nova interação entre
governantes e governados, que retiniram por algum tempo nas altas esferas antes
de ser esquecidas – se não no discurso, na ação. A minirreforma é prova disso.
Segundo o seu autor, senador Romero Jucá, do PMDB de Roraima, o que se pretende
é diminuir os custos das campanhas e facilitar o processo eleitoral para
partidos e candidatos.
“Facilitar”
– no sentido malandro do verbo – é o termo apropriado. O colar de facilidades
inclui, de fato, gemas faiscantes. Contrariamente à lei em vigor e ao que resta
dos bons costumes políticos, o texto autoriza concessionárias de serviços
públicos a financiar – indiretamente, bem entendido – legendas e aspirantes ao
voto popular. Ficamos assim: a firma ABC, titular de uma concessão, continua
proibida de bancar candidaturas para ser recompensada mais adiante em atos
legislativos ou decisões de governo. Mas a proibição não se estende à empresa
XYZ, sua principal acionista ou parceira na mesma holding. Basta que os CNPJs
de uma e outra sejam diferentes.
Tem
mais. Vai para o arquivo morto a destinação obrigatória de pelo menos 20% dos
recursos que cada sigla recebe do Fundo Partidário para as suas fundações ou
institutos. Foram previstos na legislação para dar um mínimo de consistência à
geleia geral do sistema partidário brasileiro, em que são literalmente
excepcionais as legendas dotadas de princípios doutrinários – ou de princípios,
ponto. Agora, a menos que a Câmara interrompa o baile, as agremiações poderão
aplicar aqueles 20% na corrida às urnas. É uma caricatura até mesmo da polêmica
ideia do financiamento público das campanhas.
A
míni é cheia de detalhes. Limita o número de cabos eleitorais pagos.
Preciosamente, estipula que em municípios com 30 mil eleitores os catadores de
votos não poderão ultrapassar 1% do eleitorado. Nos demais, os candidatos podem
contratar um cabo a mais para cada mil votantes. Outra iniciativa miúda é a
extensão do prazo para os comícios de encerramento: em vez da meia-noite da
antevéspera do pleito, duas horas da manhã da véspera. (A lógica é dar tempo
aos candidatos que acabaram de participar dos debates finais na TV de subir aos
palanques antes que tenham virado abóbora.)
Seguem-se
as minudências, algumas, quem diria, de interesse público: muros não podem ser
pichados, nem cavaletes armados nas ruas; carros “envelopados” com cartazes de
propaganda ficam proibidos de circular; e outras que só os políticos hão de
entender: gastos com alimentação não podem exceder 10% do orçamento da
campanha; no caso de combustível, 20%. Mas isso tanto faz como tanto fez.
Porque a apoteose do desfile de facilidades é o artigo que estabelece o que a
Justiça Eleitoral pode fazer e não pode fazer com a prestação de contas das
campanhas. Pode cuidar do “exame formal dos documentos contábeis e fiscais
apresentados pelos partidos”. Não pode analisar “atividades
político-partidárias” ou nelas “interferir”.
Isso
quer dizer que, recebida a numeralha, os tribunais devem conferir se as contas
obedecem à aritmética e se os documentos que precisam estar autenticados
autenticados estão. Nada de bisbilhotar, porém, indícios de caixa 2 e outras
“atividades político-partidárias”.
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