quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Portalegre: professores sofrem nova derrota na justiça por algo que nem deveria ser objeto de ação judicial

O SINTE-RN deu entrada com uma ação judicial em desfavor da prefeitura de Portalegre para que fosse reconhecido o direito do professor dispor de 1/3 (um terço) da carga horária para as atividades extraclasse.

O pedido foi para que o juiz reconhecesse de maneira antecipada o direito dos professores, inclusive já reconhecido pelo próprio Supremo Tribunal Federal (a máxima Corte do Judiciário), e que a prefeitura, caso não dispusesse de número suficiente de professores para atender a norma, fosse condenada ao pagamento de horas extras.

Veja o que pediu o SINTE:
“a) que o(s) ente demandado proceda com a implantação "imediatamente a jornada de trabalho, apenas 2/3 poderá ser com contato com os educandos e 1/3 de sua jornada deverá ser horário destinado a planejamento, elaboração de provas, correção, qualificação etc", nos termos do preconizado no parágrafo 4º, do art. 2º, da 11.738/08;
b) caso haja falta de professores para complementar as planilhas de aulas para o cumprimento da jornada correta, que seja determinado ao município que efetue a remuneração da jornada extraordinária, ou seja, as horas extras realizadas em sala de aula, que deveriam ser horas- extra-classe remuneradas.

Preste atenção ao detalhe: a Lei que assegura tal benefício é de 2008.

Existe uma máxima consagrada no direito que o agente público só pode fazer o que a Lei autoriza. A Lei é de 2008 e os gestores municipais já deveriam ter implantado o direito.

Tiveram cinco anos para se adequar a norma; fizeram concurso público neste tempo e, certamente, dimensionaram as vagas ofertadas no concurso público considerando a existência da Lei; enfim, tiveram todas as oportunidades para cumprirem a Lei.

O juiz citou a norma que garante o direito aos professores e o SINTE citou a legislação e a jurisprudência existente e requereu “a antecipação dos efeitos da tutela a fim de que os demandado proceda na forma descritas na alínea "a" e "b" acima transcritas.” (sic).

O juiz citou a legislação:
“O artigo 273 do Código de Processo Civil preconiza:
art. 273. O Juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.”

Quanto a prova inequívoca parece que até as pedras da Bica se convenceriam diante da existência de uma Lei de 2008.

Escreveu:
“Deveras, a Lei nº 11.738/20112, que regulamenta a alínea determina em seu art. 2º, § 4º, que:
§ 4o Na composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos.
Com efeito, e ainda que em análise sumária, verifico que há verossimilhança na alegação autoral referente ao direito que se pleiteia, mormente empós análise e reconhecimento da constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.167 [...]”.

Aleluia! 

Enfim os professores de Portalegre ganharam uma disputa contra a prefeitura...

Ledo engano.

Leiam a interpretação do magistrado:
“Entretanto, numa acepção intelectiva e contida do caso, determinar a redução da carga horário dos servidores da educação pertencentes ao ente demandado, de forma antecipatória, poderá provocar danos irreparáveis ao sistema de ensino desta edilidade, pois não se tem informação nos autos acerca da possibilidade da Administração Pública designar, em tempo hábil, professor(es) para suprir a redução da carga horária que a parte autora entende como sendo devida ou determinar aumento de despesa pessoal (horas extraclasse) previamente sem, sequer, oportunizar o contraditório.

Ao que parece a “acepção intelectiva” do magistrado não considera atividades extraclasse como, por exemplo... Planejar as aulas, corrigir provas, preparar atividades, preencher diários de classe, enfim, tudo que é necessário se fazer extraclasse como atividades merecedoras de reconhecimento.

Também não considerou o pagamento de horas extras. Afinal, a prefeitura poderia não dispor de recursos para pagar o trabalho adicional do servidor e, como se sabe, o professor de Portalegre tem que reconhecer que o correto é trabalhar na sala de aula além do que a legislação estabelece.

Agora, vem o argumento matador:
“Destaque-se, outrossim, no atinente ao requisito do perigo na demora da prestação jurisdicional – periculum in mora – verifico que a autora questiona a redução de carga horária nos termos da lei editada no ano de 2008, ou seja, a parte autora somente após o decurso de mais de 5 (cinco) anos recorre à via judicial com pedido de urgência. Ora, se durante esse lapso temporal a parte autora permaneceu inerte, evidente está a inexistência de urgência e perigo na demora, caso haja a procedência final do pedido formulado.”

Decisão judicial, não se discute. Os professores vão aguardar o andamento do processo.

Agora, faço o seguinte questionamento: que Lei obrigará os professores a trabalhar em desobediência à própria legislação citada pelo Juiz de Portalegre?

Como base em que legislação os professores terão que continuar trabalhando além dos 2/3, sem perceber hora extra ou adicional?

O Juiz se posicionou sobre o que foi pedido, mas creio que ocorreu um erro no que foi pedido.

O SINTE não teria que recorrer a Justiça para pedir autorização para cumprir a Lei, teria?

O Plano de Cargos, Carreira e Remuneração do Magistério (Lei nº 232/2009, de 18-12-2009) de Portalegre está em vigor?

O art. 2º, incisos III e IV, estabelece a existência de hora-aula e hora-atividade; a Lei nº 11.738/2008, também reconhecem a necessidade de carga horária para atividades extraclasse.

Então, para que recorrer a Justiça?

Creio que o SINTE tem que ingressar na Justiça para cobrar o que não foi (ou não teria sido) pago aos professores nos cinco anos anteriores e orientar os professores a cumprirem as leis existentes daqui por diante.

Como poderia ser diferente?

A prefeitura entraria na Justiça para obrigar os professores a não cumprirem a legislação? Ou para que sejam obrigados a trabalhar na sala de aula além dos 2/3?

Fiquei com a impressão que o SINTE entrou na Justiça com um pedido para cumprir uma legislação existente a mais de cinco anos e o magistrado não se convenceu plenamente das intenções do sindicato.

Realmente, algo que parece inédito.


Faculto o espaço para maiores esclarecimentos, caso alguém deseje se manifestar.

Os dados do processo: AQUI

A decisão: AQUI

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