ÉPOCA – Como a perda do selo de bom pagador pode acentuar a crise brasileira?
Delfim Netto – Essa decisão já era bola cantada, mas ela é muito ruim para o Brasil. Ela generaliza no mundo a ideia de que o país é muito mal administrado. Tem outro problema. O rebaixamento não será corrigido no curto prazo. Quando um país é rebaixado, demora-se anos para que ele recupere de volta o selo de bom pagador, o que só ocorre quando ele prova realmente que mudou sua política econômica. No fundo, isso tem de ser interpretado como uma verdadeira lição. O Brasil foi reprovado. Fomos mandados de volta a uma segunda época. E ela é muito mais complicada. Será preciso provar que somos muito mais brilhantes como país do que éramos.
ÉPOCA – Como fica a situação do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, após o rebaixamento da nota de crédito?
Delfim – O que aconteceu é um sinal claro: quem tinha a razão era o Levy. Ele trabalhou muito na direção de evitar o rebaixamento. O grande drama dessa história toda foi a remessa do Orçamento de 2016 com o deficit de R$ 30 bilhões. Foi uma demonstração de que o Brasil não quer e não está disposto a cortar despesa nenhuma, mesmo, e ponto final. Isso foi de uma miopia política trágica. O recado foi: “Joguei a toalha. Vocês me salvam, façam o que quiserem”. O governo teve de recuar ao ver as consequências.
Delfim – O que aconteceu é um sinal claro: quem tinha a razão era o Levy. Ele trabalhou muito na direção de evitar o rebaixamento. O grande drama dessa história toda foi a remessa do Orçamento de 2016 com o deficit de R$ 30 bilhões. Foi uma demonstração de que o Brasil não quer e não está disposto a cortar despesa nenhuma, mesmo, e ponto final. Isso foi de uma miopia política trágica. O recado foi: “Joguei a toalha. Vocês me salvam, façam o que quiserem”. O governo teve de recuar ao ver as consequências.
ÉPOCA – Por que o plano de ajuste de Levy não deu certo?
Delfim – Até agora, as despesas do governo não diminuíram – e o Levy está brigando por isso. A ideia de que tem de continuar gastando terminou por causa do avanço da relação da dívida sobre o PIB. Não adianta brincar com uma dívida pública que veio de 53% do PIB para 70% do PIB. Não podemos deixar que ela atinja os 80%. Porque não vai ter mais para quem vender os papéis. Isso é uma cobra que começou a morder o rabo. O sujeito que pensa o mínimo, e não importa se você é de direita ou de esquerda, vai concordar que há um problema de aritmética insolúvel. Tudo isso é de uma irresponsabilidade mortal e é produto de o Poder Executivo ter perdido sua liderança e seu protagonismo. Ele deveria estar enchendo o Congresso com bons projetos e boas propostas de mudanças, porque, se você não restabelecer o mínimo de confiança de que começaremos a crescer, nenhum ajuste fiscal dará certo.
Delfim – Até agora, as despesas do governo não diminuíram – e o Levy está brigando por isso. A ideia de que tem de continuar gastando terminou por causa do avanço da relação da dívida sobre o PIB. Não adianta brincar com uma dívida pública que veio de 53% do PIB para 70% do PIB. Não podemos deixar que ela atinja os 80%. Porque não vai ter mais para quem vender os papéis. Isso é uma cobra que começou a morder o rabo. O sujeito que pensa o mínimo, e não importa se você é de direita ou de esquerda, vai concordar que há um problema de aritmética insolúvel. Tudo isso é de uma irresponsabilidade mortal e é produto de o Poder Executivo ter perdido sua liderança e seu protagonismo. Ele deveria estar enchendo o Congresso com bons projetos e boas propostas de mudanças, porque, se você não restabelecer o mínimo de confiança de que começaremos a crescer, nenhum ajuste fiscal dará certo.
ÉPOCA – O senhor crê que a presidente Dilma Rousseff pode ainda recuperar esse protagonismo?
Delfim – É difícil dizer. Ela tenta fazer alguns movimentos. Visivelmente, ela não tem um plano estratégico apoiado por medidas táticas. Assisti a uma coisa espantosa. O governo está esperando sugestões de fora para dentro, porque se apresentar sugestões de dentro para fora nada acontecerá. Recuperar a credibilidade necessária para o país sair da crise está nas mãos dela. A Dilma tem de montar seu governo de novo e enfrentar o panelaço. Ela merece uns panelaços, mas ela tem de ir à TV dizer: “Faça o panelaço que eu vou salvar o teu filho”.
Delfim – É difícil dizer. Ela tenta fazer alguns movimentos. Visivelmente, ela não tem um plano estratégico apoiado por medidas táticas. Assisti a uma coisa espantosa. O governo está esperando sugestões de fora para dentro, porque se apresentar sugestões de dentro para fora nada acontecerá. Recuperar a credibilidade necessária para o país sair da crise está nas mãos dela. A Dilma tem de montar seu governo de novo e enfrentar o panelaço. Ela merece uns panelaços, mas ela tem de ir à TV dizer: “Faça o panelaço que eu vou salvar o teu filho”.
ÉPOCA – Em sua opinião, por que a presidente tem dificuldades de fazer um mea-culpa?
Delfim – A Dilma tem uma personalidade muito forte. A história da Dilma não é a história da Barbie. Ela nunca se convenceu de que estava errada. O Levy não está dando certo porque ele é um ministro sombra. A ministra é ela. O que o Levy faz, ele tem objeção dentro do governo mesmo. Porque não há convicção no governo de que aquela é a solução.
Delfim – A Dilma tem uma personalidade muito forte. A história da Dilma não é a história da Barbie. Ela nunca se convenceu de que estava errada. O Levy não está dando certo porque ele é um ministro sombra. A ministra é ela. O que o Levy faz, ele tem objeção dentro do governo mesmo. Porque não há convicção no governo de que aquela é a solução.
ÉPOCA – Isso não se deve também à oposição feita a Levy pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa?
Delfim – O Nelson é um bom profissional. Na minha opinião, é falsa essa ideia de que ele está propondo gastos à vontade. O ministro do Planejamento também tem direito a opiniões e a presidente pode arbitrar. É para isso que ela existe. Nem acredito que haja um problema entre o Levy e o Nelson. São as entourages dos dois. O Palácio é um serpentário. Lá, tem cascavel, jararaca e muçurana, que é cobra que come outra cobra, venenosa.
Delfim – O Nelson é um bom profissional. Na minha opinião, é falsa essa ideia de que ele está propondo gastos à vontade. O ministro do Planejamento também tem direito a opiniões e a presidente pode arbitrar. É para isso que ela existe. Nem acredito que haja um problema entre o Levy e o Nelson. São as entourages dos dois. O Palácio é um serpentário. Lá, tem cascavel, jararaca e muçurana, que é cobra que come outra cobra, venenosa.
ÉPOCA – Ao enviar a proposta de Orçamento com deficit, o governo alegou que já havia cortado o que podia. O que há de verdade nisso?
Delfim – É verdade que o Brasil está no piloto automático rumo ao precipício. Mesmo que o Executivo fosse virtuosíssimo, ele tem controle apenas sobre 8% do dispêndio. A coisa mais grave da Constituição são as vinculações. Por que todo sujeito com poder quer vincular o gasto? Porque não acredita na democracia. A vinculação significa que não importa quem seja o sujeito escolhido para governar o país, ele sempre será um imbecil. Aí, eu digo a ele o que tem de fazer para a eternidade. Vincular gastos de educação e de saúde na Constituição significa que as prioridades nunca mudarão. O Congresso nunca entendeu que a vinculação é a destruição do próprio Congresso. Significa colocar o país em piloto automático. O piloto que foi posto para fora é o Congresso.
Delfim – É verdade que o Brasil está no piloto automático rumo ao precipício. Mesmo que o Executivo fosse virtuosíssimo, ele tem controle apenas sobre 8% do dispêndio. A coisa mais grave da Constituição são as vinculações. Por que todo sujeito com poder quer vincular o gasto? Porque não acredita na democracia. A vinculação significa que não importa quem seja o sujeito escolhido para governar o país, ele sempre será um imbecil. Aí, eu digo a ele o que tem de fazer para a eternidade. Vincular gastos de educação e de saúde na Constituição significa que as prioridades nunca mudarão. O Congresso nunca entendeu que a vinculação é a destruição do próprio Congresso. Significa colocar o país em piloto automático. O piloto que foi posto para fora é o Congresso.
ÉPOCA – Por que aumentar a Cide é uma boa medida?
Delfim – Aumentar a Cide é uma medida esperta porque basta um decreto. Na arrecadação, isso dará um impacto de R$ 15 bilhões, metade do atual buraco. E nos Estados a arrecadação é da ordem de R$ 5 bilhões. É um imposto na direção certa porque produz emprego, aumenta os investimentos, diminui a emissão de poluentes no planeta. Qual a objeção? Terá inflação, mas não passa de 0,8% ou 0,9%.
Delfim – Aumentar a Cide é uma medida esperta porque basta um decreto. Na arrecadação, isso dará um impacto de R$ 15 bilhões, metade do atual buraco. E nos Estados a arrecadação é da ordem de R$ 5 bilhões. É um imposto na direção certa porque produz emprego, aumenta os investimentos, diminui a emissão de poluentes no planeta. Qual a objeção? Terá inflação, mas não passa de 0,8% ou 0,9%.
ÉPOCA – E o aumento do Imposto de Renda para os rendimentos mais altos, como sugeriu o ministro Levy?
Delfim – O Levy está dizendo – com uma certa elegância – que você terá de fazer um Imposto de Renda sobre os dividendos. Mas não vamos ter ilusão sobre os mecanismos eleitorais e os interesses que dominam o Congresso. É claro que isso não passa lá.
Delfim – O Levy está dizendo – com uma certa elegância – que você terá de fazer um Imposto de Renda sobre os dividendos. Mas não vamos ter ilusão sobre os mecanismos eleitorais e os interesses que dominam o Congresso. É claro que isso não passa lá.
ÉPOCA – O senhor era visto como um conselheiro informal do governo Dilma. Por que passou a ser crítico?
Delfim – Isso é história. De vez em quando ela me honrava com um convite e íamos bater um papinho. Tenho respeito pelas qualidades dela. Mas critico onde acho que ela perdeu o bom- senso administrativo. Ela se assustou quando percebeu que havia, no fim de 2011, sinais claros de que o crescimento estava afundando. Aí, pôs os pés pelas mãos. Fez um intervencionismo exagerado, uma prepotência terrível, mexeu em tudo quanto é coisa. Fiquei muito decepcionado quando vi aquela operação de alquimia. O governo fez deficit público, depositou os recursos públicos no BNDES, e o banco pagava dividendos para o Tesouro. Transformou a dívida pública em superavit primário. Pensei que não havia mais nada a fazer. Era irremediável. Você não pode violar as regras da contabilidade nacional. Cada vez que tenta fazer isso, dá com os burros na água. E, em 2014, a economia afundou. Em um ano, o deficit nominal passou de 3% para 6% do PIB, o superavit primário de 1,8% do PIB virou um deficit primário de 0,6%, e a dívida pública subiu 6 pontos. Foi um desastre.
Delfim – Isso é história. De vez em quando ela me honrava com um convite e íamos bater um papinho. Tenho respeito pelas qualidades dela. Mas critico onde acho que ela perdeu o bom- senso administrativo. Ela se assustou quando percebeu que havia, no fim de 2011, sinais claros de que o crescimento estava afundando. Aí, pôs os pés pelas mãos. Fez um intervencionismo exagerado, uma prepotência terrível, mexeu em tudo quanto é coisa. Fiquei muito decepcionado quando vi aquela operação de alquimia. O governo fez deficit público, depositou os recursos públicos no BNDES, e o banco pagava dividendos para o Tesouro. Transformou a dívida pública em superavit primário. Pensei que não havia mais nada a fazer. Era irremediável. Você não pode violar as regras da contabilidade nacional. Cada vez que tenta fazer isso, dá com os burros na água. E, em 2014, a economia afundou. Em um ano, o deficit nominal passou de 3% para 6% do PIB, o superavit primário de 1,8% do PIB virou um deficit primário de 0,6%, e a dívida pública subiu 6 pontos. Foi um desastre.
ÉPOCA – Foi por causa da reeleição, não é?
Delfim – Não tenha a menor dúvida. Se alguém pensa que foi por ingenuidade, que eles não sabiam o que estavam fazendo... Sabiam, sim.
Delfim – Não tenha a menor dúvida. Se alguém pensa que foi por ingenuidade, que eles não sabiam o que estavam fazendo... Sabiam, sim.
ÉPOCA – Se estamos no piloto automático rumo ao precipício, como vamos chegar às eleições de 2018?
Delfim – Talvez o Brasil não caiba no precipício.
Delfim – Talvez o Brasil não caiba no precipício.
ÉPOCA – Esse é o cenário mais otimista?
Delfim – É o cenário mais civilizado. A presidente tem dificuldades para decidir, mas é uma pessoa com absoluta honestidade de propósitos. O impeachment não pode ser uma desculpa. É uma questão objetiva, e não de opinião. Se houver razão objetiva, a civilidade manda que se execute a lei. Se não houver, será um desrespeito à lei. O Brasil talvez seja o único país emergente que tem um Supremo Tribunal Federal realmente independente. Não vamos macular isso, porque isso reduzirá para o resto da vida a nossa perspectiva. O Brasil será um país menor se violar essas regras.
Delfim – É o cenário mais civilizado. A presidente tem dificuldades para decidir, mas é uma pessoa com absoluta honestidade de propósitos. O impeachment não pode ser uma desculpa. É uma questão objetiva, e não de opinião. Se houver razão objetiva, a civilidade manda que se execute a lei. Se não houver, será um desrespeito à lei. O Brasil talvez seja o único país emergente que tem um Supremo Tribunal Federal realmente independente. Não vamos macular isso, porque isso reduzirá para o resto da vida a nossa perspectiva. O Brasil será um país menor se violar essas regras.
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