O amigo Rangel, de São Miguel, mandou um link relatando a passagem da Coluna Prestes na região do Alto Oeste, mais precisamente, em São Miguel, Venha Ver e Luís Gomes.
O texto é de Rostand Medeiros e pode ser acessado AQUI.
A seguir transcrevo alguns trechos:
No início de fevereiro de 1926, dez meses depois de deixarem a fronteira com o Paraguai e cruzarem grande parte do país, a Coluna está deixando o estado do Ceará e seu caminho segue em direção ao Rio Grande do Norte, mais precisamente a São Miguel.
O então Governador potiguar, José Augusto Bezerra de Medeiros, sabendo da aproximação da Coluna de Revoltosos, informa ao coronel João Pessoa de Albuquerque, então Presidente da Intendência de São Miguel, cargo equivalente atualmente ao de prefeito, que os Revoltosos se aproximavam de sua cidade. Um curto telegrama informava que o grupo de revoltosos era composto de “70 combatentes”.
Foi formado então um contingente para interceptar o grupo na conhecida Ladeira do Engenho, um antigo caminho que ligava a região serrana ao Jaguaribe, no Ceará.
Sobre esta questão, a ata da “Sessão Ordinária da Intendência Municipal de São Miguel”, datada de 3 de maio de 1926, elaborada três meses após a passagem da Coluna de invasores, lista nominalmente vinte “patriotas”, mas informa haver “alguns outros” membros que faziam parte do grupo de defensores da cidade. Este importante e histórico documento se encontra atualmente nos arquivos da prefeitura municipal de São Miguel.
Já Raimundo Nonato é categórico ao afirmar em seu livro que os “patriotas” foram vinte civis e quatro policiais do destacamento de São Miguel. Este grupo potiguar foi reforçado por mais quatro homens do vizinho município cearense de Pereiro.
No total, apenas vinte e oito combatentes.
Do outro lado os números são diversos. O documento elaborado pela municipalidade de São Miguel aponta que a Coluna de Revoltosos era composta de 2.000 homens. Os que se debruçaram sobre o assunto apontam um número mais modesto, entre 450 a 1.000.
Mas voltando ao dia 3 de fevereiro de 1926, que São Miguel jamais esqueceu, Nivaldo Moreno informa que o grupo se posicionou na “cabeça”, no alto da ladeira do Engenho, já em território da vizinha cidade cearense de Pereiro, aguardando os “70 Revoltosos”, como dizia o documento do governo estadual.
O que os valorosos defensores avistaram do alto da sua privilegiada posição, a uma altitude em torno dos 650 metros, nem de longe se parecia com o reduzido grupo anteriormente informado. Diante dos seus olhos se avolumava uma grande quantidade de combatentes, mostrando-se como um verdadeiro exército em marcha.
Mesmo diante desta multidão motivada, armada, a maioria fardada de uniformes de cor kaki, lenços vermelhos ao pescoço e extremamente calejados na guerra de guerrilha, o grupo de combatentes de São Miguel não titubeou.
O primeiro a atirar teria sido Francisco da Costa Queiroz, o “Chico Queiroz”. Ele teria disparado não contra o grosso de um dos quatro grupos que formavam a Coluna, mas contra um contingente de umas trinta pessoas, que efetuavam a averiguação do terreno, em busca de possíveis inimigos. Os jornais antigos existentes no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte afirma que o grupo de defensores de São Miguel ainda conseguiu atingir e matar um dos revoltosos.
Mas a resposta dos experientes seguidores de Miguel Costa e Luís Carlos Prestes foi uma intensa chuva de balas. Um dos revoltosos atirou a poucos metros da trincheira dos defensores com duas armas curtas. Os rebeldes recuaram deixando alguns materiais. Por sorte o grupo de defensores de São Miguel se protegeu atrás de várias pedras.
Logo outros membros da Coluna retornavam para novo combate. Os defensores da cidade serrana recuaram, se entrincheirando em uma casa e, segundo Raimundo Nonato, sustentaram forte tiroteio por duas horas.
Diante do volume avassalador de fogo efetuado pelos membros da Coluna, que cercava a casa, além da noite se aproximando, o grupo onde estava “Joca Gato” percebeu que a sua resistência era inútil e todos fugiram deste local.
Nas primeiras horas do dia 4 de fevereiro de 1926, um novo grupo de doze defensores voltou para fustigar a Coluna de Revoltosos.
O grupo partiu armado de rifles, comandados por Manoel Vicente Tenório, tendo sido reunido em São Miguel, quando o fazendeiro Manuel Antônio Nunes, utilizou uma prática comum na época e atualmente esquecida nas cidades do sertão; com um búzio marinho, ele “buzou”, alertando e chamando as pessoas na casa do coronel João Pessoa, para seguirem para a luta.
Era noite fechada quando no sítio Crioulas, a alguns quilômetros da cidade, os defensores defrontaram-se com um contingente de trinta rebeldes. O tiroteio foi rápido, mas rendeu para os defensores a prisão do revoltoso Policarpo Gomes do Nascimento.
Este era natural do Maranhão, onde havia aderido às hostes revoltosas quando da sua passagem pelo seu estado natal.
O dia vinha clareando quando este grupo de defensores retorna a São Miguel com o prisioneiro. Tenório está com mais dois outros companheiros quando na entrada da cidade estoura um novo tiroteio. Apesar da reação dos defensores, este grupo de rebeldes era mais numerosos e o chefe Tenório recebeu dois balaços de fuzil na coxa esquerda.
Agora não tinha mais jeito, a Coluna de Revoltosos entrou em São Miguel.
Ao adentrarem a cidade, primeiramente um oficial em um cavalo negro percorria as ruelas e gritava para que o povo não tivesse medo, que eles lutavam para derrubar um governo podre.
Depois um grupo vai direto á a agência dos correios onde destroem a estação telegráfica, para evitar a transmissão de informações à polícia em Pau dos Ferros. Estas informações foram transmitidas pela micaelense Zenaide Almeida Costa, autora do livro “A vida em clave de dó”. Na época da invasão Zenaide era uma criança, que juntamente com a família, foram alguns dos poucos habitantes de São Miguel a ficarem na cidade e testemunharem os fatos.
Logo uma grande quantidade de cavaleiros, com algumas mulheres, que acompanhavam seus homens pelos sertões afora, entraram na pequena cidade. Tiros eram dados para o alto e um grupo acampou diante da casa da família de Zenaide.
Segundo Nivaldo Moreno, os líderes dos revoltosos ficaram na casa de Manoel Vieira de Carvalho, que buscou receber o grupo da melhor forma possível. Outros membros foram ao cartório público, retiraram praticamente toda a documentação, fizeram uma pilha diante do prédio, jogaram querosene sobre a papelada e atearam fogo. Outro grupo ateou fogo em documentos diante da prefeitura.
Nivaldo conta que os invasores solicitaram ao então tesoureiro municipal, Chico Dias, a chave do cofre da prefeitura. Ao tentar entregar a chave, o tesoureiro foi obrigado ele próprio a abrir o cofre da municipalidade e o material que se encontrava no interior foi examinado pelos revoltosos. Membros do grupo obrigaram pessoas da comunidade a lavrar um termo onde apontavam o que continha este cofre. Foi encontrado dinheiro, que foi contado, listado, mas nada foi retirado.
Segundo o advogado, algumas pessoas indicaram para um grupo retardatário e revoltosos que determinados proprietários de casas comerciais afirmavam ser contra as causas que motivavam aquele grupo contra o Governo Federal, ou que este ou aquele dono de loja havia participado do tiroteio na Ladeira do Engenho.
Ao tomarem conhecimentos destes relatos, muitos destes inverídicos, alguns revoltosos promoveram diversos saques em várias casas comerciais de São Miguel. Foram espalhadas pelas poeirentas ruas de terra batida farta quantidade de produtos. Peças de tecidos foram abertas, a farmácia de Chico Queiroz foi saqueada, gêneros alimentícios subtraídos e em outros locais a cena foi se repetindo. Segundo a edição do jornal natalense “A Republica”, de 10 de fevereiro de 1926, o número de casas comerciais atingidas foi de dezessete. Para Nivaldo Moreno, inúmeras pessoas, algumas até mesmo com determinado nível financeiro de São Miguel, se aproveitaram da situação.
Um grupo de batedores seguiu da cidade em direção a fazenda Riacho Fundo, analisando o caminho por onde seus companheiros deveriam prosseguir. Ao chegar neste local foi feito um contato e ocorreu uma troca de tiros com um contingente da polícia militar do Rio Grande do Norte comandado pelo tenente Juventino Cabral. Este pelotão policial havia saído de Pau dos Ferros, sendo composto por vinte homens e haviam levado oito horas para chegar ao Riacho Fundo.
Como resultado do encontro armado, um jovem morador deste sítio foi morto por disparos feitos pela força governamental, com balaços que lhe atingiram a cabeça.
Para a polícia potiguar, diante da realidade de se combater um grupo lutador e motivado, que superava todo o contingente policial potiguar da época, o melhor a fazer era dar meia volta em direção a Pau dos Ferros. Nesta cidade, esperando a chegada dos revoltosos, se encontrava um contingente de 150 homens armados e sob as ordens do major Luís Júlio, então comandante do Regimento de Polícia Militar.
Para os rebeldes, o tiroteio no Riacho Fundo aparentemente motivou o grupo a seguirem pôr uma rota que os levaria para os sítios da Serrinha de João Paulo e Pau Branco.
Segundo Raimundo Nonato, se não tivesse ocorrido os confrontos na Ladeira do Engenho, nas Crioulas, na entrada da cidade e o encontro armado com a polícia no Riacho Fundo, provavelmente o tempo que os revoltosos ficariam em São Miguel seria mais longo. Ou como resultado destes combates a Coluna, ao invés de seguir em direção a Paraíba, poderia ter tomado o rumo de outras cidades potiguares, que seriam interessantes de serem conquistadas, como Pau dos Ferros, Apodi, Mossoró, ou até mesmo Areia Branca e seu importante porto.
A Coluna de Revoltosos seguiu em direção aos atuais territórios dos municípios potiguares de Venha Ver e Luís Gomes, onde o trajeto utilizado aparentemente foi através dos sítios Bananeira, Formoso, Bartolomeu e depois Venha Ver, na época uma fazendola com algumas casas na beira de um açude.
Nesta cidade, segundo relatos da conhecida rezadeira Maria Bernarda de Aquino, conhecida como Dona Cabocla, através do que seus pais lhe contaram, enquanto o grosso da tropa seguia adiante, alguns membros da Coluna acamparam próximos ao açude, aonde chegaram a permanecer alguns poucos dias na região, inclusive com suas mulheres. Estas utilizavam lenços e panos na cabeça de cor vermelha, mostrando orgulhosamente que faziam parte do grupo rebelado.
Logo os revoltosos mataram vários porcos para sua alimentação e não molestaram ninguém. Estavam sempre com um vigilante permanentemente de plantão e andavam todo o tempo “equipados”, com suas amas e munições prontas para o uso imediato.
Uma mulher de Venha Ver, conhecida como Josefa, ou Zefa de Zé Lauro, ajudou as mulheres dos rebeldes com lavagens, concertos de roupas e preparação de alimentação. Como pagamento pelo seu trabalho ela ganhou farta quantidade de dinheiro, tecidos, redes, lençóis, roupas prontas e utensílios variados.
Para Dona Cabocla a pobreza naquela época era tão grande que sua mãe, Maria das Dores de Jesus, comentava que com este material, a família de Zefa de Zé Lauro se tornou “rica” do dia para a noite em Venha Ver.
Após saírem deste lugarejo, a Coluna de Revoltosos seguiu em direção a propriedade Cacos (ou Cactos), e após passarem pela Ladeira dos Miuns, estiveram na região dos sítios Tigre, Imbé, São Bernardo, Feira do Pau e na pequena área urbana da cidade de Luís Gomes.
Em Luís Gomes se repetiram as “ações revolucionárias”, com uma sequência de saques de casa residências e comerciais. Foram provocados incêndios no cartório e na agência dos correios. Já no dia 6 de fevereiro, os revoltosos deixaram Luis Gomes e o Rio Grande do Norte, adentrando na Paraíba.
Mais informações: AQUI
"A passagem da Coluna Prestes pelo Rio Grande do Norte" - Matéria do Jornal O Mossoroense, escrita por Geraldo Maia.
Texto de Tomislav R, Femenick – Historiador
Luiz Gonzaga
Cortez*
Revoltosos vingam a morte do
companheiro na emboscada dos beradeiros de S. Miguel.
Livro sobre o assunto:
CAPA DO LIVRO DE RAIMUNDO NONATO
Capitão Luiz Carlos Prestes, quando comandou a Coluna Prestes, de 1925 a 27, movimento armado que visava derrubar as oligarquias que dominavam o país
"A obra de Raimundo Nonato ‘Os Revoltosos em São Miguel’,fala sobre a presença de Luís Carlos Prestes em São Miguel. Além do registro de um importante fato histórico do Rio Grande do Norte, este livro apresenta orelha escrita por Vingt-un Rosado, em setembro de 2005. Este é o último documento público escrito pelo criador da Coleção Mossoroense, considerada uma das maiores coleções de títulos do país, visto que reúne mais de quatro mil obras."
A informação é dada por Abimael Silva, que promoveu o lançamento do livro "Os Revoltosos em São Miguel", de Raimundo Nonato, durante a VIII Feira dos Sebos de Natal.
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