Dança do São Gonçalo - Sítio Pega em Portalegre-RN
São Gonçalo de Amarante, nascido em Portugal em 1200, deixou
tradição de "santo casamenteiro".
Preocupado, segundo se dizia, em assegurar a formação cristã da
família, vencia oposição injustificável a matrimônios. Acabava concubinato
realizando o casamento. Conseguia, até, solucionar situação de jovem
inexperiente seduzida ou infelicitada, que ganhava outrora o nome de
"moça-derrotada".
Sabe-se que a Imagem do Santo chegou ao Nordeste para a Matriz de
Amarante, no Piauí. E surgiram festejos os mais variados. Luís da Câmara
Cascudo, na melhor de suas obras (1), esgotou o assunto. Achou até de aproveitar
indagações que, a seu pedido fiz em 1939, em Portalegre, único município do
Estado em que se realizava, habitualmente, a Dança de São Gonçalo.
Os rebanhos chegaram ao Nordeste vindos do recôncavo baiano,
trazidos por vaqueiros de Garcia D'Ávila para Campo Maior, no Piauí. Há mais de
cento e cinquenta anos (2) seu comércio se estendeu a outros Estados. E quem
quiser conhecer, inclusive, aspectos bem curiosos desse comércio procure ler o
precioso trabalho de Artéfio Bezerra (3), de Serra Negra do Norte.
Não tenho dúvida de que boiadeiros trouxeram para Portalegre, no
século passado (século XIX), a Dança de São Gonçalo.
Doze jornadas, com violeiros e tambor. A última reservada ao dono
da casa. As demais distribuídas com onze moças, que fizeram promessas ao Santo
e se cotizaram para o ato. Formam as duas alas.
O verso mais cantado é este:
"São Gonçalo de Amarante
Casamenteiro das moças
Oh! casai-me a mim primeiro
Para então casar as outras".
Como é compreensível, a Igreja se rebelou contra esse tipo de
festejo. Principalmente porque a imagem do Santo é trazida para o local e
colocado em destaque na latada.
Que eu saiba, quem primeiro conseguiu proibir isso foi o Cônego
Luis Adolfo de Paula, quando vigário de Martins (1914-1915).
Mas, tudo reapareceu e com a mesma frequência.
O pior é que, no auditório rústico, circula discretamente
"cana" (aguardente) durante a exibição. Daí, certamente,
espectador-repentista largar, a sua roda, verso como este, que
mandei a Cascudo:
"São Gonçalo de Amarante
É feito de pau de espinho
Tem mais força no pescoço
Do que porco no focinho".
Eis outro, na terra piauiense, em presença de Raimundo Rocha,
citado pelo saudoso professor Assis Silva, que assistiu àquelas jornadas em
Portalegre (4).
"São Gonçalo diz que é Santo
Mas também tem seus amores
Todo dia recebendo
Os seus raminhos de flores".
Autor: Gil Soares
Postado por: J. Ozildo e Rosélia Santos
Postado por: J. Ozildo e Rosélia Santos
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4. ASSIS SILVA, Sobre a Dança de São Gonçalo,
Coleção Mossoroense, nº 14.
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José Jacome Barreto dedica, no livro "Portalegre: origem e contemporaneidade", três páginas sobre a dança, inclusive com a reprodução de algumas estrofes da música.
Conforme a fonte acima o 'folguedo' teria chegado a serra portalegrense, no século XIX, através de boiadeiros. Será? Como tais comunidades teriam assimilado a dança trazida por boiadeiros?
É interessante descobrir como o 'folguedo' chegou em Portalegre e partir de que data as comunidades quilombolas iniciaram as apresentações, especialmente a do sítio Pega.
Vale lembrar que a prática se tornou emblemática para as comunidades de afrodescendentes, socialmente vulneráveis, suscetíveis as influências dos religiosos da Igreja Católica e espacialmente segregadas.
Barreto, citando o historiador Nonato Mota, escreve que as 'apresentações' ocorriam, geralmente, nos pátios das fazendas e que Mota teria assistido uma apresentação na fazenda "Bezerro" (da família Gomes Amorim), cuja matriarca "Dona Maria Gomes" era considerada a "mãe da pobreza".
Atrevo-me a especular que o 'folguedo' se tornou um instrumento para obtenção de 'auxílios' econômicos à medida que caia no gosto de benfeitores como "Dona Maria".
Barreto também menciona uma 'jornada' presenciada pelo pesquisador Francisco de Assis Silva realizada na fazenda de Manoel Ferreira, em 1938, no sítio Baixa Grande. Informa que o folguedo durava de 6 a 12 horas, com intervalos para beber aguardente, tomar café e recuperar as energias.
Creio que a diversão dos fazendeiros se tornou uma oportunidade para os afrodescendentes conseguirem algum tipo de inserção social e também auxílio econômico até a proibição e repressão empreendidas pelos padres a partir das primeiras décadas do século XX.
Notas:
1. CASCUDO, Dicionário do Folclore Brasileiro, verbete
GONÇALO.
2. OSWALDO LAMARTINE DE FARIA, Ferro e Ribeiras do Rio Grande do
Norte, Coleção Mossoroense, CCXLI, Série "C", 1984, pág. 35.
3. ARTÉFIO BEZERRA DA CUNHA, Memórias de um Sertanejo,
Editora Pongetti, Rio, 1971.
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José Jacome Barreto dedica, no livro "Portalegre: origem e contemporaneidade", três páginas sobre a dança, inclusive com a reprodução de algumas estrofes da música.
Conforme a fonte acima o 'folguedo' teria chegado a serra portalegrense, no século XIX, através de boiadeiros. Será? Como tais comunidades teriam assimilado a dança trazida por boiadeiros?
É interessante descobrir como o 'folguedo' chegou em Portalegre e partir de que data as comunidades quilombolas iniciaram as apresentações, especialmente a do sítio Pega.
Vale lembrar que a prática se tornou emblemática para as comunidades de afrodescendentes, socialmente vulneráveis, suscetíveis as influências dos religiosos da Igreja Católica e espacialmente segregadas.
Barreto, citando o historiador Nonato Mota, escreve que as 'apresentações' ocorriam, geralmente, nos pátios das fazendas e que Mota teria assistido uma apresentação na fazenda "Bezerro" (da família Gomes Amorim), cuja matriarca "Dona Maria Gomes" era considerada a "mãe da pobreza".
Atrevo-me a especular que o 'folguedo' se tornou um instrumento para obtenção de 'auxílios' econômicos à medida que caia no gosto de benfeitores como "Dona Maria".
Barreto também menciona uma 'jornada' presenciada pelo pesquisador Francisco de Assis Silva realizada na fazenda de Manoel Ferreira, em 1938, no sítio Baixa Grande. Informa que o folguedo durava de 6 a 12 horas, com intervalos para beber aguardente, tomar café e recuperar as energias.
Creio que a diversão dos fazendeiros se tornou uma oportunidade para os afrodescendentes conseguirem algum tipo de inserção social e também auxílio econômico até a proibição e repressão empreendidas pelos padres a partir das primeiras décadas do século XX.
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