A causa, as formas teóricas de manifestação e o conteúdo da crise capitalista: Uma análise marxiana
RESUMO
RESUMO
O presente artigo buscou
detectar as formas de manifestação teóricas da crise de superprodução na atual
crise, denominada de crise financeira ou do subprime.
Para tanto, se baseou no trabalho de sistematização feito por Ribeiro (2008),
elaborado a partir da obra de Marx, O Capital. O surgimento da mercadoria (ao
criar a contradição VxVU) e do dinheiro (ao ampliá-la), já se constituem nos
elementos que tornam a crise de abundância uma possibilidade, numa sociedade de
produtores individuais de mercadorias. Por sua vez, o modo capitalista de
produção, ao ampliar as contradições mencionadas e criar uma série de outras
novas e de elementos potencializadores destas, torna a crise de surperprodução
uma necessidade, de modo que do nível das possibilidades, ela se torna uma
realidade. O caráter social da produção em contradição com a apropriação
privada capitalista, consiste na maior de todas as contradições, que faz parte
da essência do modo capitalista de produção.
Palavras-chave: crise,
contradições, subprime
ABSTRACT
The
present paper searched to detect the theoretical forms of manifestation of the overproduction
crisis in the current crisis, called of financial or subprime crisis. For in
such a way, it based on the theoretical systematization made for Ribeiro
(2008), elaborated from Marx’s The Capital. The sprouting of the merchandise
(when creating the VxVU contradiction) and of the money (when extending it),
already consists in the elements that become the abundance crisis a
possibility, in a society of individual producers of merchandises. In turn, the
capitalist way of production, when extending the mentioned contradictions and
creating a series of other new elements of these, overproduction crisis becomes
a necessity that of the level of the possibilities, it if becomes a reality.
The social character of the production in contradiction with the capitalist
private appropriation, consists of the greater of all the contradictions, that
part of the essence in the capitalist way of production.
Key-words: crisis, contradictions, subprime
1- Introdução
O estouro da
bolha imobiliária em julho de 2007, culminou, mais uma vez, na brusca mudança
da acumulação capitalista, rumo a uma fase do ciclo não muito agradável,
denominada de crise. Desta vez o nome dado ao acontecimento foi “crise do subprime”, ou crise financeira. Em sua
principal obra, Marx se deteve em analisar também o comportamento cíclico do
processo de acumulação capitalista, concluindo que a crise de superprodução
constitui uma lei do modo de produção capitalista, assim como o desemprego, a
tendência da taxa de lucro decrescer, etc.
Ao tratar a
crise de superprodução como uma lei, Marx deixou claro que recorrentemente ela
viria perturbar o processo de acumulação capitalista. Mas, embora o conteúdo da
crise seja sempre o mesmo, suas formas de manifestação são várias o que
contribui para o mascaramento da sua natureza intrínseca. Assim, neste caso, o
retorno periódico do fenômeno é tratado pela mídia, políticos e acadêmicos
ortodoxos sempre de forma isolada, como se fosse algo novo, inédito e
surpreendente.
Assim, cada
crise passa a ser designada por um nome distinto, normalmente ligado ao setor,
ou à atividade, ou aos indivíduos diretamente envolvidos com o epicentro da
crise, relacionados a sua forma de manifestação primeira.
A partir da
obra de Marx, que demonstrou o conteúdo da crise, suas formas de manifestação
teóricas e causas e ilustrou com exemplos e dados retirados de jornais de sua
época, o presente artigo buscou repetir este procedimento:
1) A partir do
trabalho de sistematização realizado por Ribeiro (2008), apresentar todas as
formas teóricas de manifestação da crise, bem como suas causas.
2) Através de
um trabalho sistemático de coleta de informações, efetuado nos últimos 2 anos[1],
consolidar as evidências empíricas da atual crise, associando-as a
sistematização citada no item acima.
Sendo assim,
além da seguinte introdução, o presente artigo conterá: no item 2 uma descrição
da sistematização das formas teóricas de manifestação da crise, elaborada por
Ribeiro (2008), a partir da obra de Marx; no item 3 analisará as causas da
crise de superprodução capitalista; no item 4 elucidará as evidências empíricas
da atual crise, associando-as as formas teóricas de manifestação mencionadas;
no item 5 detalhará as principais conclusões alcançadas pelo trabalho.
2- A crise de
superprodução (de capital) e suas formas de manifestação
Marx analisa a
crise de superprodução em duas dimensões: em seu conteúdo e em suas formas de
manifestação.
A partir da
obra de Ribeiro (2008), o presente estudo se deterá em analisar as formas de
manifestação do fenômeno crise de superprodução, tendo em vista que o objetivo
é demonstrar que a crise atual, denominada de crise do subprime ou crise financeira, apresenta várias destas formas, bem
como o seu conteúdo e, portanto, é tão somente uma antiga e recorrente crise de
superprodução do capitalismo.
De forma
sucinta, o conteúdo da crise consiste em três fatores que ocorrem ao mesmo
tempo e tornam a crise de abundância
um paradoxo, pois o que se tem é:
i) primeiro,
uma capacidade elevada e crescente de produzir mercadorias;
ii) segundo,
uma quantidade elevada e crescente de consumidores[2].
Seria
perfeito, se as coisas parassem por aí, pois se de um lado se tem mercadorias e
do outro lado consumidores, qual é o problema então? É aí que entra o terceiro
e último ponto, pois o sistema cria barreiras econômicas ao consumo, seja produtivo,
seja pessoal.
O princípio de
tudo é a transformação do produto do trabalho humano em mercadoria, criando a
contradição primária Valor x Valor de Uso
(VxVU) ao que, até então, consistia numa unidade. A evolução deste fenômeno, ao
culminar no capitalismo, levou esta contradição a um nível surpreendente, a
saber: a contradição entre o caráter social da produção e a forma de
apropriação privada capitalista.
Assim, em suas
formas de manifestação (conforme irá sendo abordado ao longo do texto) fica patente
que a questão fundamental consiste no fato de, no processo evolutivo do modo
capitalista de produção, as “soluções” encontradas aos entraves do seu
desenvolvimento levarem à separação de elementos que, em essência, formam uma
unidade, de modo que, ao afastarem-se além de determinados limites, a unidade
destes elementos abruptamente volta a prevalecer. Entretanto, o
restabelecimento desta unidade não ocorre de forma harmônica e natural, mas por
meio de um violento choque, isto é de uma crise, como afirmado por Marx:
Mas, uma vez que estão interligadas, a afirmação de
independência das fases vinculadas só se pode patentear de maneira violenta,
como processo destrutivo. É justamente na crise que sua unidade se manifesta, a
unidade de elementos opostos. A independência recíproca assumida pelas duas
fases conjugadas e complementares destrói-se à força. A crise, portanto revela
a unidade dos elementos que passaram a ficar independentes uns dos outros. Não
ocorreria crise se não existisse essa unidade interna de elementos que parecem
comportar-se com recíproca indiferença (Marx, 1980, V-II, p. 936).
O “germe” da
crise existe antes mesmo do surgimento do modo de produção capitalista e reside
na mercadoria. Isto se dá pelo fato de na mercadoria, conforme dito antes, a
unidade VxVU se tornar um par de contrários dialéticos, dado o fato do produto
do trabalho humano se tornar um não-VU para o seu possuidor. O aprofundamento
da contradição VxVU, interna à mercadoria, ocorre quando do surgimento do
dinheiro, já numa sociedade de produtores individuais de mercadorias.
A
clara identificação e sistematização das várias formas de manifestação da
crise, realizada por Ribeiro (2008) a partir do estudo d’O Capital são
discutidas a seguir.
2.1) 1ª forma de manifestação da crise: o dinheiro como meio de
circulação
A aparição do
dinheiro como meio de circulação (para resolver um problema da produção de
mercadorias: facilitar as trocas) leva a uma série de conseqüências:
1º) A
contradição VUxV interna à mercadoria se externaliza, transformando-se em Mercadoria x Dinheiro (MxD), tendo em vista que o dinheiro passa a
representar o valor de todas as mercadorias. Pode-se notar que o dinheiro, ao
representar o valor de todas as mercadorias, tornou visível a contradição VxVU
até então interna à mercadoria.
2º) O circuito
Mercadoria x Mercadoria (M-M) é
substituído pelo circuito Mercadoria-Dinheiro-Mercadoria
(M-D-M), fazendo com que os atos de compra e venda deixem de ser uma
unidade, transformando-se numa contradição. Isto se dá pelo fato de em M-M os
dois produtores comprarem e venderem ao mesmo tempo, enquanto que em M-D-M, é
necessário vender, para, em tendo posse do dinheiro, que possui VU apenas
ideal, poder comprar de fato e, só assim, realizar o VU de uma mercadoria
qualquer, tendo em vista que o VU do dinheiro é ideal, pelo fato de ele ser tão
somente veículo à realização das necessidades[3].
Sendo assim, o
surgimento do dinheiro como meio de circulação separa no tempo e no espaço os
atos de compra e venda, deixando sempre um determinado número de produtores
presos na esfera da circulação. A partir de então, a solução da contradição
VxVU, para um produtor qualquer, ocasiona necessariamente o aprisionamento na
esfera da circulação de um outro produtor e assim sucessivamente.
Pode-se dizer
“que em sua primeira forma, a crise é a metamorfose da própria mercadoria, a
dissociação da compra e da venda” (Marx, 1980, V II, p. 945). Contudo, segundo
Marx:
A contradição imanente à mercadoria, que
se patenteia na oposição entre valor-de-uso e valor, atinge formas de
manifestar-se nas fases opostas da metamorfose das mercadorias. Essas formas
implicam a possibilidade, mas apenas a possibilidade das crises. Para a
conversão dessa possibilidade em realidade é mister todo um conjunto de condições,
que não existem, ainda, do ponto de vista da simples circulação das mercadorias
(1980, V-I, p. 127).
2.2) 2ª forma de manifestação da crise: o dinheiro como meio de
pagamento
Ainda numa
sociedade de produtores individuais de mercadorias, surge a segunda forma de
manifestação da crise, também no nível das possibilidades. Relacionada ainda ao
dinheiro, a segunda forma de manifestação da crise surge em virtude da extensão
de suas funções. Além de meio de circulação o dinheiro assume a função de meio
de pagamento.
Sob esta
função, a presença do dinheiro no ato das trocas é dispensada, pelo menos
temporariamente. Como já dito anteriormente, a solução de um entrave, cria
problemas subseqüentes, e é exatamente isto que ocorrerá.
Como meio de
pagamento, as trocas poderão ser feitas sem a presença imediata do dinheiro,
que aparecerá apenas de forma ideal. Deste modo, as trocas serão efetuadas com
promessa de pagamento. Assim, um determinado produtor ao vender sem receber
dinheiro real, mas tão somente uma promessa futura de pagamento, necessitará,
para poder comprar, encontrar outro produtor que repita o seu ato e, assim
sucessivamente. Contudo, esta situação
não pode manter-se indefinidamente, de modo que em algum momento dinheiro real
terá que ser atraído à esfera da circulação
Com isto, a
circulação das mercadorias sofrerá mudanças quantitativas e qualitativas,
aumentando a oposição MxD. Do ponto de vista quantitativo porque a liquidação
das dívidas por compensação permite a circulação de uma maior quantidade de
mercadorias com um montante inferior de dinheiro real. Por outro lado, e de
forma mais relevante, a mudança qualitativa consiste no fato da oposição MxD se
apresentar a partir de então como autonomia de D em relação à M, que se afastam
e parecem autônomos, fazendo com que circulem mercadorias sem circular dinheiro
e dinheiro sem circular mercadorias.
Ao investigar
esta nova contradição, contida nas funções do dinheiro, Marx destaca:
Enquanto os pagamentos se compensam, serve apenas
idealmente de dinheiro de conta ou de medida dos valores. Quando tem de ser
efetuados pagamentos reais, a função do dinheiro deixa de ser a de meio de
circulação, de forma transitória e intermediária do intercâmbio das coisas
materiais, para ser a de encarnar o trabalho social, a existência independente
do valor de troca, a mercadoria absoluta... Havendo perturbações gerais no
funcionamento desse mecanismo, seja qual for a origem delas, deixa o dinheiro
súbita e diretamente a forma ideal, de conta, para virar dinheiro em espécie
(1980, V-I, p. 152).
Deste modo,
segundo Marx, é na função do dinheiro como meio de pagamento que figura a
segunda forma de manifestação da crise:
Em sua segunda forma, a crise é a função do dinheiro
como meio de pagamento e então figura em duas fases diferentes, separadas no
tempo, em dois papéis diversos (Marx, 1980, V-II, p. 945)
2.3) O desenvolvimento das formas de manifestação do fenômeno crise de
abundância no modo capitalista de produção.
Considerando
uma sociedade de produtores individuais de mercadorias, as duas formas de
manifestação da crise de superprodução, vistas até então, são apenas abstratas,
embora para Marx a segunda seja mais concreta que a primeira (1980, V-II, p.
945). Mas, mesmo que o surgimento do dinheiro crie possibilidades à crise, ao
modificar e ampliar a contradição VxVU, as limitações da sociedade de
produtores de mercadorias não permitem uma superprodução generalizada.
O modo
capitalista de produção, ao desenvolver o conteúdo, tornará o fenômeno crise de
abundância não uma possibilidade, mas pior que isto, uma necessidade.
Em primeiro
lugar, pode-se destacar que a primeira e a segunda formas da crise sofrem
grandes alterações, tendo em vista que no modo capitalista de produção o
dinheiro como meio de circulação e meio de pagamento deixa de ser simplesmente
um instrumento empregado na circulação das mercadorias. No capitalismo, o
dinheiro antes de funcionar como meio de circulação das mercadorias, assume a
função de meio de circulação do capital.
As implicações
dessa modificação nas funções do dinheiro são várias: o ato de circulação do
capital exige transações à montante e à jusante e, como o objetivo da produção
é a mais-valia, o resultado final significará sempre um valor em escala
ampliada.
Além do mais,
todo ato de consumo consiste, ao mesmo tempo, num ato de produção, tendo em
vista que o consumo produtivo dos capitalistas resulta em mais mercadorias
produzidas e o ato de consumo dos trabalhadores, resulta na produção da
mercadoria força de trabalho. Segundo Ribeiro (2008, p. 51):
O problema é, portanto muito mais complexo do que
pareceria antes. O consumo produtivo dos dois tipos de mercadorias (força de
trabalho e meios de produção), não só tem como resultado o lançamento
obrigatório de novas mercadorias no mercado, mas também de uma quantidade muito
maior, do ponto de vista do valor criado. Aí está a situação: quanto mais
mercadorias forem consumidas mais mercadorias serão lançadas no mercado.
Assim, por
inúmeros fatores, a circulação M-D-M no modo capitalista de produção assume um
caráter totalmente diverso daquele da sociedade de produtores de mercadorias:
cada ato de compra e venda envolve um grande número de relações à montante e à
jusante, entre produtores diferentes, de pelo menos três mercados distintos (meios
de produção, força de trabalho e bens de consumo); o ato de produção envolve o
ininterrupto reinício de processos produtivos que terão por conseqüência o
contínuo lançamento de mercadorias no mercado.
Além do mais,
embora os mercados anteriormente citados funcionem de forma aparentemente
independente, os atos de compra e venda, efetuados entre os produtores de cada
um deles, guardam entre si determinadas proporções que dependem das
necessidades da reprodução do capital, isto é, algo que lhes é exterior (Ribeiro,
2008).
Pode-se
adicionar, ainda, o fato de as operações de compra e venda envolverem a
mercadoria força de trabalho, com características bastante peculiares, já que é
a única produzida a partir do consumo pessoal do seu possuidor. Deste modo,
pode-se perceber quão relevante é a modificação provocada no conteúdo M-D-M
numa sociedade de produtores capitalistas e, conseqüentemente nas funções do
dinheiro.
Mas temos aí meras formas – possibilidades – gerais
das crises, por isso também formas abstratas da crise real. Nelas aparece a
existência da crise em suas formas mais simples e em seu conteúdo mais simples,
até onde a própria forma é seu conteúdo mais simples. Mas ainda não é conteúdo
como fundamento concretizado (Marx, 1980, V-II, p. 948).
Todavia, o
modo capitalista de produção não apenas altera as formas da crise já existentes
com o surgimento da mercadoria e do dinheiro, mas cria várias outras. A partir
de Marx, Ribeiro (2008) identifica pelo menos mais cinco formas de manifestação
da crise de abundância. O desenvolvimento do conteúdo, ampliando suas formas de
manifestação, implicará tornar a crise uma necessidade ao desenvolvimento do
sistema.
Mas agora se trata apenas de acompanhar o
desenvolvimento ulterior da crise em potencial – a crise real só pode
configurar-se a partir do movimento real da produção capitalista, da
concorrência e do crédito – enquanto provém das determinações de formas
próprias do capital, as quais lhe são peculiares e não se encerram em sua mera
existência de mercadoria e dinheiro (Marx, 1980, V-II, p. 948).
Para tanto, se
faz necessário aprofundar a análise do fenômeno a partir do movimento de
circulação do capital, ou seja, da fórmula D-M-D´ (Ribeiro, 2008).[4]
As duas formas
de manifestação da crise, analisadas a seguir, dizem respeito a uma sociedade
capitalista onde existe apenas o capital industrial e consiste na existência
dos pares de contrários dialéticos: produção x circulação, produção x consumo e
características peculiares acerca da forma produtiva do capital. Vejamos cada
uma delas.
2.4) 3ª forma de manifestação da crise: contradição produção x
circulação.


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Neste último
circuito, diferentemente do primeiro, nota-se que em seu processo de circulação
e reprodução o capital terá que necessariamente percorrer as esferas da
circulação e da produção, assumindo em cada uma delas as formas necessárias a
sua valorização.
O mecanismo é
o seguinte: o produtor capitalista em tendo posse do capital-dinheiro precisa
transformá-lo em capital-mercadoria, na esfera da circulação. Contudo, estas
mercadorias não visam o consumo pessoal do produtor, mas o consumo produtivo,
constituindo-se de meios de produção e força-de-trabalho. Porém, na posse
destas mercadorias especiais, o capital assumiu a forma produtiva, de modo que
só resta ao produtor capitalista uma saída, retirar-se da esfera da circulação
para a da produção.
É na esfera da
produção que o processo de valorização do capital ocorrerá, por meio do consumo
da mercadoria especial força-de-trabalho, que combinada (em determinadas
proporções) com os meios de produção, tem o poder de gerar o seu próprio valor
e um adicional (mais-valia), apropriado pelo capitalista. Esgotado o processo
de produção, restará ao capitalista retornar à esfera da circulação com as
novas mercadorias, acrescidas da mais-valia, para enfim transformá-las em
capital-dinheiro novamente e assim, ter de volta o seu capital, ampliado pela
mais-valia.
Se de um lado
produção e circulação constituem-se em fases indispensáveis ao capital, em seu
processo de reprodução e valorização; por outro lado, o mesmo capital não pode
assumir simultaneamente as formas M e D (características da circulação) e a
forma P (característica da produção). Produção e circulação são dois atos que
se excluem, se repelem, ou seja, formam um par de contrários dialéticos.
Assim, surge a
terceira forma de manifestação da crise, própria do capital e, consequentemente
se desenvolverá obedecendo às mesmas leis que impulsionam o desenvolvimento do
capital:
O processo global de circulação ou o processo global
de reprodução do capital é a unidade de sua fase de produção e de sua fase de
circulação, um processo que abrange dois processos como fases suas. Aí reside
nova possibilidade desenvolvida ou forma abstrata da crise (Marx, 1980, V-II,
p. 948).
2.5) 4ª forma de manifestação da crise: contradição produção x consumo
(capital produtivo).
Conforme foi
visto anteriormente é na forma produtiva (P) do capital que a mais-valia é
gerada. Isto se dá através do consumo produtivo, que ao combinar os meios de
produção com a mercadoria força de trabalho, capaz de criar um valor superior
ao de sua reprodução, produz mais-valia para o capitalista.
Mas, o consumo
produtivo do capitalista, constitui-se ao mesmo tempo em ato de produção, já
que para manter-se capitalista, o produtor necessitará lançar ininterruptamente
na esfera da circulação uma quantidade crescente de mercadorias, adicionada de
mais-valia.
Contudo, se
produção e circulação formam uma unidade; de outro lado se repelem e se opõem.
A oposição é percebida pelo fato do capital produtivo não poder produzir o que
consome, nem tão pouco consumir o que produz. A conseqüência desta oposição
entre produção e consumo, é que necessariamente terá que haver atos externos a
ambos, isto é, atos de compra e de venda à montante e à jusante, de atos de
circulação.
O movimento de
circulação do capital envolverá não apenas D, mas M também, que são nada mais
que formas específicas do capital na esfera da circulação. Sendo assim, M
passará a assumir funções de D:
Certas funções inerentes à D, como meio de circulação,
serão então ampliadas e estendidas igualmente à M, quando ambos se transformam
em formas de existência do capital, na esfera da circulação e, portanto, em
meios de circulação do capital (Ribeiro, 2008, p. 64).
Para a mercadoria
força de trabalho, a questão é semelhante, tendo em vista que ao ser remunerada
com o salário, os trabalhadores o empregarão no consumo pessoal e,
consequentemente à produção de mais mercadorias, neste caso a mercadoria força
de trabalho.
Mas, se o consumo
dos trabalhadores é ao mesmo tempo produção, esta unidade forma um par de
contrários dialéticos, tendo em vista que os trabalhadores não produzem o que
consomem, nem tão pouco, consomem o que produzem. Assim, a contradição produção
x consumo, existe para a produção de qualquer mercadoria existente no modo
capitalista de produção, tornando com isto “o
processo capitalista de produção de mercadorias, indissoluvelmente ligado ao
processo capitalista de circulação de mercadorias” (Ribeiro, 2008, p. 65).
A contradição entre produção e consumo existente na
produção de mercadorias, para ser resolvida, impulsiona o capital para a esfera
da circulação onde ele dispõe de duas formas de manifestação, M e D, pois uma
vez produzida, M deve ser consumida, mas não o pode ser pelos seus produtores.
Ao chegar à circulação, o capital apresenta-se inicialmente como M´. Esta forma
M´ é portadora do acréscimo do valor, a mais-valia, extorquida pela ação do
capital produtivo. Mas, sob a forma M´, este mais valor para nada serve, pois a
oposição entre produção e consumo torna as mercadorias produzidas não-valores
de uso para seus produtores. (Ribeiro, 2008, p. 65).
2.6) O surgimento do capital comercial como fator potencializador da
crise de superprodução.
O surgimento
do capital comercial amplia a contradição produção x circulação, denominada
anteriormente como a 3ª forma de manifestação da crise de abundância, ao tornar
autônomo o comportamento do capital sob a forma mercadoria na esfera da
circulação. Separando a circulação da produção, o capital comercial, leva a
oposição entre ambas a sua forma plena, absoluta.
O
capital comercial, portanto nada mais é do que o capital-mercadoria que o
produtor fornece e tem de passar por processo de transformação em dinheiro, de
efetuar a função de capital-mercadoria no mercado, com a diferença apenas de
que essa função, em vez de ser operação acessória do produtor, surge como
operação exclusiva de variedade especial de capitalistas, os comerciantes e,
adquire autonomia com negócio correspondente a um investimento específico
(MARX, 1894, L-III, V-V, p. 313).
Desta
forma, ampliam-se as possibilidades do fenômeno da crise, pois conforme Marx
demonstrou, contra a separação dos contrários prevalecerá sua unidade:
Apesar do caráter autônomo que possui, o
movimento do capital mercantil nada mais é que o movimento do capital
industrial na esfera da circulação. Mas, em virtude dessa autonomia, o capital
mercantil move-se até certo ponto sem depender dos limites do processo de
reprodução e por isso leva este a transpor os próprios limites. A dependência
interna e a autonomia externa fazem o capital mercantil chegar a um ponto em
que surge uma crise para restaurar a coesão interior (MARX, 1894, L-III, V-V,
p. 350).
A partir
de então um grupo especial de capitalistas, que atua apenas na esfera da
circulação, restringindo-se a proceder a metamorfose do capital na forma mercadoria
à forma dinheiro e vice-versa, passa a operar de modo independente e
desvinculado do processo de produção e, mais ainda, a ter direito a lucro.
Então, o
aparecimento dos capitalistas comerciais leva à ilusão de que a geração de
lucros não está condicionada ao processo de produção. Contudo, Marx mostra que
esta evidência é de fato um engano, tendo em vista que o lucro do capital
comercial consiste tão somente numa parcela da mais-valia criada pelo capital
industrial à medida que assume a forma produtiva (P), única capaz de gerar
mais-valia. Esta cifra da mais-valia dividida com os capitalistas comerciais
deve-se ao fato de sua ação aumentar o processo de rotação do capital e,
consequentemente a massa de mais-valia gerada. Deste modo, dando uma
contribuição maximizadora ao processo de reprodução do capital, o capital
comercial se beneficia de um pedaço do excedente que é criado, em ações
externas a sua existência.
O ciclo do
capital comercial consiste em D – M – D´, isto é, o capitalista comercial em
tendo posse do dinheiro, compra mercadorias e, as vende por uma soma de
dinheiro superior ao montante inicial, parecendo que os valores-de-uso foram
vendidos acima do seu valor. Mas, conforme explicitado anteriormente não é isto
que ocorre de fato.
Assim, o
movimento autônomo do capital comercial na esfera da circulação cria
modificações significativas no processo de produção capitalista:
1º) A
realização das mercadorias, as expulsa do mercado, ou seja, da esfera da
circulação. Assim, ou a mercadoria está no mercado e não realizou o seu valor,
ou realizou o seu valor e, portanto foi expulsa do mercado, isto é, realização
e circulação formam um par de contrários dialéticos.
O capital
mercantil provoca alterações nesta contradição, tendo em vista que as
mercadorias são vendidas ao capitalista comercial, mas permanecem no mercado.
Isto ocorre em detrimento do valor-de-uso destas mercadorias para o comerciante
não constituir à realização de uma necessidade pessoal, mas possuir o
valor-de-uso ideal do dinheiro, que é lhe conferir lucro. Sendo assim, o
comerciante sabe que se empregar as mercadorias que adquiriu a fim de
satisfazer qualquer necessidade pessoal, o seu capital na forma de mercadoria
(KM) não lhe renderá lucro, de forma que não alcançará seu objetivo real,
enquanto capitalista da esfera da circulação.
2º) A venda
das mercadorias dos capitalistas industriais aos capitalistas comerciais,
libera os primeiros à continuidade do processo, podendo recomeçar o ciclo
novamente, contudo estes últimos permanecem na esfera da circulação lotados de
mercadorias, à espera dos donos que de fato realizarão seus valores-de-uso.
Enquanto, o
surgimento do capital comercial, parece ter resolvido a contradição realização
x circulação, isto de fato não ocorreu, de modo que só no nível das aparências
detecta-se tal dissolução, pela exacerbação da unidade entre eles. Segundo
Ribeiro (2008, p.71):
Se supusermos a existência de uma rede de
comerciantes intermediários, a situação se torna ainda mais complexa, pois
poderemos observar a sucessiva “realização” das mercadorias, sem que elas se
retirem do mercado. Tudo funciona como se tivesse desaparecido a contradição
circulação e realização do valor. E do exclusivo ponto de vista do capital
comercial, esse movimento poderia prolongar-se eternamente. Tal é a situação
paradoxal criada.
O capital
comercial ao separar no tempo e no espaço a realização do valor das
mercadorias, da realização dos seus valores-de-uso, ao ampliar a contradição
produção x circulação e modificar a contradição circulação x realização, irá
contribuir na ampliação das possibilidades da crise, levando-as do campo
abstrato para o real. Conforme já dito anteriormente, toda vez que a dinâmica
do sistema, em seu processo natural de evolução das forças produtivas, busca
sanar um problema, ele apenas consegue ampliar as contradições. O surgimento da
mercadoria-capital dará prosseguimento a este processo levando-o ao ápice.
2.6) O surgimento do capital bancário e a mercadoria capital como
elemento que levará o fenômeno da crise do nível das possibilidades a se tornar
uma necessidade ao processo de reprodução capitalista.
De acordo com
o sub-item anterior, o nascimento do capital mercantil, faz surgir uma
categoria de capitalistas que atua restritamente na esfera da circulação, com o
seu capital na forma de capital-mercadoria (KM), trazendo uma série de
alterações nas contradições inerentes a dinâmica de funcionamento do modo
capitalista de produção. O surgimento do capital bancário e da
mercadoria-capital também provoca um aumento substancial nas contradições
existentes no sistema.
O fato da
mais-valia materializar-se no corpo do dinheiro, quando da metamorfose de M´
por D´, ou seja do dinheiro representar o valor, leva a crença de que o
dinheiro por si só é capaz de gerar mais-valia. Com isso, o dinheiro passa a
ser o próprio objetivo do processo de produção, numa escala sempre ampliada.
Deste modo a
contradição produção circulação assume uma dimensão ainda maior que aquela
assumida quando do surgimento do capital mercantil. A separação circulação x
produção agora ocorre em detrimento da autonomização da forma D, com o
surgimento do capital bancário.
Como o
dinheiro é a forma em que se inicia qualquer atividade econômica e,
principalmente a forma como se materializa o lucro, por ser capital-dinheiro,
ganha um novo valor de uso, que é o de gerar lucro, tal qual a mercadoria força
de trabalho. Isto implicará em várias conseqüências ao modo capitalista de
produção, figurando no ingrediente que faltava para tornar a crise de
abundância um fenômeno não apenas real, mas necessário:
1) Com a
mercadoria-capital surge um novo mercado, o mercado de capitais, que permitirá
sua negociação e, funcionará juntamente com os mercados já mencionados: o de
meios de produção, o de bens de consumo e o de força de trabalho.
2) Nascerá
também uma nova categoria de capitalistas, que de modo semelhante aos
comerciantes, agirá apenas na esfera da circulação; só que neste caso
transacionando tão somente com o dinheiro. De forma curiosa, o ciclo desta
modalidade de capital[5] se
resume a D- D´, isto é, exibe uma relação de algo consigo mesmo, independente
da produção e da circulação.
3) A
mercadoria-capital possui uma série de características bastante peculiares:
3.1- Sendo uma
mercadoria se constitui em um não VU para o seu possuidor, que deverá vendê-la.
Contudo, a venda desta mercadoria ocorre de modo diverso das demais, ou seja,
através de empréstimo.
3.2- Ao ser
vendida, a mercadoria-capital se torna um VU não apenas para quem a comprou,
mas também para quem a vendeu.
3.3- A
mercadoria-capital possui um preço especial denominado de juro, o qual por sua
vez é determinado pela oferta e demanda no mercado de capitais.
3.4- Conforme
foi visto, todo ato de consumo do sistema constitui um ato de produção, mas
pelo menos temporariamente a venda das mercadorias desafoga a esfera da
circulação. O mesmo não ocorre com a mercadoria-capital, tendo em vista que ao
ser vendida, esta não se destrói no consumo, mas se fortalece e retorna
aumentada ao mesmo mercado de onde partiu, exigindo a continuidade do seu
movimento.
3.5- Em
virtude da característica anterior, existe uma pressão permanente e crescente
da oferta, que para evitar sua superprodução, gera a necessidade de ampliar
constantemente a sua demanda. Segundo Ribeiro (2008, p. 79):
Resumindo, podemos dizer que as características de D,
como mercadoria-capital, de reproduzir-se ao ser consumida e aumentar de valor,
de retornar ao seu antigo possuidor, de ser VU para o comprador e, depois da
venda, VU para o vendedor, e de só poder existir em constante movimento,
retornando sempre ao mesmo mercado de onde partiu, faz com que ela exerça uma permanente
pressão sobre a oferta no seu mercado específico.
Consequentemente, uma característica desse mercado, a
pressão permanente e crescente da oferta, provocada pela própria natureza do
dinheiro como mercadoria-capital. Sendo assim, a única forma de não ocorrer
superprodução será a criação, em contrapartida, de uma procura que cresça nas
mesmas proporções e ao mesmo ritmo. Esse é o problema.
Deste modo,
qualquer evento que culmine na falta de demandantes à mercadoria-capital, ou
seja, de capitalistas dispostos a tomarem-na emprestada, pagando em
contrapartida o seu preço, isto é o juro, levará a uma interrupção do movimento
desta, fazendo com que a mercadoria-capital negue sua própria essência, o que
culminará numa superprodução de capital:
Superprodução de capital, não de mercadorias isoladas
– embora a superprodução de capital implique sempre superprodução de
mercadorias – nada mais significa que superacumulação de capital (MARX, 1894,
L-III, V-IV, p.288).
Conforme já
mencionado antes o capital em sua marcha completa é formado pela unidade do
processo de produção e do processo de circulação, de modo que cada uma destas
etapas exercerá papel peculiar à geração e realização da mais-valia e,
consequentemente no processo de reprodução capitalista. Como Marx evidenciou
cada forma assumida pelo capital possui um papel único, ora de gerar a
mais-valia (função do capital em sua forma produtiva), ora de realizá-la
(função do capital nas formas dinheiro e mercadoria). Então, contra a
autonomização da forma D (capital bancário) e da forma M (capital mercantil),
prevalecerá a unidade das 3 formas do mesmo conteúdo, através de uma crise.
O surgimento
do Capitalismo modificou substancialmente as funções do dinheiro, ampliando a
contradição VxVU, além criar outras contradições. Por sua vez, o
desenvolvimento das forças produtivas sob o Capitalismo, ampliaram
substancialmente as contradições nascidas consigo, conferindo-lhes uma dimensão
ainda maior. O nascimento dos capitais mercantil e bancário aumentaram
significativamente a magnitude da 3ª e 4ª formas de manifestação da crise, a
contradição produçãoxcirculação e a contradição produçãoxconsumo.
As várias formas que o capital assume, em seu
movimento, o surgimento das mercadorias especiais força de trabalho e da mercadoria-capital,
o complexo quadro de conexões que se estabelecem entre o capital industrial, o
capital comercial e o capital bancário, criam uma infinidade de contradições
que abrem caminhos, vias, meios de manifestação e propagação da crise,
transformando-a de fenômeno possível em fenômeno real (Ribeiro, 2008, p. 88).
Só para
destacar, é importante frisar ainda que o surgimento destas duas categorias de
capitalistas contribuiu ainda na ampliação do conflito distributivo, pelo fato
de ter aumentado o número de classes sociais que passaram a lutar por uma fatia
da riqueza produzida.
3- A causa da crise
A crise emerge
como excesso de oferta sobre a demanda e, por isso o termo crise de
superprodução. Nos primórdios do desenvolvimento da ciência econômica, Malthus
foi o primeiro a perceber que o capitalismo tendia a gerar como fenômeno a
superprodução. Mas, na difusão do pensamento econômico predominou aqueles que
defenderam a Lei de Say, que apregoava que a oferta gera sua própria demanda e,
que desequilíbrios entre oferta e demanda, só ocorreriam de forma parcial,
nunca sistêmica. Ao reconhecer a “insuficiência de demanda efetiva”, outro
termo empregado ao problema, Keynes remontou Malthus e lamentou que a ciência
econômica tivesse escolhido a Lei de Say como premissa ao comportamento do
capitalismo.
Antes de
analisar as causas da crise, conforme Marx, é válido abrir espaço para analisar
de forma mais acurada o termo “superprodução”. Como se sabe, quando a crise eclode,
embora o mercado esteja lotado de mercadorias que não encontram comprador,
existe por sua vez, um número representativo de indivíduos incapazes de
satisfazer suas necessidades. Isto quer dizer, que a superprodução ocorre sem
que as necessidades sociais sejam atendidas plenamente, pelo fato da demanda
sob o capitalismo não está condicionada à realização das necessidades, mas só
pode participar desta quem possuir capacidade econômica para tal, isto é, a
procura é uma “procura solvente”.
Como
conseqüência se cria um paradoxo, ou seja, a superprodução ocorre ao mesmo
tempo em que uma parcela significativa das pessoas não consegue realizar
minimamente suas necessidades de consumo:
Desse modo, não há qualquer incompatibilidade entre
superprodução, de um lado, e, de outro, existência de potenciais consumidores
insatisfeitos. Pelo contrário, a superprodução se dá em simultâneo com o
crescimento da fome, da miséria, do desemprego, das falências etc. Ela é o
resultado do conflito entre o desenvolvimento das forças produtivas, sob o
capitalismo, e os limites impostos pelo lucro do capital. Ela é uma
superprodução capitalista de mercadorias (Ribeiro, 2008, p. 100).
Neste sentido
Marx destacou como um equívoco denominar a crise econômica do capitalismo de
crise de superprodução. Como se pode afirmar que o problema é produção em
excesso, se existe um exército de consumidores insatisfeitos, incapazes de
satisfazer suas necessidades mais básicas?
A palavra superprodução em si mesma induz a erro. Sem
dúvida, não se pode em absoluto falar de superprodução de produtos – no sentido
de o volume dos produtos ser excessivo em relação às necessidades deles –
enquanto as necessidades mais prementes de grande segmento da sociedade não são
satisfeitas ou são satisfeitas apenas as mais imediatas (Marx, 1980, V-II,
p.962).
Feito os
devidos esclarecimentos acerca da denominação empregada para caracterizar o
fenômeno em estudo, cabe se deter à análise de suas causas. Conforme já dito, a
crise parece ser um problema de proporcionalidade, ou seja, do tamanho da
oferta ser maior que o da demanda. Partindo desta hipótese muitas são as
teorias que buscam esclarecer porque este desequilíbrio ocorre, dentre as
quais, podem-se destacar as teorias que apontam o subconsumo, a anarquia da
produção e a contradição produção-consumo, como causas da crise. Contudo, o
presente estudo partirá da idéia que se tem algo mais complexo, de maneira que
os fatores anteriormente mencionados consistem tão somente na aparência de algo
que integra a essência do modo capitalista de produção.
Para
demonstrar que a crise no capitalismo é inerente a sua essência de modo que
para destruí-la é necessário acabar com o próprio sistema, será feita uma
análise estritamente na forma praticamente consensual de vê-la: excesso de
oferta em relação à demanda. Assim, ver-se-ão as possibilidades de controlar a
oferta e a demanda, em níveis compatíveis com o equilíbrio entre ambas.
3.1) Tentativas de controlar a oferta.
Neste caso, o
desafio que se desenha constitui em controlar a oferta ao nível da demanda
solvente (ou demanda efetiva, segundo Keynes). Neste sentido, o problema que
surge, antes mesmo de buscar os meios de controlar a oferta, é determinar o
nível da procura solvente. A produção sob o capitalismo assume um grau de
especialização tão elevado que passa a ser organizada em mercados distintos
(pelo menos quatro: o de bens de consumo, o de meios de produção, o de força de
trabalho e o mercado de capitais) e, seus elementos têm uma grande autonomia
(ao menos em nível das aparências).
Do ponto de
vista técnico, o desafio torna-se praticamente impossível. Mas, a fim de
estender a análise, será considerado que se encontre meios de determinar o
nível de demanda solvente, de modo a ser possível fixar a oferta.
A
determinação da oferta em sintonia com a demanda exige não apenas a fixação do
volume total de produção, mas para cada mercadoria individualmente. A
experiência socialista, em uma economia planificada, mostrou o grau de
dificuldade e complexidade desta tarefa.
Em seu modelo
de reprodução ampliada, Marx demonstrou que à satisfação das condições de
equilíbrio, exigia o estabelecimento de um elevado grau de abstração, com
hipóteses extremamente simplificadoras. E, no final das contas, ele foi
obrigado a se desfazer de uma daquelas hipóteses, para que o modelo tivesse solução,
a saber: a inexistência do crédito, isto é, sem o crédito, nem temporariamente,
o sistema apazigua suas contradições.
O controle da
oferta no nível da demanda solvente é simplesmente impossível sob o capitalismo
devido à independência das decisões de produção, tomadas individualmente por
cada empresário. A planificação da produção em cada empresa individualmente só
assume um caráter social a posteriori, no mercado. Desse modo, os interesses
dos empresários chocam-se uns com os dos outros, dado o fato de cada um
solitariamente buscar determinar o seu preço de produção individual num patamar
inferior ao preço de mercado, conhecido ex
post. O meio empregado por cada um, para alcançar seu objetivo, resulta
numa concorrência exacerbada, que por sua vez põe em ação o aumento crescente
da produtividade, do progresso técnico, do volume produzido, do desemprego.
Quanto aos
bens de consumo, além do que já foi mencionado, soma-se um elemento diverso. A
demanda por bens de consumo está diretamente ligada ao poder de compra dos
assalariados, que por sua vez reage inversamente ao aumento da extração da
mais-valia e do desemprego. Então a concorrência e o progresso técnico,
inerentes ao desenvolvimento do capitalismo, vão de um lado contribuir para o
aumento do volume de produção mas, sob a negativa de restringir a demanda, pelo
aumento do desemprego e da queda relativa dos salários.
É igualmente impossível impor comportamentos a
capitalistas ou a grupos de capitalistas na sociedade da “livre empresa”. Se em
cada empresa, dentro dos seus horizontes, cada capitalista organiza e planifica
suas atividades, no conjunto da sociedade essa planificação não existe nem
poderia existir, pois a planificação individual é incompatível com qualquer
planificação geral. Pelo contrário, desenvolve-se a mais selvagem concorrência
entre as diversas empresas (Ribeiro, 2008, p. 122)
Para a
mercadoria-capital, as dificuldades não são diferentes; pelo contrário, dada a
sua natureza. Conforme foi visto, o valor-de-uso da mercadoria-capital consiste
não apenas em manter o seu valor, mais ampliá-lo incessantemente. Além do mais,
a comercialização da mercadoria-capital torna-se função de capitalistas
exclusivos, que vivem em função desta, inseridos na lógica da “livre empresa”.
A
incapacidade de controlar a oferta fica patente quando se nota que nem mesmo o
processo de centralização do capital, reduzindo o volume ofertado em diversos
setores a um número reduzido de empresas, conseguiu sanar o problema. E, isto
se dá pelo fato de mesmo que seja uma ou um ínfimo número de empresas a ofertar
um determinado bem no mercado, facilitando a determinação da oferta em
consonância com a demanda, a lógica norteadora da produção continua sendo a
mesma: a obtenção de lucros, visto que a propriedade dos meios de produção
permanece privada.
A clareza de
Keynes sobre o fato de que qualquer tentativa de controlar a oferta se choca
com a propriedade privada dos meios de produção, conduziu-o a defender a
intervenção direta do Estado sobre a demanda e, não sobre a oferta. Para
Keynes, a política fiscal deveria ser executada por meio de gastos que
resultassem em obras públicas. Embora as obras do governo em infra-estrutura
possam ser consideradas oferta, não se choca, nem interfere, com a oferta das
empresas privadas, ao contrário, a estimula.
3.2) Tentativas de controlar a demanda.
A crise se
apresenta como um problema de subconsumo, mas o curioso é que normalmente na
fase que antecede seu estouro, considerado como o período de “boom”, tem-se
taxa acelerada de acumulação de capital, aumento dos salários, queda do
desemprego e, consequentemente elevação do consumo. Assim, sendo o subconsumo a
causa da crise, o problema poderia ser resolvido com medidas de política
econômica que auxiliassem na elevação do consumo pessoal, do consumo produtivo
ou de ambos.
A tentativa
de elevar o consumo pessoal poderia se pautar por meio de políticas de
distribuição da riqueza, já que a grande massa de consumidores potenciais de
bens de consumo é constituída por trabalhadores assalariados. Contudo tal
medida esbarra no antigo conflito distributivo de aumentar v (capital variável)
em detrimento de m (mais-valia). Sendo, o processo capitalista de produção
concebido com a finalidade de produzir mais-valia, sendo a produção de
valores-de-uso apenas um meio vulgar de alcançar o real objetivo, a política é
inviável ao processo de reprodução e ampliação do capital.
Qualquer
política que acarrete queda da mais-valia e, consequentemente dos lucros,
causará retração dos investimentos e, por conseguinte queda do consumo
produtivo.
Outro meio de
elevar o consumo, consiste em medidas que elevem o consumo dos capitalistas, ou
seja, o consumo produtivo. Considerando que isto ocorrerá através do crédito,
para descartar a idéia já de início que os salários fossem afetados. Esta
medida também não se sustenta por muito tempo, pois à medida que os
capitalistas elevam seu consumo produtivo, fazendo novas inversões, a
tecnologia não se mantém estática. Assim, o progresso técnico, ao elevar a
produtividade do trabalho, culminará, de um lado, num aumento da produção e, de
outro, na queda relativa da parcela destinada aos salários.
Num prazo
médio se volta à situação anterior, mas em um nível mais grave, pelo maior
volume de produção, resultando no “inesperado”, crescimento da oferta, redução
relativa da demanda e, com isso o desestímulo ao investimento, enfim, a crise.
Desta forma,
as tentativas de evitar a discrepância entre a oferta e a demanda não são
passíveis de solução pelo controle desta última. A manutenção da mais-valia, ao
estimular a produção em escala crescente só adia o desequilíbrio, sendo este
patenteado pela reversão de sua trajetória ascendente.
A barreira efetiva da produção capitalista é o próprio
capital: o capital e sua auto-expansão se patenteiam ponto de partida e meta,
móvel e fim da produção; a produção existe para o capital, ao invés de os meios
de produção serem apenas meios de acelerar continuamente o desenvolvimento do
processo vital para a sociedade dos produtores. Os limites intransponíveis em
que se podem mover a manutenção e a expansão do valor-capital, a qual se baseia
na expropriação e no empobrecimento da grande massa dos produtores, colidem
constantemente com os métodos de produção que o capital tem de empregar para
atingir seu objetivo e que visam ao aumento ilimitado da produção, à produção
como fim em si mesma, ao desenvolvimento das forças produtivas sociais do
trabalho. O meio – desenvolvimento ilimitado das forças produtivas sociais – em
caráter permanente conflita com o objetivo limitado, à valorização do capital
existente (Marx, 1894, L-III, V-IV, p. 287/288).
Pode-se
destacar que as tentativas de controlar a demanda já foram empregadas e, o
processo histórico de desenvolvimento no capitalismo demonstrou sua ineficácia
à anulação da tendência à “superprodução”. Tendo o economista John Maynard
Keynes, no período da Grande Depressão diagnosticado o problema do capitalismo
à insuficiência de demanda efetiva, criou um receituário para que o Estado
atuasse no sentido de evitar que tal ocorresse. A atual crise e várias outras
que sucederam a Grande Depressão (anos 70, 80 e 90), elucidam a incapacidade do
Estado de sanar o fenômeno, comprovando que o problema não constitui na solução
apontada por Keynes, mas, mais que isto, no seu diagnóstico sobre qual é a real
causa da crise.
A partir do
exposto pode-se depreender que sob o capitalismo não é possível controlar nem a
oferta, nem a demanda, de modo a mantê-las em níveis compatíveis com o
equilíbrio. Isto ocorre pelo fato, de ambas serem determinadas por forças que
lhe são exteriores e determinam a essência do próprio sistema. Deste modo, a
busca pelos determinantes de causa da crise deve ultrapassar a análise do fato
tal como aparece (oferta maior que a procura).
Pode-se até
acrescentar que o controle da demanda pode ser dado, mas em caráter
estritamente transitório, passageiro; todavia, o controle sobre a oferta é
impossível.
Para além de
um problema de excesso de oferta, a crise no capitalismo é causada pela
contradição existente entre o caráter social da produção capitalista, associado
à apropriação privada dos meios de produção.
Assim, se de
um lado o constante processo de desenvolvimento das forças produtivas, ao
elevar constantemente o processo de divisão social e técnica do trabalho,
especializa a produção, tornando-a crescentemente socializada, de outro lado, o
objetivo da produção no capitalismo não é ampliar a riqueza social, nem tão
pouco suprir as necessidades sociais, mas tão somente produzir lucro. Reduzir o
objetivo da produção à apropriação da mais-valia decorre do fato da propriedade
privada dos meios de produção e isto determinará o movimento do capital:
É próprio do modo de produção capitalista a tendência
para o desenvolvimento absoluto das forças produtivas... Esse movimento tem
como conseqüência tornar cada vez mais social a organização do trabalho e o
próprio processo produtivo. Cada mercadoria produzida quer seja bem de consumo
ou meio de produção, é, cada vez mais, o produto de milhares de trabalhadores
ligados entre si por relações invisíveis, das quais não têm conhecimento. Até
as funções de organização e direção da produção são abandonadas pelo capital e
passam a ser delegadas a novas camadas de assalariados, técnicos das mais
diferentes especialidades, gerentes, diretores, etc. O capital encarna, cada
vez mais, uma forma social formidável, capaz de promover o desenvolvimento
ilimitado das forças produtivas e da produção.
No entanto, todas essas potencialidades não estão
serviço das necessidades sociais. O objetivo da produção capitalista não é
aumentar a riqueza social mas sim produzir lucro (Ribeiro, 2008, p. 132).
Embora a
crise surja como sendo causada por inúmeros desajustes, com teorias diversas
apontando como causa da crise fatores diversos, a saber: desproporcionalidade
entre os diversos ramos, anarquia da produção, subconsumo, excesso de oferta
etc., ela decorre tão somente da contradição entre o caráter social da produção
e a forma de apropriação privada capitalista. “É esta a causa fundamental das crises de superprodução e é por isso que
tais crises são inerentes ao capitalismo, são uma lei econômica desse sistema
(Ribeiro, 2008, p. 133)”. Segundo Marx (1894, L-III, V-IV, p.297) “a taxa de
lucro é a força propulsora da produção capitalista, e só se produz o que se
pode e quando se pode produzir com lucro”.
O objetivo do capital não é satisfazer as
necessidades, mas produzir lucro, alcançando essa finalidade por métodos que
regulam o volume da produção pela escala da produção, e não o contrário. Por
isso, terá sempre de haver discrepância entre as dimensões limitadas do consumo
em base capitalista e uma produção que procura constantemente ultrapassar o
limite que lhe é imanente (Marx, 1894, L-III, V-IV, p. 294).
4- Formas de manifestação da crise atual X formas teóricas de
manifestação da crise em Marx
Como se sabe,
a crise atual eclodiu no sistema financeiro mundial, em conseqüência, mais
precisamente, da insolvência no sistema financeiro norte-americano. Após a
crise imobiliária dos anos 1970-80, o sistema financeiro dos Estados Unidos
encontrou um novo modo de tornar rentável o financiamento de imóveis, que nos
moldes do sistema de poupança tradicional é, de um lado, viabilizado com
passivos bancários de curto prazo (os depósitos de poupança) que financia um
ativo de longo prazo para o banco, a hipoteca, que terá como garantia o próprio
bem, alvo da transação. Nestas condições, as instituições financeiras privadas
não se sentiam estimuladas em atuar no mercado de financiamento imobiliário.
Foi buscando
resolver este entrave que o sistema financeiro norte-americano foi fortemente
modificado, dando origem a um movimento especulativo de proporções
incomensuráveis. Com as mudanças ocorridas, os bancos puderam transformar o
passivo dos clientes (hipotecas) que adquiriam residências em títulos de
elevada liquidez, que eram negociados em todo o sistema financeiro mundial. Não
bastando, a emissão de títulos deixou de estar condicionada à venda de imóveis,
atrelando-se simplesmente a outros papéis, de modo que a riqueza financeira
passou a crescer numa escala muito maior que a riqueza material.
Quando os
mutuários norte-americanos começaram a falhar com os seus pagamentos, ainda em
2006, todas as instituições e pessoas que possuíam algum ativo atrelado ao
financiamento imobiliário foram atingidos. O ano de 2007 assistiu a tentativa
destes investidores financeiros de contornar a situação, buscando livrar-se dos
papéis, transformando-os em dinheiro real, resultando deste movimento coletivo
a crise, que se apresentou com toda a sua força e violência.
A partir do
descrito pode-se identificar, do total de contradições explicitadas no item 2,
no mínimo duas:
A primeira diz
respeito ao dinheiro como meio de pagamento. De acordo com Marx, o dinheiro ao
ser usado como meio de pagamento amplia a contradição VxVU ao levar à
autonomização de D em relação a M, permitindo que circulem mercadorias sem a
necessidade de dinheiro e vice-versa. Para que isto se torne possível para um
agente se faz necessário que outro esteja disposto a vender com promessa de
pagamento e, assim sucessivamente.
Contudo,
embora o uso de “dinheiro ideal” permita uma série de transações que se
constituem em uma cadeia crescente de promessas de pagamento, em algum momento
dinheiro real deve ser atraído à esfera da circulação, sob pena de ser
necessária uma crise para restabelecer as contradições dentro de níveis
aceitáveis, mantendo os contrários no limite da distância permitida.
A outra
contradição, patente nas formas de manifestação que deram origem à crise em marcha,
diz respeito à contradição produção x circulação, denominada de 3ª forma de
manifestação da crise, e a sua ampliação em decorrência do surgimento da
mercadoria-capital e do capital bancário.
A
autonomização da forma D, na esfera da circulação, permitiu à
mercadoria-capital valorizar-se à revelia do processo produtivo. Assim, o
sistema financeiro levou a mercadoria-capital a se valorizar num montante
equivalente a um múltiplo do estoque de riqueza material.
Enquanto este
movimento durou, para os desconhecedores da teoria marxiana, parecia de fato
que o processo de valorização do capital tinha sofrido pleno descolamento do
processo de produção. Mas, sendo o processo de circulação e de produção uma
unidade, em determinado momento a contradição terá que ser restaurada. Foi em
virtude deste processo de valorização descolado da geração de riqueza material,
que ao ser deflagrada a crise, os papéis perderam quase que completamente o
valor que possuíam.
A contaminação
da crise na esfera financeira para a real também denota que os processos de
produção e circulação só estão independentes de forma aparente, estando na
essência intimamente relacionados, tendo em vista à necessidade de ambos à
reprodução do capital.
Antes de
qualquer coisa, o valor das companhias nas bolsas de valores, no mundo inteiro,
sofreu uma grande retração, rompendo a trajetória ascendente, para uma
descendente. Desta forma, impactou o estoque de riqueza das companhias e dos
agentes que possuíam sua riqueza sob a forma de ações e títulos.
Nesta crise o
mecanismo de propagação do fenômeno para o lado real da economia se deu da
seguinte forma: a retração do crédito para a construção civil reduziu o ritmo
de atividade neste setor, o qual já vinha sofrendo desaceleração já em 2006,
antes mesmo da deflagração do colapso, contribuindo inclusive para tal.
Se de um lado
o crédito para a construção caiu significativamente, do outro, nem que os
empresários da construção civil tivessem crédito disponível resolveria o
problema. Com a crise instalada, a reversão do processo de especulação no
mercado imobiliário norte-americano provocou uma queda brusca no preço das
residências, tendo em vista que uma parcela substancial dessa valorização se
devia não há fatores reais, mas meramente especulativos. Associado a isto, a
demanda por imóveis caiu sensivelmente, de forma que a oferta passou a
ultrapassar em número considerável a procura, deprimindo ainda mais o preço das
casas.
O crédito para
o consumidor também foi restringido, bloqueando a possibilidade de rolagem da
dívida, já que os norte-americanos eram totalmente dependentes do crédito, para
rolar a dívida passada e, permitir por meio de mais crédito o consumo presente.
Com a restrição creditícia, caiu sensivelmente o consumo de bens duráveis
(automóveis, eletroeletrônicos, eletrodomésticos etc.).
Com a queda na
demanda, a reação imediata das empresas consiste em reduzir a produção e,
consequentemente o número de empregados, o que por sua vez, maximiza os
impactos negativos sobre a demanda, ampliando-o.
Neste sentido,
é possível denotar mais uma forma de manifestação da crise, a saber: a
contradição entre produção e consumo. De acordo com esta todo consumo no modo
capitalista de produção consiste ao mesmo tempo em produção, em decorrência do
consumo produtivo dos capitalistas resultar na produção de mais mercadorias e
do consumo pessoal dos trabalhadores implicar na produção da mercadoria força
de trabalho. A contradição é denotada em virtude de no consumo produtivo, o
capital produtivo não poder consumir o que produz, nem produzir o que consome,
ocorrendo o mesmo à mercadoria força de trabalho. Em decorrência desta
contradição fica patente que os atos de produção e consumo no capitalismo
exigem medidas e comportamentos exteriores a si mesmos, implicando, necessariamente
em atos a montante e a jusante.
Sendo assim,
em virtude da contradição entre produção x consumo, uma queda no consumo, tem
como efeito inevitável uma queda na produção, tendo em vista o fato de na
essência ambos formarem uma unidade, mas que se repele, se opõe. Por sua vez, e
não sendo diferente, a queda da produção, ocasionará naturalmente a queda do
consumo. Ou seja, da mesma forma, que nas fases de expansão estes dois atos
(produção e consumo) são alimentados de forma conjunta, tendo em vista que um,
implica necessariamente no outro; nas fases de contração, o efeito é o mesmo,
só que às avessas.
A redução na
produção de imóveis e bens de consumo traz outras conseqüências graves, além
das já citadas anteriormente. Como a cadeia produtiva está plenamente
subdividida, a diminuição na produção de qualquer mercadoria, gera uma
diminuição na produção de uma série muito maior de várias outras. Toda a cadeia
produtiva, de insumos e bens de capital, terá suas encomendas reduzidas ou
anuladas e, assim os fornecedores de tais setores também reduzirão o ritmo de
atividade. Desta forma, basta algum tempo para que toda a atividade econômica
sinta os efeitos recessivos do fenômeno.
Como já
mencionado, os atos de produzir e consumir ao formarem uma unidade, levam necessariamente
a um comportamento singular. Da mesma forma, que nas fases de expansão esta
característica figura como algo positivo, pelo efeito propagador que exerce
sobre a atividade econômica, nas fases de retração, este efeito às avessas tem
um elevado custo ao sistema.
O papel do
capital comercial na contribuição do agravamento das contradições tem sido um
pouco menor, em face dos avanços da tecnologia da informação permitir que
indústria e comércio trabalhem de forma extremamente eficiente. As modernas
técnicas de gestão de estoques, associadas aos avanços tecnológicos, permitem a
manutenção de estoques em níveis muito inferiores ao já experimentados pelo
sistema, por exemplo, à época da Grande Depressão de 1929. Contudo, a crise
atual tem se mostrado tão devastadora, que nem mesmo esta melhora significativa
na gestão dos estoques tem evitado seu acúmulo. Várias são as notícias de
quedas acentuadas nas vendas do comércio varejista, das liquidações etc. a fim
de desafogar os estoques antigos, para permitir à continuidade do ciclo, isto
é, as encomendas à indústria.
Deste modo a
modificação na contradição realização x circulação, provocada pelo capital
mercantil, em detrimento da dissociação dos atos realização x circulação, no
tempo e no espaço, também fica patente quando da análise da atual crise. Nem
mesmo a produção atrelada à encomenda tem evitado o problema, em virtude de em
alguns contratos as quantidades encomendadas sofrerem cancelamento após o
fechamento do pedido.
Pelo fato do
movimento de globalização ter dado ao processo de reprodução capitalista um
caráter mundial, de forma que todas as economias capitalistas estão
interligadas, pelo processo de acumulação capitalista em suas 3 formas
(mercadoria, dinheiro e produtiva) em suas 2 esferas (produção e circulação), a
crise também assume um caráter mundial.
Quando os
empresários em cada país agem conforme detalhado anteriormente, empresários de
toda parte do mundo sentem o impacto. As sensíveis quedas registradas nas
exportações e importações da maioria das economias capitalistas, demonstram
como o processo de globalização da acumulação capitalista, teria que
inevitavelmente resultar numa crise também em escala planetária.
Embora o
Capitalismo em sua fase atual possua características que já diferem, em alguns
elementos, daquelas encontradas por Marx, em função do ininterrupto
desenvolvimento das forças produtivas neste modo de produção ser bastante
dinâmico, é impressionante como numa citação de Marx descrevendo a crise de
superprodução é possível encontrar tanta semelhança com a atual crise:
A destruição principal, e de caráter mais agudo,
atingiria os valores-capital, o capital na medida em que configura a
propriedade valor. A parte do valor-capital na forma apenas de direitos a
participações futuras na mais-valia, no lucro, na realidade meros títulos de
crédito sobre a produção em diversas modalidades, logo se deprecia com a queda
das receitas que servem de base para determiná-la. Parte do ouro e da prata em
espécie fica ociosa, não funcionando como capital. Parte das mercadorias que
estão no mercado só pode efetuar o processo de circulação e de reprodução com
enorme contração de preços, portanto por meio de depreciação do capital que ela
representa. Do mesmo modo depreciam-se mais ou menos os elementos do capital
fixo. Acresce que relações de preços determinadas, de antemão estabelecidas,
condicionam o processo de reprodução, e por isso a queda geral de preços
estagna-o e desorganiza-o. Essa perturbação e essa estagnação paralisam a
função de meio de pagamento, exercida pelo dinheiro, ligada ao desenvolvimento
do capital e baseada sobre aquelas relações de preços pressupostas; interrompem
em inúmeros pontos a cadeia das obrigações de pagamento em prazos determinados,
e se agravam com o conseqüente desmoronamento do sistema de crédito que se
desenvolve junto com o capital. Assim redundam em crises violentas, agudas, em
depreciações bruscas, brutais, em estagnação e perturbações físicas do processo
de reprodução e, por conseguinte, em decréscimo real da reprodução (Marx, 1894,
L-III, V-IV, p. 292).
Comparando a
citação anterior com a crise atual, se percebe como a crise de surperprodução
capitalista possui características bem definidas. Veja que a deflagração tende
a ser na esfera financeira e, ao impactar o valor das companhias nas bolsas de
valores, se propaga rapidamente à esfera real. Outra característica
interessante diz respeito ao colapso experimentado pela função de meio de
pagamento do dinheiro e sua propagação por toda a cadeia produtiva e, o desmoronamento
que ocasiona no sistema de crédito.
Conclusão
O presente
artigo, por meio do trabalho de sistematização elaborado por Ribeiro (2008), a
partir da obra de Marx, detalhou acerca das formas de manifestação da crise de
superprodução, a saber: as funções do dinheiro como meio de circulação e meio
de pagamento, que antecedem o próprio modo de produção capitalista; a
contradição entre produção x circulação e a contradição entre produção x
consumo. Além disso, deve-se adicionar o surgimento dos capitais mercantil e
bancário, superdimensionando as contradições anteriormente mencionadas.
Se de um lado
as formas de manifestação em que a crise se apresenta são várias, de outro
lado, o seu conteúdo é sempre o mesmo: uma imensa quantidade de mercadorias, um
grande número de consumidores (considerando o consumo produtivo ou pessoal),
porém barreiras econômicas que impedem o consumo (seja produtivo, seja
pessoal). Uma breve análise da situação atual do capitalismo mundial demonstrou
de forma clara o quadro anteriormente relatado.
Tomando as
formas de manifestação teóricas, elucidadas por Marx, o presente artigo
detectou a presença de praticamente todas estas na crise atual. E, mais que
isto, a citação de O Capital onde Marx descreve a crise de superprodução, deixou
bem claro como a mesma tende a ser deflagrada na esfera financeira, por conta
das características peculiares que possui a mercadoria-capital. A fúria do
capital em valorizar-se e, a facilidade e rapidez com que a mercadoria-capital
possibilita à valorização, gera na esfera da circulação, mais precisamente no
ambiente onde o dinheiro possui movimento autônomo, um ponto de maior
sensibilidade ao sistema.
Mas, embora
haja esta tendência e a repetição do fenômeno tenha o mesmo desenvolvimento,
normalmente, atinge em seu princípio um ramo ou setor determinado o que
facilita, à imprensa, aos políticos e aos acadêmicos ortodoxos, tratá-lo sempre
de forma inédita, como culpa da incompetência humana. Ocorre também, que
normalmente muito próximo do colapso os indicadores econômicos e a atividade
produtiva estão em expansão, de modo que a violência em que a crise chega,
revertendo bruscamente as tendências, facilita tratar-lhe da forma
anteriormente dita.
Sem dúvida, a
preocupação em lidar com a crise de abundância como se fosse um acidente, um
equívoco, esbarra mais uma vez, na questão ideológica. Se todos os indivíduos,
ou pelo menos, parte significativa, soubessem que a crise de superprodução
longe de ser um erro cometido por alguém ou governo, consiste numa lei do modo
capitalista de produção, fruto da sua maior contradição: o caráter social da
produção e a forma de apropriação privada capitalista; certamente teriam
expectativas e comportamentos que não contribuiriam de forma adequada ao
processo de reprodução e ampliação do capital.
Contudo, o
estudo de Marx acerca da questão foi tão preciso, que apesar do desenvolvimento
das forças produtivas sob o Capitalismo ter sofrido muitas modificações ao
longo do último século e início deste, é capaz não apenas de concluir que a
atual crise consiste numa típica crise de superprodução (de capital)
capitalista, mas além disto caracterizá-la dentro da citação de Marx, feita em
um contexto histórico muito distante do presente.
Referências
MARX, Karl. O Capital – Crítica da Economia Política.
Livro I – O processo de acumulação do capital. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1890. Tradução de Reginaldo Sant´Anna.
MARX, Karl. O Capital – Crítica da Economia Política.
Livro II – O processo de circulação do
capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1893. Tradução de Reginaldo
Sant´Anna.
MARX, Karl. O Capital – Crítica da Economia Política.
Livro III – O processo global da produção do capital. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1980. Tradução de Reginaldo Sant´Anna.
MARX, Karl. Teorias da mais-valia – história crítica do
pensamento econômico. Livro IV de O Capital. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1980. Tradução de Reginaldo Sant´Anna.
RIBEIRO, Nelson Rosas. A crise econômica: uma visão marxista.
João Pessoa: Editora Universitária, 2008.
RIBEIRO, Nelson Rosas. A circulação e a reprodução do capital.
Lisboa: Instituto Superior de Economia: AEISEG, 1979.
[1] No
âmbito de um Grupo de Pesquisa em Análise de Conjuntura, a partir da teoria
marxiana.
[2]
Tendo em vista que quase todos os indivíduos no sistema são consumidores em
potencial, efetuando ou o consumo produtivo, ou o consumo pessoal com o
objetivo de realização de necessidades biológicas, espirituais, ou do capital
etc.
[3] É
importante ressaltar que embora se saiba que do movimento M-M até o M-D-M
existe um longo processo histórico de evolução das forças produtivas, onde uma
série de mercadorias assumiram a função de equivalente geral, até se chegar aos
metais preciosos, considerados enfim como dinheiro. Porém, o presente estudo
não ressaltou este aspecto dado o fato de ser desnecessário à sua consecução.
[4] A
passagem da forma M-D-M à forma D-M-D´envolve um longo processo histórico das
forças produtivas e das relações de produção bem como uma modificação substancial
em seu conteúdo, passando M e D apenas a assumirem as formas de existência do
próprio valor. Contudo, para não fugir do seu objetivo o presente estudo não se
deterá à análise do processo de transformação da produção de mercadorias à
produção capitalista de mercadorias.
[5] É
relevante destacar que o capital bancário já existia antes do Capitalismo e
relacionava-se às funções do dinheiro. No Capitalismo além das funções típicas
já assumidas, o capital bancário assume uma série de novas atribuições ligadas
ao aparecimento da mercadoria-capital.
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