1. O Custo Fiscal da Dívida
Ao assumir a presidência da American Economic Association, AEA, no início de
janeiro, Olivier Blanchard escolheu um tema polêmico: o aumento da dívida pública é
realmente um problema? A questão é da mais alta relevância. O aumento da dívida
pública como proporção da renda é quase unanimemente percebido como uma
ameaça à economia e um fardo para o futuro. No Brasil, o déficit público, liderado
pelo seu maior componente, o déficit da Previdência, é considerado o principal
obstáculo a ser superado, sem o que a economia não será capaz de sair do atoleiro
em que se encontra desde 2015.
Apesar da relevância política do tema, o artigo de Blanchard é um trabalho
dirigido ao seus pares da AEA. Como obriga o figurino acadêmico, o argumento é
formulado num modelo matemático. O modelo escolhido é um dos mais utilizados
para estudar questões que envolvem sucessivas gerações. Conhecidos como modelos
de “overlapping generations”, ou de gerações sobrepostas, foram originalmente
introduzidos por Paul Samuelson, num artigo seminal de 1958, para estudar os efeitos
de transferências intergeracionais, como as de um sistema previdenciário repartição,
onde a contribuição dos jovens na ativa financia a aposentadoria dos mais velhos.
Alguns anos depois, Peter Diamond (1965) estendeu a análise de Samuelson para o
caso da dívida pública.
É uma versão do modelo de Diamond que Blanchard adota para analisar a
questão do custo fiscal e de bem-estar da dívida pública. Por custo de bem estar, ou
“welfare costs”, entende-se desvios em relação ao equilíbrio teórico ótimo dos
modelos competitivos. Apesar de conceitualmente instigante e formalmente
sofisticada, a análise dos custos de bem estar tem menos interesse prático do que a
análise dos custos fiscais da dívida. O resultado relevante para as políticas públicas,
aquele que provoca polêmica, é o sobre o custo fiscal da dívida. O que provoca
interesse da mídia e dos analistas financeiros é saber se o déficit público é sustentável,
ou se levará a um crescimento explosivo da dívida.
A resposta não exige que se entre nos detalhes do modelo: se a taxa de juros
da dívida for menor do que a taxa de crescimento da economia, a relação entre a
dívida e a renda irá decrescer, a partir do momento em que o déficit primário - o
déficit que exclui o serviço da dívida - for eliminado. O resultado é trivial e mais
robusto do que parece: independentemente da magnitude dos déficits, da extensão
do período em que há déficits e do tamanho da dívida em relação ao PIB, uma vez
eliminado o déficit primário, se a taxa nominal de juros for menor do que a taxa de
crescimento nominal da renda, a relação dívida/PIB irá decrescer, sem aumento da
carga tributária.
Desde a crise financeira de 2008, a taxa de juros americana tem sido muito
baixa. Blanchard mostra que esta não é uma situação excepcional. Desde o início do
século XIX, a taxa de juros americana foi sistematicamente inferior à taxa de
crescimento. A única exceção foi a primeira metade da década de 1980, durante o
período de Paul Volker na presidência do Fed. As simulações feitas por Blanchard
demonstram que a relação dívida-PIB dos EUA teria sempre decrescido,
independentemente do ano de partida, de 1950 até hoje, uma vez eliminados os
déficits primários. Choques transitórios de altas taxas de juros, como as observadas
nos anos 1980, teriam temporariamente elevado a relação dívida-PIB, mas ela voltaria
a cair. Na ausência de déficits primários, a partir do início das décadas 1950, 1960 ou
1970, a queda da relação dívida-PIB teria sido muito rápida. Blanchard diz que a
queda teria sido “dramática”. Conclui que não teria havido qualquer dificuldade para
a rolagem de uma dívida maior do que a efetivamente observada, que “o custo fiscal
de uma dívida maior teria sido pequeno, ou praticamente nulo”.
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