PUBLICADO EM 01-03-2019
Nesta entrevista, Tania Bacelar, doutora em Economia pela Universidade de Paris I Panthéon-Sorbonne e diretora da Ceplan, faz reflexões pertinentes e sinaliza dias melhores.
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O ano começou com um novo presidente da República e a expectativa de um novo período de crescimento da Economia brasileira após uma histórica recessão. O Brasil tem condições de decolar em 2019?
Para o Brasil, prevalecem previsões de um crescimento modesto para padrões já experimentados pelo país (algo em torno de 2,5%, em 2019). O desafio que será priorizado é o de realizar reformas e isso vai envolver muita energia dos governos e da sociedade, enquanto que os resultados não serão tão imediatos.
Tais fatores, associados a um programa consistente de investimentos, a uma melhoria do quadro fiscal e a uma boa política de atração de capitais privados, sob regras de mercado claras e transparentes, possibilitariam um impulsor de recuperação da economia, com efeitos positivos sobre o mercado de trabalho e a renda das famílias.
Qual sua opinião sobre as primeiras medidas tomadas pelo novo governo?
O primeiro mês terminou com poucas iniciativas relevantes, o que é normal em se tratando de uma fase de instalação e considerando que o processo eleitoral foi atípico (poucas ideias detalhadas). A primeira medida - a flexibilização da posse de armas - vai estimular a produção, aqui e no exterior, mas, com razão, despertou muita polêmica.
Pode estimular a violência e atesta a falta de capacidade do Estado em cuidar da segurança dos cidadãos. Nesse sentido, é um retrocesso. O aumento dado ao salário mínimo, seguindo estritamente a estimativa da inflação foi sintoma do que pode vir a ocorrer na política que define esta variável estratégica da economia nacional para os trabalhadores. A legislação que o define será revista posto que sua vigência expirou e nesta primeira decisão, prevaleceu a preocupação com o impacto fiscal.
Por sua vez, a prorrogação dos incentivos da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – Sudene, foi um primeiro gesto positivo em direção ao Nordeste, assim como a manutenção do Ministério do Desenvolvimento Regional num contexto de enxugamento das estruturas ministeriais. Resta ver qual será a proposta de política de desenvolvimento regional que virá. Finalmente, uma preocupação: economia tem a ver com produtividade cujo fator fundamental é uma boa educação. Nesse aspecto o país não vai bem e, a julgar pelas falas iniciais das autoridades da área educacional, a situação pode piorar.
Ficou um legado dos governos petistas que pode servir de alicerce para o sucesso econômico do novo governo?Penso que a experiência de estimular o consumo popular merece ser analisada e colocada na agenda. O consumo das famílias é o grande motor da demanda interna brasileira mas o dinamismo da renda das classes D e E, facilitado também pelo crédito, foi uma novidade. Dinamizar a renda ao mesmo tempo em que a concentração da renda diminuía – mesmo que modestamente - foi um resultado importante do período petista.
Essa trajetória questionou o DNA brasileiro de fazer a economia crescer concentrando renda, que tende a prevalecer no país. Num próximo momento, seria importante combinar o estímulo ao consumo - associado à melhoria da renda das famílias - com a promoção do investimento, em especial em inovação. Elas não são estratégias excludentes, mas se retroalimentam. O avanço das políticas sociais que vinha do final do século XX e uma conjuntura econômica favorável, ampliou – em especial no início da era petista – o diálogo entre políticas econômicas e políticas sociais e foi, assim, uma herança importante face a tradicional prioridade central ao crescimento econômico.
Essa trajetória questionou o DNA brasileiro de fazer a economia crescer concentrando renda, que tende a prevalecer no país. Num próximo momento, seria importante combinar o estímulo ao consumo - associado à melhoria da renda das famílias - com a promoção do investimento, em especial em inovação. Elas não são estratégias excludentes, mas se retroalimentam. O avanço das políticas sociais que vinha do final do século XX e uma conjuntura econômica favorável, ampliou – em especial no início da era petista – o diálogo entre políticas econômicas e políticas sociais e foi, assim, uma herança importante face a tradicional prioridade central ao crescimento econômico.
A moralização da política com punição de corruptos que atuavam na esfera pública é uma necessidade para a retomada do investimentos estrangeiros ou o interesse no mercado brasileiro é suficiente?Um ambiente de negócios favorável à atração de investimentos estrangeiros inclui baixos níveis de corrupção. Mas a moralização da política é um desafio central, independentemente de sua importância na dinâmica do investimento. É um valor em si.
O Brasil é reconhecido como um lugar importante para investir, tanto que atrai volume significativo de Investimento Direto do Estrangeiro (IDE), mesmo com a dificuldade de enfrentar a questão da corrupção. E são investimentos produtivos, vale a pena destacar, embora muitas vezes se destinem a comprar ativos já existentes.
Apesar de ter experimentado dois anos de forte recessão em ambiente de intensa exposição da questão da corrupção, o país passou de sétimo a quarto país a mais atrair IDE, superado apenas por Estados Unidos, China e Hong Kong, segundo o Relatório Mundial de Investimentos publicado pela Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), em 2017.
O presidente Jair Bolsonaro pode elevar nossa Economia seguindo o estilo Donald Trump ou as diferenças entre o Brasil e os Estados Unidos impedem que isso aconteça?
As diferenças são grandes e o “estilo Trump” está gerando problemas internos, como o impasse gerado pela proposta de construção do muro na fronteira com o México, e externos, a exemplo da guerra comercial com a China.
Os EUA são a maior economia do mundo e detém a moeda hegemônica, ainda. O Brasil não tem esta importância no contexto mundial e tem problemas sérios a enfrentar. Um estilo mais negociador combina melhor com o perfil brasileiro. Bravatas, ao estilo Trump, podem nos custar caro.
O Pré-sal continua a ser um grande ativo para o Brasil? Como o governo pode atrair investidores para exploração desta riqueza?
O mercado do petróleo continua a ser muito importante na economia – e na geopolítica – mundial e o Brasil tem no Pré-sal um ativo inestimável. Os investidores estão ávidos depois da mudança no regime de exploração. O complexo Petróleo & Gás é um dos focos do bloco de investimentos a se realizar no país.
Trazer investidor para ele não é problema. O debate é mais instigante: o que queremos que fique para a sociedade brasileira no futuro, resultante da exploração desta riqueza não renovável, num ambiente mundial e nacional no qual a energia baseada nos fósseis perde peso para outras formas de geração?
E, por falar nelas, Pernambuco, atualmente, conta com investimentos importantes em energias limpas e renováveis e com um parque tecnológico de destaque que é o Porto Digital. É possível, portanto atrair os investimentos relacionados a cadeias tradicionais, como a de Petróleo & Gás e, ao mesmo tempo, investir nas atividades que marcarão o século 21, patrocinando a transição econômica do Estado.
O Brasil é reconhecido como um lugar importante para investir, tanto que atrai volume significativo de Investimento Direto do Estrangeiro (IDE), mesmo com a dificuldade de enfrentar a questão da corrupção. E são investimentos produtivos, vale a pena destacar, embora muitas vezes se destinem a comprar ativos já existentes.
Apesar de ter experimentado dois anos de forte recessão em ambiente de intensa exposição da questão da corrupção, o país passou de sétimo a quarto país a mais atrair IDE, superado apenas por Estados Unidos, China e Hong Kong, segundo o Relatório Mundial de Investimentos publicado pela Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), em 2017.
O presidente Jair Bolsonaro pode elevar nossa Economia seguindo o estilo Donald Trump ou as diferenças entre o Brasil e os Estados Unidos impedem que isso aconteça?
As diferenças são grandes e o “estilo Trump” está gerando problemas internos, como o impasse gerado pela proposta de construção do muro na fronteira com o México, e externos, a exemplo da guerra comercial com a China.
Os EUA são a maior economia do mundo e detém a moeda hegemônica, ainda. O Brasil não tem esta importância no contexto mundial e tem problemas sérios a enfrentar. Um estilo mais negociador combina melhor com o perfil brasileiro. Bravatas, ao estilo Trump, podem nos custar caro.
O Pré-sal continua a ser um grande ativo para o Brasil? Como o governo pode atrair investidores para exploração desta riqueza?
O mercado do petróleo continua a ser muito importante na economia – e na geopolítica – mundial e o Brasil tem no Pré-sal um ativo inestimável. Os investidores estão ávidos depois da mudança no regime de exploração. O complexo Petróleo & Gás é um dos focos do bloco de investimentos a se realizar no país.
Trazer investidor para ele não é problema. O debate é mais instigante: o que queremos que fique para a sociedade brasileira no futuro, resultante da exploração desta riqueza não renovável, num ambiente mundial e nacional no qual a energia baseada nos fósseis perde peso para outras formas de geração?
E, por falar nelas, Pernambuco, atualmente, conta com investimentos importantes em energias limpas e renováveis e com um parque tecnológico de destaque que é o Porto Digital. É possível, portanto atrair os investimentos relacionados a cadeias tradicionais, como a de Petróleo & Gás e, ao mesmo tempo, investir nas atividades que marcarão o século 21, patrocinando a transição econômica do Estado.
Os investimentos que mudaram o perfil econômico de Pernambuco na última década podem naufragar pela falta de sinergia política entre o governo estadual e o federal?
A articulação política entre o governo estadual e federal conta muito no Brasil. O ciclo exitoso recente de Pernambuco teve por trás a sinergia entre Lula e Eduardo Campos, sem dúvida. Os tempos são outros e a construção de novas sinergias é um desafio importante.
As orientações e escolhas estratégicas do novo governo federal para o Nordeste ainda não estão claras. Importante atuar para defini-las. Nesse contexto, a proatividade das lideranças políticas, empresariais, científicas e da sociedade pernambucana é fundamental neste momento.
O que Pernambuco precisa fazer, de imediato, para voltar a gerar empregos e recuperar os investimentos recebidos em Suape?
Gerar empregos é um desafio central em Pernambuco. A crise recente impactou fortemente o mercado de trabalho estadual. A taxa de desemprego explodiu no Estado, chegando a cerca de 18% - bem acima da média nacional.
Na Região Metropolitana do Recife (RMR) ela é ainda maior. Além disso, as novas bases da economia do século 21 estão revolucionando o mercado de trabalho. O que amplia o desafio a enfrentar, posto que “receitas tradicionais” tendem a não ser tão efetivas como foram no passado. Portanto, este desafio merece tratamento prioritário.
As cadeias produtivas implantadas em Suape, por exemplo, têm potencial para serem completadas e dinamizadas, notadamente as dos segmentos petroquímico e de petróleo e gás. São investimentos de grande porte conquistados pelo Estado e com capacidade de gerar desdobramentos, e inclusive de gerar receitas significativas para o Governo.
Mas há outras. Ao mesmo tempo, a economia criativa mobiliza muita gente - já viram a equipe de produção de um filme, por exemplo? Complexos logísticos idem, o turismo e os serviços educacionais e de saúde – imaginem o movimento de trabalhadores num hospital, e outros serviços modernos. Portanto, há muito a fazer e os resultados não serão imediatos.
Quais as saídas para o restabelecimento da imagem do Estado como locomotiva do Nordeste?
Não gosto dessa imagem de “locomotiva”, pois o trem da economia pode ser estimulado por várias iniciativas e portanto por várias “composições” e não apenas por uma locomotiva. O Nordeste, embora tenha elementos semelhantes na sua base natural e na sua estrutura produtiva, é uma região portadora de grande diversidade.
Esse mosaico de potenciais é que tem que ser o lastro de uma proposta para seu desenvolvimento e Pernambuco espelha bem esta ideia. Seu tecido econômico atual já expressa o potencial que lastreia nossa rica diversidade. Por seu lado, a imagem de um estado sintonizado com as tendências da economia do século 21 também dialoga com Pernambuco e ela deve ser reforçada.
Qual sua expectativa do novo governo concluir obras regionais como a Transposição do São Francisco, a ferrovia Transnordestina e a recuperação de estradas e ferrovias?
A agenda de investimentos em infraestrutura econômica, cujos exemplos estão na pergunta, estará na ordem do dia brasileiro e pernambucano. E considero que uma diretriz central é a de priorizar concluir o que se começou. A sociedade não suporta mais o cenário de “obras inacabadas”, que atestam falhas de planejamento, decisões espúrias ou simples incompetência...
Ao mesmo tempo, vamos precisar discutir novos modelos de financiamento dos projetos de infraestrutura econômica. A crise fiscal e a necessidade de patrocinar outros tipos de investimento deixam claro que o modelo de financiamento exclusivamente público que prevaleceu no século 20 não será mais hegemônico. Os modelos e formatos de articulação entre entes públicos e privados é o novo desafio, e o Brasil tem pouca experiência neste campo. Temos muito a aprender com outros países.
Em Pernambuco, ficamos meio 'travados' por conta de experiências pouco exitosas de Parcerias Público-Privadas, mas outros estados avançam. É importante aprender com o que fizemos e seguir em frente. Pela orientação do novo Governo Federal este debate será inevitável. Pernambuco e o Nordeste precisarão ousar, pois as abordagens tradicionais tendem a nos ser desvantajosas.
A maior densidade econômica das áreas mais ricas do país tende a viabilizar melhor os investimentos e um novo ciclo concentrador pode operar. Por sua vez, uma nova agenda de prioridades precisa ser discutida, com visão estratégica e considerando as tendências da economia do século 21. Isso remete, por exemplo, a projetos não citados na pergunta, mas estratégicos para Pernambuco.
Dou o exemplo do “Arco Metropolitano”. Como viabilizá-lo? Ele interessa a muitos empreendedores, poderia dar vida a novos potenciais do território que o abrigará e teria efeitos sociais importantes. A mobilidade na RMR, hoje, torna difícil a vida de muita gente. E a expansão da infraestrutura de fibra ótica, qual a prioridade que vai merecer? Como articulá-la à melhoria da educação e da pesquisa, à elevação da produtividade de nossos serviços... e tantos outros impactos? Passo estratégico foi dado nesse sentido. É importante ousar mais!
FOLHA DE PERNAMBUCO
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