ARTIGO:
Capitalismo, imperialismo,
movimentos sociais e
lutas de classes
A própria definição de capitalismo precisa ser permanentemente relembrada
de forma a não se tornar uma espécie de palavra crispada, congelada, coisificada e
ossificada. Capitalismo costuma ser pensado como uma “economia” descarnada
pelos próprios capitalistas, que eliminam as relações sociais, ou humanas, de seu horizonte de cálculo.
Ora, capitalismo é uma relação de produção e reprodução da
vida social baseada em classes sociais. Não se define simplesmente por uma relação
contratual de trabalho, ainda que nele as relações sociais tendam a assumir a forma
jurídica; também não se limita a uma espiral acumulativa de riquezas, mesmo se o
impulso à acumulação de capitais e à sua concentração são traços fundamentais;
também não se define pelo predomínio do mercado, apesar de ser a forma social
de produção mais extensamente baseada na produção de mercadorias. Qualquer
dominação de classes depende da exploração do sobretrabalho da maioria da
população por uma classe que controla as condições sociais da produção.
A maneira
histórica e peculiar ao capitalismo reside na exploração de trabalhadores
formalmente livres. Essa “liberdade” resulta da expropriação da maioria da população
das condições de assegurar a própria subsistência e é ela, portanto, que assegura a
permanente conversão da força de trabalho em mercadoria.
A expropriação foi
condição para o surgimento do capitalismo e iniciou-se, sobretudo, através da
expulsão dos camponeses, algo de que todos nos lembramos.
Acostumamos a designar esse processo de expropriação dos trabalhadores
como acumulação “primitiva”, esquecendo-nos de que ele precisa ser não apenas
conservado como também reproduzido em escala sempre crescente.
Essa dificuldade
é compreensível, uma vez que os ideólogos do capital, assim como os meios de
comunicação crescentemente monopolizados, apresentam- nos o capital como se
fosse uma “coisa”, traduzível num complexo de unidades fabris (quando do
predomínio do capital industrial) ou, em sua versão mais fetichista, como a pura
propriedade de capital sob forma monetária (mais característico dos tempos atuais).
Fica cuidadosamente oculto o fato de ser, acima de tudo, uma maneira permanente
de expropriar os trabalhadores e de disponibilizá-los para a produção de mais-valor, base efetiva do lucro capitalista. Por isso, precisamos relembrar sempre que
capital e capitalismo não são apenas um modo de produzir bens ou de acumular
riquezas, mesmo se a relação social de exploração do trabalho – extração do
sobretrabalho – ocorra através da produção de bens e objetive acumular riquezas.
Capital e capitalismo não admitem uma única forma jurídica da defesa da
propriedade: conquanto a garantia da propriedade seja um de seus elementos
fundamentais, sua forma jurídica pode conter extrema elasticidade. O capitalismo
somente pode ser compreendido pelas relações sociais que engendra, reproduz e
aprofunda.
Marx apresentou o processo da expropriação de maneira muito precisa,
enfatizando exatamente esse duplo caráter de movimento inicial e de base social
permanente para a reprodução capitalista:
Dinheiro e mercadoria, desde o princípio, são tão pouco capital
quanto os meios de produção e de subsistência. Eles requerem
sua transformação em capital. Mas essa transformação mesma
só pode realizar-se em determinadas circunstâncias, que se reduzem ao seguinte: duas espécies bem diferentes de possuidores
de mercadorias têm de defrontar-se e entrar em contato; de um
lado, possuidores de dinheiro, meios de produção e meios de subsistência, que propõem a valorizar a soma-valor que possuem
mediante compra de força de trabalho alheia; do outro lado,
trabalhadores livres, vendedores da própria força de trabalho e,
portanto, vendedores de trabalho. Trabalhadores livres no duplo
sentido, porque não pertencem diretamente aos meios de
produção, como os escravos, os servos etc., nem os meios de
produção lhes pertencem, como, por exemplo, o camponês
economicamente autônomo etc., estando, pelo contrário, livres,
soltos e desprovidos deles. Com essa polarização do mercado
estão dadas as condições fundamentais da produção capitalista.
A relação-capital pressupõe a separação entre os trabalhadores
e a propriedade das condições da realização do trabalho. Tão
logo a produção capitalista se apóie sobre seus próprios pés,
não apenas conserva aquela separação, mas a reproduz em
escala sempre crescente. Portanto, o processo que cria a relação-capital não pode ser outra coisa que o processo de separação
do trabalhador da propriedade das condições de seu trabalho,
um processo que transforma, por um lado, os meios sociais de
subsistência e de produção em capital, por outro, os produtores
diretos em trabalhadores assalariados. A assim chamada acumulação primitiva é, portanto, nada mais que o processo histórico
de separação entre produtor e meio de produção (MARX, 1985,
p.262)
É esse cerne social fundamental que se expande para assegurar a extração
do sobretrabalho sob o capitalismo. É a partir dele que se geram as formas específicas
de sociabilidade e de subjetividade sob o capitalismo, é a partir dele que a ideia de
uma natureza humana de cunho mercantil se implanta como uma segunda pele.
Os trabalhadores precisam vender sua força de trabalho, sua capacidade ativa,
para assegurar sua subsistência. Tal necessidade e premência, por parte dos
trabalhadores, jamais teve como contrapartida o acesso das massas expropriadas a
contratos regulares de trabalho. Ao contrário, o direito ao trabalho permanece uma
fala retórica, uma vez que a dominação propriamente econômica do capital tem
como ponto de partida essa forma social de expropriação, apresentada como
“libertação”. A sede de disponibilização de trabalhadores para o capital é inesgotável,
e estes se encontram em situação de maior ou menor concorrência entre eles no
mercado. Esse é o ponto crucial da dominação capitalista.
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