Resumo:
Este texto analisa a economia marxista a partir da perspectiva de Domenico
Losurdo, destacando sua crítica ao liberalismo, ao “marxismo ocidental” e às
interpretações despolitizadas do pensamento de Marx. Ao mobilizar uma vasta
gama de obras e intervenções de Losurdo, demonstra-se como o autor reconstrói o
materialismo histórico a partir da centralidade da luta de classes, da crítica
ao imperialismo e da revalorização das experiências revolucionárias do século
XX, especialmente a Revolução Russa e a Revolução Chinesa.
Palavras-chave: Domenico Losurdo; economia marxista; luta de classes; liberalismo; marxismo ocidental; imperialismo.
Introdução
A obra de Domenico Losurdo (1941–2018) constitui uma das mais importantes tentativas contemporâneas de revitalizar o marxismo como teoria crítica da economia, da política e da história. Em contraposição ao que denomina de “marxismo ocidental”, marcado por um distanciamento das experiências revolucionárias e uma adesão idealista à crítica cultural, Losurdo propõe uma reinterpretação militante do pensamento de Marx, assentada no vínculo entre economia política, luta de classes e construção histórica da liberdade.
Este texto tem por objetivo apresentar os fundamentos da economia marxista segundo Domenico Losurdo, tendo como eixo a crítica ao liberalismo, a revalorização da história do comunismo e a rearticulação entre teoria e práxis.
A economia política como crítica: Marx contra o mito liberal
Segundo Losurdo, o núcleo da crítica marxista à economia capitalista reside no desmascaramento do universalismo abstrato da ideologia liberal. Em “Contra-história do liberalismo”, o autor revela que a liberdade burguesa foi, desde o século XVIII, inseparável da escravidão colonial, da expropriação camponesa e da dominação racial. A “mão invisível” do mercado, em vez de ser um mecanismo neutro de alocação de recursos, serviu de instrumento para a consolidação de uma ordem hierárquica global.
Dessa forma, a economia marxista — enquanto crítica da economia política — busca historicizar as categorias fundamentais do capital (trabalho, mercadoria, valor, acumulação), desvelando nelas os mecanismos de exploração de classe e de reprodução da desigualdade social.
Luta de classes e totalidade: repensando a economia marxista
Em “A luta de classes: uma história política e
filosófica”, Losurdo propõe uma ampliação radical da categoria de luta
de classes, incluindo não apenas a relação entre capitalistas e proletários,
mas também as múltiplas formas de dominação nacional, colonial e racial. Para
ele, a luta de classes é uma categoria “analítica e normativa”, que permite
compreender a articulação entre o econômico, o político e o ideológico.
A economia marxista, nesse sentido, deve ser entendida como uma crítica da totalidade capitalista, onde a produção material está entrelaçada com a reprodução das relações de dominação globais — o que explica a ênfase de Losurdo no papel do imperialismo na expansão do capitalismo mundial, como discutido em “Guerra e Revolução”.
O "marxismo ocidental" e a dissociação entre economia e política
Losurdo critica duramente o que denomina de “marxismo ocidental”, abordado em sua obra “O marxismo ocidental: como nasceu, como morreu, como pode renascer”. Para ele, autores como Adorno, Althusser e até mesmo Gramsci, em certas fases, afastaram-se da crítica econômica marxista ao focarem exclusivamente na superestrutura ou na filosofia. Esse deslocamento implicou um abandono da análise concreta da economia capitalista e, com isso, da possibilidade de transformá-la por meio da luta revolucionária.
Ao contrário, Losurdo insiste na centralidade da análise econômica e da luta de classes como fundamentos de qualquer projeto marxista coerente. Ele aponta que o abandono da economia marxista por esse campo teórico foi acompanhado por uma recusa das experiências históricas do socialismo real, o que o autor busca corrigir em obras como “Fuga da história?" e "Stálin: história crítica de uma lenda negra”.
A história como laboratório da crítica econômica: Revoluções e socialismo
Em “Marx e o balanço histórico do século XX" e "Fuga da história?”, Losurdo argumenta que as experiências revolucionárias do século XX — especialmente a Revolução Russa e a Revolução Chinesa — devem ser compreendidas como tentativas históricas de construção de uma nova economia política, fundada na planificação, no fim da propriedade privada dos meios de produção e na superação do trabalho alienado.
Essas experiências não são vistas por Losurdo como "fracassos morais", mas como episódios complexos de luta pela emancipação social em condições históricas extremamente adversas. A crítica à economia capitalista passa, portanto, pela valorização do socialismo histórico como parte do processo de negação determinada da ordem burguesa.
Conclusão: Por uma economia marxista integral
A leitura de Domenico Losurdo oferece uma potente reatualização da economia marxista. Contra as tendências fragmentárias e culturalistas, ele resgata a unidade entre economia, política e ideologia, reafirmando a luta de classes como eixo da análise crítica. Sua contribuição reside em articular a crítica da economia capitalista com uma leitura histórica concreta das revoluções, das contradições do liberalismo e da permanência do imperialismo. Em tempos de crise sistêmica do capitalismo global, sua obra permanece como um convite à refundação do marxismo como prática teórica e política.
Referências
LOSURDO, Domenico. Contra-história do liberalismo. Marília: Idéias e Letras, 2006.
LOSURDO, Domenico. A luta de classes: uma história
política e filosófica. Boitempo Editorial, 2015.
LOSURDO, Domenico. Fuga da história?:
a Revolução Russa e a Revolução Chinesa vistas de hoje. Revan, 2004.
LOSURDO, Domenico. Marx
e o balanço histórico do século 20. São Paulo: Fundação Maurício Grabois–Anita Garibaldi, 2015.
LOSURDO, Domenico. Stálin:
história crítica de uma lenda negra. Revan, 2010.
LOSURDO, Domenico. O marxismo ocidental: como nasceu, como morreu, como pode renascer. Boitempo Editorial, 2019.
LOSURDO, Domenico. Guerra e revolução:
o mundo um século após outubro de 1917. Boitempo Editorial, 2017.
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