quinta-feira, 4 de junho de 2015

erro extraordinário de política econômica levou o país a crise, diz Schwartsman

A indústria brasileira é o setor que mais tem sentido os ajustes fiscais e a crise da economia em 2015. De acordo com a Pesquisa Industrial Mental do IBGE, divulgada nesta semana, a produção industrial acumula redução de 6,3% no primeiro quadrimestre do ano. Em abril, o recuo foi de 1,2% somente no mês de abril – a terceira retração do ano.

Para o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, a indústria é o setor mais sensível ao reajuste de impostos e serviços, como a energia elétrica. 


O economista projeta uma retração na Produto Interno Brasileiro de até 2%. Neste cenário de ajustes fiscais, a recuperação só será iniciada  no ano que vem. “Há possibilidade de recuperação, mas algo para 2016 ou 2017. Neste ano caminhamos para uma contração”, analisa o economista.

Nesta entrevista, Schwartsman traça um panorama sobre o cenário ainda nebuloso da economia brasileira neste ano. O economista detalhará a análise em palestra durante o seminário Motores do Desenvolvimento, na próxima segunda-feira (8), no Versailles Recepções.

Como poderíamos avaliar o ano de 2015 para a economia brasileira?
É um ano difícil. Há um ajuste a ser feito, uma inflação alta, um déficit externo a ser corrigido. Não é algo que vai acabar rapidinho. A ideia que em um ou dois trimestres as coisas ficam fáceis é um excesso de otimismo. Há possibilidade de recuperação, mas algo para 2016 ou 2017. Neste ano caminhamos para uma contração – é consenso de mercado. Estamos caminhando para uma contração de pouco mais de 1%, e eu fico com algo mais pessimista, -1,5% ou -2%. Como vai se comportar é que vai contrair mais forte no primeiro semestre e no segundo a coisa mais ou menos se estabiliza, mas não dá para chamar isso de recuperação.

Quem mais sofreu neste primeiro semestre?

Provavelmente a indústria, pois tipicamente é mais sensível ao ciclo econômico que os demais. Na recuperação a indústria deve sair um pouco melhor no segundo semestre, com câmbio mais fraco. Mesmo num cenário de perdas de preço, ainda é o agronegócio quem tem possibilidade de uma recuperação melhor. É um setor que consegue aguentar um pouco melhor.

Alguns setores que se beneficiam diretamente da alta do dólar terão mais facilidade para se recuperar, como é o caso dos serviços?
É, a priori sim. É uma razão, mas há outros determinantes, não é só câmbio, não é só renda. Como a inflação está muito alta, isso come bastante o salário. Por outro lado, com o mercado de trabalho teve uma alta do desemprego. Concomitante, esses trabalhadores estão perdendo a capacidade de pedir o aumento de salário – eles estão aumentando, mas a um ritmo muito menor. Ou seja, há uma perda real da renda, o que não colabora para o consumo de maneira geral.

O RN teve o maior corte de empregos no ano, segundo a PNAD contínua. Podemos esperar um cenário de continuidade de cortes?
Nas minhas projeções, a taxa de desemprego sobe para algo entre 6,5 e 7%, bem maior do que a registrada nos últimos anos. O que se espera na perda do PIB resulta no corte de empregos, além do próprio crescimento populacional. Então, no conjunto da obra, é isso o que indica. Há dez anos tínhamos um desemprego de 10% a 12%, mas não vai ser tão brilhante nos últimos dois ou três anos.

A construção civil é a mais afetada?

Ah, sim, certamente. É que ela não é a maior empregadora, mas é um setor que se beneficiou muito nos últimos anos, mas que começa a desacelerar. A gente vê isso nos últimos dados de emprego formal, do Caged, em que a construção civil perdeu 77 mil postos de trabalho. Perdeu mais que a indústria, proporcionalmente mais importante.

A construção civil ficou refém destes programas?

Isso colaborou, mas não foi só isso. Você teve os programas governamentais, mas teve um impulso muito grande da própria refundação do mercado hipotecário no Brasil. Há dez anos, a gente refez a parte de hipotecas no país, criou a alienação fiduciária. Então, os bancos poderiam emprestar porque os imóveis tiveram uma garantia. Mas o efeito disso acabou, você saiu de uma situação que não tinha crédito, que ganhou um gás grande, mas isso acabou. Então há um esgotamento natural do ciclo mais os programas governamentais reduzido.

Quais fatores foram decisivos para criar o cenário de crise no Brasil?
Um erro extraordinário de política econômica. A gente errou bastante no modelo de crescimento escolhido em 2010. Um governo que seguiu gastando sem saber, desprezou o risco inflacionário e começou a segurar tarifas, o que gerou problema na Petrobrás, nas distribuidoras de energia, e teve que soltar agora os ajustes de uma vez. Ele deveria ter começado o processo de ajuste há quatro anos: se tivesse trazido a inflação para baixo, reduzido a influência no câmbio a gente não estaria na situação que estamos aqui. Se percebeu claro, no ano passado, era perceptível que a coisa tinha dado errado, isso obviamente agravou a situação. Ficamos sem alternativa. Estávamos dirigindo um carro que ia na direção do muro. Agora nós estamos muito pertinho do muro, então a curva vai ter que ser muito mais forte. Nós perdemos quatro anos vivendo uma ilusão.

É possível ter a recuperação somente com controle dos gastos públicos?
É o que precisa, mas não vai acontecer. É só olhar o que está na promessa de ajuste fiscal. Quando você olha os detalhes da coisa vai ver que não tem corte de gastos coisa nenhuma, mas um bruto aumento de impostos. Para variar, quem vai pagar a conta por nós., não é o governo quem vai diminuir de tamanho. A gente tem uma expansão grande ainda nos gastos obrigatórios do governo. O que ele está segurando são os gastos discricionários.

O que são esses gastos?

São aqueles onde o governo ainda tem algum poder de controle. A previsão de gastos no Brasil estava em torno de R$ 1,2 trilhão. Destes, algo em torno de R$ 900 bilhões são gastos obrigatórios, e R$ 300 bilhões são discricionários. Obrigatório é funcionalismo, saúde, educação, previdência. Estes você não consegue mexer. Há os investimentos, que são discricionários, algum onde o governo tem controle. Ou seja, do que estava previsto no orçamento você não mexe. O problema é que o obrigatório vem crescendo e crescendo bastante em comparação ao ano passado, então você basicamente segura o investimento.  Se está segurando alguns programas é o que dá para segurar, mas o resto não. E como fica o conjunto da obra? Estamos gastando mais neste ano do que nos últimos 20 anos.

Como reverter esse crescimento?

O gasto obrigatório está inscrito no sistema legal do país. Então você não tem flexibilidade para mexer nisso de uma hora para outra, precisa criar normas para controlar esses gastos. Por exemplo, o gasto previdenciário está ligado, principalmente, à evolução do salário mínimo. Então você cria uma regra que dá aumentos reais de salário mínimo todos os anos, você está aumentando o gasto previdenciário, não tem o que fazer. Você não vai ter efeito neste ano, mas nos três, quatro próximos anos. 

Recentemente, o ministro da China anunciou investimentos em infraestrutura no Brasil. Os acordos internacionais são soluções?
Veja. O que o primeiro ministro da China disse é que vão estudar algo, não há nada concreto. E achar que o cara vem aqui para investir R$ 50 milhões no Brasil, o próximo na linha é o papai noel. Seria ótimo se o gringo viesse investir, só que não vai acontecer. 

Parceria com a iniciativa privada é uma solução?

Sim, sem dúvida. Acho que a solução passa pelo regime de concessões para o setor privado. Isso não quer dizer que seja o chinês ou o americano, pode ser o brasileiro. Mas você precisa criar condições para que as pessoas se interessem. Veja, nós temos uma carência de infraestrutura. Quando as coisas faltam, elas são caras, então ela é cara. Basicamente lei de oferta e demanda, é preciso aceitar como um fato da realidade. Depois, é preciso permitir que isso se reflita nas taxas de retorno dos investimento em infraestrutura, não é possível ficar tabelando.  É preciso um regime de concessões que permita, por meio da competição, ter um retorno para investimento. O modelo atual não tem gerado uma bruta onda de investimento. A concessão dos aeroportos é um exemplo claríssimo, não teve nenhum peso pesado levando Guarulhos ou Brasília, todo mundo foi primeira ou segunda divisão. 

Há espaço para o empreendedor se reinventar neste ano?
Sempre há. Quando falamos em macroeconomia nós falamos em uma média. Claro que tem gente que vai estar pior, melhor ou na média. Por exemplo, estava tendo uma retração grande na venda de automóveis, mas no caso de certos automóveis há fila para comprar. Sempre vai ter alguém com produto bacana, uma sacada legal, é isso que mexe com o capitalismo. Mesmo em ambiente recessivo há espaço para se reinventar. Claro que não todo mundo, porque senão não seria recessão.

Quem é
Alexandre  Schwartsman é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (EUA) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central. Convidado para o seminário Motores do Desenvolvimento, palestrará sobre “Turismo como negócio: perspectivas e desafios do setor no contexto econômico nacional”. 


TN

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