sábado, 8 de agosto de 2015

Quilombolas de Portalegre e o RN Sustentável

Ney Douglas/NJ
Ubirajara Bessa e as integrantes do grupo de dança de São Gonçalo: cantos, batuques e dança em homenagem ao santo homônimo da igreja e ao Preto Velho
Ubirajara Bessa, morador de uma comunidade quilombola, no seio seco do sertão, conhece bem a realidade de seu povo. Aos 38 anos de idade, já viu muitos parentes e amigos seguirem o êxodo em direção as cidades, mas suas raízes foram fincadas no solo da comunidade Pêga, em Portalegre, pela arte. E é através dela que ele sonho alto. “Queria ver as pessoas que já foram embora daqui, voltando. E os jovens, ficando”. 

Há mais de 20 anos, Ubirajara acompanha as senhoras do grupo de dança de São Gonçalo - que homenageia o santo homônimo para a Igreja Católica e o Preto Velho no Candomblé. É ele que conduz toda a dança, marcada pela voz forte das mulheres e pelo batuque da percussão. “Se os jovens continuarem indo embora de nossa comunidade, a nossa tradição vai se perder. Está nas mãos deles continuar o que a gente vem fazendo”, afirmou, destacando [que] a situação atual é preocupante. 

Quando rapazes e moças completam entre 14 e 15 anos, eles saem da comunidade, fugindo da lida no campo e buscando um futuro melhor. E esta partida, afirmou, é vista como algo bom, quando na verdade representa um caminho que pode levar ao fim [d]a cultura herdada dos antigos escravos. “O bom mesmo seria se eles pudessem ficar e manter a nossa cultura preservada”, pondera. 

A principal fonte de renda na região é a agricultura, fortemente comprometida pela falta de chuvas registrada nos últimos três anos. No momento, o êxodo parece ser a única saída para uma vida melhor, mas o desejo de Ubirajara em manter a juventude no campo para preservar as tradições começa a ganhar ares de realidade.  

A partir do projeto RN Sustentável, que deve beneficiar 12 comunidades quilombolas já no próximo ano, pode-se alcançar o tão sonhado desenvolvimento sustentável. 

Das 29 comunidades quilombolas que manifestaram interesse, 10 foram contempladas para o edital 1, para projetos socioambientais e duas foram beneficiadas no edital 2, de economia solidária. 

A comunidade do Pêga não será beneficiada nesta primeira leva, mas a coordenadora do programa financiado pelo Banco Mundial, Ana Guedes, explicou que será feito um trabalho social com as comunidades quilombolas para que se enquadrem nos próximos editais. 

“Nós vamos fazer um trabalho de consultoria com estas comunidades que não foram contempladas desta vez, traçando um diagnóstico e elaborando um projeto melhor para que seja contemplado no próximo edital”, afirmou Ana. 

Foram priorizados os projetos de desenvolvimento econômico que estavam diretamente vinculados as tradições quilombolas, como é o caso da Associação Quilombola Negros Felicianos do Alto, também localizada no município de Portalegre, na região do Alto Oeste. 

A entidade teve seu reconhecimento e certificação, pela Fundação Palmares, como Comunidade Quilombola em 2007 e desenvolve atividades com artesanato em tecido e manifestações culturais de matriz africana. A partir do RN Sustentável, dentro do projeto aprovado no edital de Economia Solidária, deve receber um investimento máximo de R$ 280 mil. 

Os recursos devem viabilizar a aquisição de equipamentos para ampliar o artesanato em tecido, fabricação de lingeries, bem como a criação de marca com identidade afro para o grupo de mulheres “As Amélias”

E mesmo não tendo sido contemplado desta vez, Ubirajara pode ficar tranquilo.

Cultura preservada

Na luta pela preservação da cultura afro e suas danças – capoeira, maculelê, manero pau, puxador de rede – também está o técnico de enfermagem Antônio Calisto da Silva ou monitor Golinha, como é mais conhecido.

Ele, como tantos outros nascidos em comunidades rurais, teve que partir para a cidade em busca de um meio de vida. Deixou a comunidade Angado aos 14 anos de idade. Agora, porém, com profissão e salário fixo, fez o caminho de volta com a mala cheia de força de vontade e de identidade cultural. 

Por incrível que pareça, ele descobriu a capoeira fora da comunidade quilombola e, a partir dela, relata, descobriu o mundo. Com a dança já visitou mais de seis estados brasileiros. Hoje, ele coordenada a Associação Acorda Capoeirista, e dá aula de danças afrodescendentes para cerca de 160 jovens. 

“Nós precisamos resgatar as raízes do povo, a partir de nossos jovens. E, além disso, a arte é uma forma de retirar os nossos jovens do mundo das drogas e da criminalidade”, reforçou. Num longo prazo, ele espera ver os seus alunos disseminando – assim como ele faz – a cultura de seu povo mundo a fora. 

Mais que isso, ele espera que o RN Sustentável possibilite a geração de renda dentro da própria comunidade, de modo que ninguém precise mais sair para as cidades em busca de dignidade. “Eu considero esta iniciativa do RN Sustentável muito boa e  espero que sejam analisadas as particularidades de cada comunidade. O que serve para uma, não serve para todas”, afirmou. 
NOVO JORNAL, 28-12-2014
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Portalegre é uma serra e o regime de chuvas não é idêntico ao "sertão seco", assim Ubirajara e os demais quilombolas não vivem no meio da caatinga escaldante.

Ubirajara descreve com precisão a situação de abandono vivenciada pelas comunidades e a necessidade premente dos jovens migrarem em busca de oportunidades.

Para Ubirajara a partida dos mais jovens é vista como algo bom por que a "valorização" que tantos falam quando se tem em perspectiva captar alguma verba é só um trololó com prazo de validade conhecido. 

Tem verba? Tem. Então tem valorização. Acabou a verba? Então é bom os jovens procurarem um rumo. Essa é a visão imediatista e oportunista daqueles que só se interessam mesmo pelas verbas repassadas a fundo perdido. E bota fundo perdido nisso...

Ubirajara enxerga a realidade e tem razão, mas infelizmente sua voz só é ouvida em momentos específicos.

E tem mais: diferentemente do que supõe um trecho da matéria, nem a sua vida e nem de outros mudará por obra do RN Sustentável. Isso é uma falácia que alguns insistem em "comprar" como verdade. Não é assim. 

Para não radicalizar vou deixar uma margem de erro no que escrevo: 95% dos projetos de geração de emprego e renda realizados em Portalegre fracassaram. A realidade em outros municípios não é muito diferente.

O RN Sustentável, em sua fase inicial, não beneficiará a comunidade quilombola do Sítio Pêga, provavelmente, a mais emblemática que existe no RN. Antes de quaisquer aportes de recursos para a comunidade é preciso realizar uma "consultoria" para organizá-los, prepará-los...

Imaginem a "valorização e o reconhecimento" que as comunidades têm merecido. Imaginem o tamanho do "sucesso" do que já foi realizado.

Afirmar que o desejo de Ubirajara (permanência dos jovens e retorno dos que partiram) começa a ganhar ares de realidade é algo completamente desprovido de lógica.

A agricultura de subsistência, descapitalizada e cada vez mais decadente é a realidade com a qual Ubirajara se depara todos os dias e a distância de algo que se possa nominar de Desenvolvimento Sustentável é gigantesca.

A publicação informa que Ubirajara deve ficar tranquilo. Caso pudesse dizer algo a Ubirajara e aos demais, diria: REVOLTEM-SE!

"AS AMÉLIAS"
Artesanato de tecidos: Qual é a renda gerada para as artesãs? Quantas se dedicam a atividade? Qual é a produção atual? Onde é comercializada? E as perspectivas após o aporte de recursos?

A fabricação de peças íntimas será subsidiária ou concorrerá com a "atividade tradicional"? Os canais de comercialização para o artesanato e as peças íntimas serão os mesmos? Existem fornecedores, com preços competitivos, das matérias primas no município?

Desejo que a fábrica de calcinha das "Amélias" seja um sucesso, mas as experiências anteriores com o artesanato de "fuxico" e as desaparecidas "Caminhos da Arte" e "ACRIGER" parecem que não deixaram grandes ensinamentos.

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