sábado, 11 de fevereiro de 2012

Nem Davos nem Porto Alegre


DAVOS - Jamais, nos 21 anos que acompanho os encontros do Fórum de Davos, o seu público principal - a nata do capitalismo global - esteve sob tão forte crítica. Antes, as críticas podiam até ser mais violentas, mas vinham fundamentalmente dos anti-capitalistas.

Agora, os próprios adeptos do capitalismo estão carregados de dúvidas, de que dá prova irrefutável recente artigo de Francis Fukuyama para a revista Foreign Affairs, no qual diz que "a corrente forma de capitalismo globalizado está erodindo a base social da classe média na qual se assenta a democracia liberal".

Sim, Fukuyama é aquele sociólogo que, 20 anos atrás, decretou o fim da história, com a vitória para todo o sempre da combinação economia de mercado/democracia liberal. O artigo de Fukuyama, sintomaticamente, chama-se "O Futuro da História", o que equivale a dizer que a vitória dessa dupla mágica pode não ser para sempre.

Bom, voltemos a Davos: nem as dúvidas de seus próprios adeptos nem o movimento dos indignados em diferentes países nem as tentativas de "ocupar Wall Street" ou outros símbolos do capitalismo - nada disso provocou uma auto-crítica do povo de Davos, que parece ser a representação daquele 1% que controla o mundo, em detrimento dos 99% restantes, para usar a criativa palavra de ordem dos "ocupantes" de Wall Street.

Aliás, houve um "ocupe WEF" (sigla em inglês para Fórum Econômico Mundial) na própria Davos. Fracasso total: havia mais ativistas (e eram poucos) do que público para ouvi-los.

Não que a tropa do 1% seja completamente cega. Falemos de apenas um deles, David Rubenstein, executivo do Grupo Carlyle (gerencia cerca de US$ 153 bilhões em ativos, algo que os 99% jamais verão nem que vivam 100 anos). Em um debate precisamente sobre a crise do capitalismo, Rubenstein admitiu candidamente que o capitalismo não resolve todos os problemas.

"Não resolveu, por exemplo, o problema da desigualdade", disse. Poderia ter sido ainda mais cândido para afirmar que, na verdade, a forma atual de capitalismo agravou o problema da desigualdade, seja na sua pátria-mãe, os Estados Unidos, seja na emergente China, a capital do que a revista "The Economist" chamou de capitalismo de Estado.

Mas Rubenstein e seus pares de Davos estão longe de pensar em cortar os pulsos por causa disso. Ao contrário, o executivo do grupo Carlyle refugia-se em uma paráfrase de Winston Churchill, aquele para quem a democracia era o pior dos regimes, fora todos os outros. Para Rubenstein, "o capitalismo é o pior dos regimes fora os outros".

Se é ou não, é uma questão em aberto. Mas parece evidente que o comodismo da tribo de Davos se deve menos aos méritos do capitalismo e mais à ausência de uma alternativa.

Mas Porto Alegre, nem com Dilma, conecta-se com os 99%

O contraponto a Davos, o Fórum Social Mundial, que voltou a se reunir este ano em Porto Alegre, sua capital original, chegou a uma "crise de identidade", na avaliação de Bernardo Mello Franco, da "Folha de S. Paulo", um dos melhores repórteres da nova geração.

Não é apenas uma avaliação pessoal. Eis o relato de Mello Franco na "Folha" de domingo:

"Um dos idealizadores do fórum, o ativista Chico Whitaker expôs o desconforto na sexta-feira, em desabafo que surpreendeu a plateia acostumada com discursos empolgados sobre a derrocada iminente do capitalismo.

Ele disse que o encontro não conseguiu se conectar a novos fenômenos como os movimentos de "indignados", que passaram a ocupar ruas na Europa e nos EUA.

'Temos que mudar de estratégia. Hoje concordamos em tudo e saímos daqui satisfeitos com nós mesmos. Precisamos inventar uma maneira de começar a falar com os 99% que estão insatisfeitos', disse Whitaker.

É uma cruel - e triste ironia - que um dos mais lúcidos líderes da tribo de Porto Alegre tenha chegado a uma conclusão muito parecida com a que David Ignatius, colunista do "Washington Post" extraiu da tribo oposta, a de Davos: "Na medida em que as elites se tornaram mais bem conectadas [entre elas], o ressentimento contra elas parece ter crescido nas suas terras, fornecendo combustível para o descontentamento".

Resumo da história: Porto Alegre e Davos falam cada um para si mesmo, e os 99% ficam soltos no espaço, "indignados".

É um triste retrato da elite e da contra-elite.

Por: Clovis Rossi

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