terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O FINANCIAMENTO DO SUS PARTE I


A questão do financiamento tem sido, ao longo dessa década de implantação do SUS, um dos temas mais candentes na agenda de construção do SUS. Durante a década dos noventa, a crise do financiamento se expressou através de montantes insuficientes, irregularidade dos fluxos financeiros, necessidade de superar formas e critérios de repasse que não contemplavam a equidade como princípio orientador.

A contradição entre o modelo econômico brasileiro e a proposta de construção do SUS refletiu-se, nesses dez anos, na dificuldade de obter formas estáveis e montantes suficientes para o financiamento do sistema público de saúde, em constante atrito com a expansão de um sistema privado dirigido pela lógica excludente de mercado, coerente com o modelo de desenvolvimento hegemônico no Brasil.

No entanto, os participantes da Conferência reconhecem que algumas conquistas importantes foram alcançadas, como resultado das intensas mobilizações e forte pressão política exercida sobre a União e o Congresso Nacional. A criação da CPMF, ainda que operando como fonte substitutiva, permitiu a regularização do fluxo dos recursos ao longo dos exercícios financeiros. A instituição do Piso de Atenção Básica permitiu o repasse fundo a fundo de recursos destinados às ações e serviços básicos, com critérios assentados em bases populacionais, introduzindo um importante elemento de redução de desigualdades na distribuição dos recursos federais e permitindo aos gestores iniciar um processo de reorganização da rede de serviços.

E, no ano 2000, a conquista da aprovação da Emenda Constitucional 29/2000, ainda que não represente a forma ideal desejada pelo setor, cria horizontes mais favoráveis quanto aos montantes destinados à saúde e coloca desafios para o controle social quanto ao melhor e mais adequado destino dos recursos acrescidos. As principais restrições à EC29/00 estão associadas ao fato de não vir acompanhada de uma regulamentação imediata que garanta um significativo aumento dos recursos na área da saúde, principalmente pelas indefinições sobre o que será admitido como gastos em ações e serviços de saúde.

Além disso, é preciso garantir formas efetivas de que os recursos adicionais ajudem a constituir a garantia do acesso, da qualidade e da humanização da atenção e o aumento da equidade. Também é preciso que seja formulado um Projeto de Lei que contemple, a partir de 2004, a conformação de um novo patamar de financiamento para a saúde. Por outro lado, a aprovação da EC 29 abre uma etapa de luta nos municípios e estados, para que de fato se cumpra o comprometimento de recursos previstos na área da saúde.

Para os participantes desta CNS, não obstante, existem restrições inexplicáveis ao orçamento da saúde. O Conselho Nacional de Saúde aponta que a arrecadação da União cresceu 80% entre 1995 e 1999. Se a proporcionalidade de distribuição das receitas tivesse sido mantida, o orçamento da saúde teria chegado a 38 bilhões de reais no ano 2000, ao invés dos 22 bilhões observados. Isso não ocorre, entre outros fatores, porque 44% do orçamento da União são destinados ao pagamento de juros e amortização da dívida externa. O Governo Federal tem reduzido a destinação de recursos das contribuições sociais à saúde. O ingresso dos recursos originados da CPMF não aumentou o volume de recursos para a saúde, o que a caracterizou como fonte substitutiva. Além disso, tem havido crescente utilização de recursos federais no financiamento de serviços privados, com o repasse para cooperativas, organizações sociais e outras formas de prestadores privados, sem controle social.

Projetos e programas verticais prevendo focalização de clientela e fornecimento de cardápios fixos de procedimentos básicos têm sido utilizados para equalizar os gastos, em detrimento dos princípios e diretrizes do SUS. O financiamento da assistência farmacêutica básica tem sido insuficiente e os municípios tem tido dificuldades de acesso à esses recursos. Os recursos repassados através do Piso da Atenção Básica não tem sido suficientes para atender às necessidades de Estados e Municípios. O custo da Atenção Básica, incluindo vacinas, varia nas diferentes regiões, o que não tem sido levado em consideração ao fixar valores per-capita.

Recursos de fontes adicionais, que poderiam ser incorporados ao SUS, continuam privatizados, como as verbas do Seguro Obrigatório dos Veículos, dos Seguros de Transporte de Cargas e Passageiros e os recursos para atenção de urgências embutidos nos valores dos Pedágios das Estradas. Desse modo, os municípios prestadores de atendimento aos acidentados não tem tido acesso a essas verbas. Existe ainda, a ameaça de privatização dos recursos do Seguro do Acidentado do Trabalho, e conseqüente perda pelo setor público das verbas dele oriundas.

Não há efetivo compromisso com a destinação mínima dos recursos pelos três níveis de governo, mormente dos governos estaduais, que, em alguns casos, recebem repasse de recursos da União mas não os transferem aos municípios. Os Estados, com poucas exceções, não têm repassado recursos próprios para a saúde e também não têm adotado critérios de financiamento que favoreçam a consolidação de redes municipais e regionais de serviços, principalmente em relação aos procedimentos de média e alta complexidade.

Além do volume de recursos e sua destinação, os mecanismos de acompanhamento e controle dos gastos também preocupam os participantes da 11ª CNS. A discussão dos orçamentos pelos conselhos ainda não é uma realidade em todo o país e a complexidade da contabilidade pública não é acessível à maioria dos conselheiros. Os orçamentos aprovados pelos conselhos nem sempre são executados, por falta de acompanhamento efetivo, principalmente em relação à liberação dos recursos. 

Ainda há recursos executados fora dos Fundos de Saúde, contrariando as disposições legais e, em muitos Municípios, o controle dos recursos é feito pela Secretaria da Fazenda e/ou pelo chefe do executivo. Não há estruturas suficientes, nos diferentes níveis de governo, para operar mecanismos rotineiros de auditoria. Não há acompanhamento efetivo das licitações, o que permite a ocorrência de superfaturamentos e desvios. As emendas parlamentares aos orçamentos federal e estadual não contemplam as prioridades definidas nos planos de saúde e planos plurianuais de investimento.

A forma fragmentada de transferência dos recursos federais - tabelas de produção, programas verticalizados e atividades rigidamente estabelecidas (tuberculose, DST-AIDS, Hanseníase, frações de média e alta complexidade, etc.) - impede a democratização da discussão sobre o uso dos recursos alocados aos fundos de saúde. A maior parte das verbas chega "carimbada", dificultando a adequação de seu uso para atender aos problemas específicos dos municípios. Embora se reconheça que a livre aplicação de recursos implica no risco de desvio, isso não justifica ferir a autonomia dos municípios.

Os participantes da 11ª CNS denunciam, também, a ausência de critérios adequados para a transferência de recursos da vigilância epidemiológica pela FUNASA. Os critérios baseados apenas na população não servem para definir a alocação de recursos para vigilância epidemiológica. Em que pesem tais dificuldades, consideram que a FUNASA tem colaborado para a solução de diversos problemas ligados à questão de controle de endemias.
 
Além disso, permanece a alocação de recursos públicos do orçamento federal, fora do SUS, dirigidos para a prestação de serviços não universalizados, tal como no atendimento oferecido às Forças Armadas. 

Salienta-se ainda o tratamento diferenciado do governo federal às chamadas "organizações sociais", do tipo da Fundação Associação das Pioneiras Sociais, que recebem, proporcionalmente, mais recursos que a rede própria do SUS. O SUS também atende a usuários de Planos e Seguros Privados de Saúde sem o devido ressarcimento. Os prestadores conveniados e contratados geram um duplo pagamento pelas urgências e emergências, ao receber do SUS e dos Planos e Serviços Privados.

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