terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O FINANCIAMENTO DO SUS PARTE II



O SUS é o grande empregador dos trabalhadores de saúde, tanto no setor público como no privado credenciado. A política de recursos humanos é, hoje, o maior problema para a gestão do SUS nos municípios. 

No entanto, os temas da Conferência, Humanização e Acesso, acabaram por favorecer uma polarização usuários versus trabalhadores de saúde, que desviou a atenção da discussão substantiva: a irresponsável política de governo no campo dos Recursos Humanos – uma das facetas do processo de desmonte do Estado brasileiro. Se, de um lado, os profissionais de saúde não são responsáveis pelo caos em que se encontra o SUS, por outro a população é punida pela política vigente dos Recursos Humanos no SUS. A dificuldade do debate se evidencia pela demora na elaboração da NOB de Recursos Humanos, deliberada na Xª CNS, em 1996, e que se encontra em sua terceira versão, carregada de polêmicas.

Na questão dos recursos humanos, soma-se à falta de vagas para algumas categorias a impossibilidade de preenchimento em outras, por falta de atrativos econômicos e/ou locacionais, como acontece com a categoria médica. Apesar da necessidade de profissionais com visão de saúde pública, não se remunera nem se estimula a formação dos mesmos. A valorização das carreiras generalistas não tem acontecido. 

A falta de humanização do atendimento decorre, ainda, da falta de recursos que possam sensibilizar, motivar e capacitar os trabalhadores de saúde. É também apontada a ausência de políticas que estimulem a permanência do profissional no interior do país, com concentração dos mesmos nas áreas mais urbanizadas.

As múltiplas jornadas e responsabilidades, a carga horária dos profissionais, dificultam e reduzem a qualidade do trabalho e a qualidade da atenção, sendo necessária uma mudança das condições de trabalho do profissional de saúde. Critérios de seleção por outras vias que não o concurso público favorecem apadrinhamentos. A carga horária imposta não permite atendimento digno. O trabalhador precisa de tranqüilidade, e hoje necessita de vários empregos para sobreviver. Deve-se lembrar que o profissional de saúde também é humano: profissional estressado não faz atendimento humanizado. A conseqüência é que o profissional de saúde não cumpre o horário e falta em demasia ao trabalho.

Em muitos municípios há aumento dos contratos temporários, cooperativas e outras formas de organização e contratação. Esta situação é estimulada por limitações impostas pelas Leis Camata e a de Responsabilidade Fiscal, que se tornam grandes obstáculos à implementação do PCCS. A fixação dos profissionais nos sistemas locais de saúde, tanto na área de atenção (ponta), quanto na administração dos programas (meio), é precária, o que dificulta a constituição e sustentação de equipes de trabalho que mantenham tais programas ao longo do tempo e favorece o desvio de recursos humanos para outras áreas. Cargos de confiança são ocupados por profissionais pouco ou nada qualificados. A diferenciação de vínculos entre os trabalhadores de saúde – CLT, estatutário, terceirizados, cedidos, cooperativados – prejudica a interação entre os servidores e contribui para o desgaste enfrentado pelos gestores. O equívoco da aprovação de lei federal que define duplicidade de vínculos para todas as categorias virá agravar esse quadro. 

Os baixos salários e a disparidade salarial entre os trabalhadores que ocupam o mesmo cargo nos três níveis do governo acarretam falta de motivação dos profissionais de saúde. O profissional médico recusa-se a trabalhar pelos valores de remuneração do SUS, forçando a clientela a buscar assistência privada.

Existe forte indefinição quanto à posição do Agente Comunitário de Saúde na organização de RH do SUS, exigindo uma decisão política não apenas do Ministério da Saúde, mas também do Ministério do Trabalho, em resposta às demandas e à mobilização desses trabalhadores.

Nesse contexto, a relação dos profissionais com os serviços é marcada pela falta de compromisso, embora existam profissionais comprometidos. O médico se forma e não tem nenhum compromisso com a população ou com a sociedade, que é quem investe nessa formação. Uma situação ética e administrativamente inaceitável é a dos anestesistas, ao exigir duplo pagamento, do SUS e do usuário, que não pode se defender no momento de fragilização pela necessidade de uma intervenção cirúrgica.

É necessário exercer maior controle social sobre a relações de trabalho, sobre as condições de trabalho e sobre a estabilidade do vínculo trabalhista, de modo a favorecer o compromisso dos trabalhadores da saúde, superando a cultura de culpabilização do gestor e do médico pelos problemas do sistema.

Garantir a igualdade e a qualidade da atenção à saúde exige novos processos de trabalho e melhoria das condições de trabalho, com salário justo, revertendo o modelo proposto pelo governo federal que tem provocado a desvalorização do salário dos servidores públicos, há mais de 6 anos sem reajuste salarial.


A educação na área da saúde nunca foi tão enfatizada e não se trata mais de formar pessoal competente tecnicamente, mas profissionais que tenham vivido e refletido sobre o acesso universal, a qualidade e humanização na atenção à saúde, com controle social. Os participantes da 11ª CNS entendem que a formação dos profissionais não está orientada, hoje, para o atendimento da população usuária do SUS. Há deficiência técnica e ética na formação do profissional que chega ao serviço, que precisa ser melhor preparado quanto à humanização.

O Ministério da Educação precisa adequar o currículo das escolas de profissionais de saúde, incluindo como prioridade as ações de atenção básica. Os profissionais são, hoje, formados para uso intensivo de tecnologia médica e para a especialização, o que não é um perfil adequado para o SUS. Esta lógica estimula o abuso do diagnóstico armado, em detrimento da avaliação clínica do paciente, dando origem a um número enorme de exames subsidiários, agravando a busca e a espera da clientela, dificultando o acesso. Não há, também, uma política adequada de formação de profissionais de nível médio.

As universidades não estão cumprindo o seu papel na formação de profissionais comprometidos com o SUS e com o Controle Social. A formação dos trabalhadores da saúde não se orienta pela leitura das necessidades sociais em saúde. É conduzida sem debate com os organismos de gestão e de participação social do SUS, resultando em autonomização do Ministério da Educação, das Universidades e das Sociedades de Especialistas nas decisões relativas às quantidades e características políticas e técnicas dos profissionais de saúde a serem formados. Dessa forma, se cristalizam barreiras para o SUS exercer o seu preceito constitucional de ordenar os recursos humanos para o Sistema e persistem as inadequações dos profissionais para sua implantação e desenvolvimento efetivos, resultando em dificuldades para as práticas integrais de atenção, queda da qualidade dos serviços de saúde e interiorização de recursos humanos.

Há ausência da academia nos processos de formação, re-qualificação e capacitação dos RH para a nova realidade e modelos de gestão. Essa falta de qualificação profissional desmotiva e desgasta física e emocionalmente, acarreta dificuldades de relacionamento e impede a coesão das equipes de saúde e resulta na execução das tarefas sem planejamento, exigindo uma política de Educação continuada aos profissionais.

O CONASEMS e o CONASS tem atuado pouco na melhoria do trabalho e da atuação dos gestores estaduais e municipais e o resultado tem sido a baixa capacitação dos gestores.

É preciso, também, criar mecanismos de absorção dos profissionais que saem das universidades e vão para o setor público para ganhar experiência, deslocando-se, posteriormente, para a rede privada.

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