O ambiente é de tensão e suspense; o caldeirão de boatos ferve e
produz insinuações de todos os gostos. Mas, a leitura atenta da mídia,
onde tudo é fragmentado, permite ainda assim juntar cacos: nem os
partidos sabem ao certo onde tudo isso vai dar; o que parece certo é que
há conluios entre contraventores e autoridades, corrupção atrelada a
financiamentos de campanhas; crime organizado associado à política. E ao
mesmo tempo, há também oportunismo de todos os tipos. Muitas zonas de
sombra e pouca luz. O clichê é inevitável: a CPMI “do Cachoeira” pode
dar em tudo, inclusive, nada.
Não porque CPIs terminem invariavelmente em pizza. Ao contrário do
que se imagina, elas apuram e sugerem medidas, que é o limite de seu
papel. Não raro, vão além das expectativas; implicam envolvidos e
encaminham propostas a quem de direito. À exceção da “CPI do Banestado” —
que terminou sem sequer um relatório –, CPIs como “PC Farias”, “Anões” e
“Correios” começaram desacreditas, mas ao final e a cabo significaram
mudança. E se ninguém foi para detrás das grades é menos por
responsabilidade dos parlamentares que do Ministério Público ou
Judiciário.
No entanto, o que torna esta CPI mais imprevisível é a complexa teia
de interesses e relacionamentos nela abrigados; a variedade de atores,
poderes e personagens supostamente envolvidos. As denúncias que “pingam”
na imprensa apontam para esquemas muito maiores que “malfeitos” ou
“relações perigosas” entre parlamentares falsamente moralistas e
contraventores; entre governos e empreiteiras. As goteiras indicam a
existência de um manancial de práticas políticas escusas,
sistematicamente mapeado ao longo de anos pelas operações Monte Carlo e
Las Vegas, baseadas em sofisticadíssimos métodos de investigação e em
aparelhagem ultramoderna, como é o caso do “Guardião” – a super escuta
utilizada pela PF.
De modo que, algo relativamente inédito nesta CPI, a investigação já
está quase toda feita; tanto a Polícia Federal quanto o Ministério
Público já avançaram em seus campos; as investigações partiram dali. A
mina de onde brotam as denúncias está repleta, portanto; é moderna,
profissional, meticulosa e detalhista – nada a ver com parlamentares
travestidos de “Inspetores Clouseau”. Ao Congresso restará o papel de
transformar (ou não) isso tudo em escândalo. E isto não será
necessariamente ruim, para a sociedade.
O que hoje se encontra protegido por segredos de justiça, nas mãos
dos políticos se transformará em munição pesada para todo tipo de
disputa, pressão, negociação de interesses paralelos, muitos
inconciliáveis — viva os “interesses inconciliáveis”! As goteiras tendem
a se tornar cachoeiras e mais à frente, na contradição de disputas e
desafetos, podem se converter em tsunamis. Haverá controle?
Provavelmente, não. O governo não demonstra nem coordenação nem
habilidade para dirigir o processo e sufocar essas disputas. Sua base é
até mais contraditória entre si do que em relação à oposição. Ademais,
há uma miríade de sites, blogs e redes sociais que disputarão o “furo” e
a primazia pela revelação de imoralidades. Nesse ambiente, colher
informações será fácil; contê-las tende a ser praticamente impossível.
Na época da “CPI do PC”, sequer Internet existia.
Possibilidades de acordos e conchavos existem, é claro. Mas,
dificilmente se dará internamente, nesse ambiente confuso e
comprometido. Vetos cruzados, munição trocada, podem conter o tiroteio,
mas basta que um “desavisado” qualquer se empolgue e resolva ser
consequente com o “doa a quem doer”, assinalado por Lula; ou “o Brasil
cansou”, registrado por FHC.
Mais provável, é que o milagre da conciliação, se houver, se dê pelas
mãos de advogados, operadores externos ao sistema político, experientes
e tarimbados. E também muito bem pagos.
Deixando os impasses da CPI, passamos ao mais recente DataFolha. A
pesquisa não só confirma que Dilma bate recordes de popularidade, como
também que o ex-presidente Lula é, aos olhos de hoje, favorito para a
disputa de 2014. O quadro não expressa novidade: que Dilma – por motivos
diversos – vinha bem não surpreende ninguém. Menos ainda é de admirar
que Lula, em curto período, voltasse a frequentar a lista da qual, na
verdade, nunca esteve de fora.
Desde os primeiros movimentos de viabilização do nome Dilma, era
possível supor que na estratégia do ex-presidente coubesse a hipótese de
levantar-se, dar uma volta e sentar-se, novamente, na mesma cadeira.
Quem não se deixou cegar pela tese estapafúrdia do “terceiro mandato”
percebia que a hipótese, desde a concepção da sucessora, esteve o tempo
todo no baralho. “Queremismo” revisitado, qual o “Queremos Getúlio”, de
1950.
O destino e a doença, no entanto, tornaram esse quadro ao mesmo tempo
menos previsível e mais dramático. Menos previsível porque, com
afastamento de Lula, o sistema político ficou mais indócil, confuso e
desorganizado; as guerras na base se estabeleceram e interesses antes
periféricos começaram a se deslocar para o centro. O maior exemplo é a
desenvoltura com que hoje o governador de Pernambuco frequenta as
articulações de 2014. Mais dramático porque, afinal, não há nada de
maior apelo político-emocional do que o enfrentamento de um câncer. Após
superá-lo, Lula não apenas é a grande liderança que deixou o poder há
pouco mais de um ano, como também assume ares de semideus; quem sabe,
Santo.
Claro, Dilma é a primeira da fila, a titular. Mas, continuará sendo
apenas na medida em que Lula precise ou possa continuar no banco. Se o
time estiver ganhando, não se mexe; não carecerá substituição. De todo
modo, já se disse isto, será “um Pelé no banco”.
O quadro é mais uma “flechada em São Sebastião” para uma oposição já
combalida, rachada e sitiada em seu próprio labirinto. Há quem aponte,
sem exageros, que a oposição está na UTI. O PSDB, consumido por disputas
internas parece madeira que cupim comeu; esfarela-se. O DEM… Bem, o DEM
demorará a superar o trauma Demóstenes, se é que superará. Times de
futebol e amores se desfazem, por que com partidos seria diferente?
Saídas, alternativas? Difícil dizer; forjar um novo discurso,
colocá-lo na boca de um candidato e viabilizar esse candidato, aos olhos
de hoje, não é coisa simples. Sobretudo, considerando as condições
gerais do País, do lulismo e da própria oposição. Claro, aos olhos de
2014, pode ser diferente. Mas, não se constrói isso tudo do dia para
noite. Ex-post é fácil, mas a construção dessa candidatura deveria ter
se dado já em 2010; ter-se-ia ganho quatro anos. Uma leitura incorreta
do processo – mais uma – fez a história que todos conhecemos.
Agora, além de contar com a sorte própria, os oposicionistas terão
que torcer por tropeções do governo e, pior, percalços no caminho do
País. Assumir o papel do quanto pior melhor é desgastante; afinal,
ninguém torce pelo palhaço cuja alegria é ver o circo pegar fogo.
Mais que na UTI, a oposição parece desencarnar. Só mesmo um “Jesus
Cristo” como que a gritar: “Lázaro, levanta-te e anda!” para que o corpo
reaja. Jesus Cristo baixar à terra é questão de crença. Difícil mesmo é
“Lázaro” escutar; Lázaro tem mania de ouvir apenas o que quer!
*Carlos Melo é cientista político e professor do Insper. Autor de
“Collor, o ator e suas circunstâncias”, escreve quinzenalmente para o
AE News.
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