O que se está conhecendo a respeito do submundo em que transitam empresários, políticos, juízes, policiais e jornalistas é apenas uma amostragem
Cada crime tem suas circunstâncias e seus culpados. Cada
julgamento é específico, na justiça não há julgamento pelo conjunto da
obra, mas por fatos determinados e individualizados. Na política é
diferente, não há tanta preocupação com as provas e sua legitimidade,
nem com filigranas e chicanas que substituem a essência pelo acessório. A
diferença é que no julgamento pelos tribunais os acusados podem ser
presos, perder direitos e ter de ressarcir o Estado. Nos julgamentos
políticos, podem perder mandatos eletivos e empregos, mas de modo geral o
mal maior é a imagem negativa que fica após o processo.
Antes mesmo dos julgamentos jurídicos e políticos, a CPI do Cachoeira
já provoca situações nada confortáveis para vários personagens. O
julgamento informal, pela chamada opinião pública, já começou. Entre os
suspeitos de, no mínimo, malfeitos, já estão empresários, executivos,
parlamentares, governadores, juízes, procuradores, assessores, policiais
e jornalistas, entre outros. A lista é muito grande, mas nem todos
serão processados e julgados, ou por serem mesmo inocentes ou por serem
poderosos demais. A CPI vai julgá-los politicamente, nos limites de uma
investigação parlamentar ditada por conveniências políticas e pela
correlação de forças no Congresso. A Justiça vai julgá-los sabe lá
quando, se é que vai, dependendo também de interesses do Ministério
Público e da disposição de juízes.
As consequências da operação da Polícia Federal que tem seu centro no
empresário Carlos Cachoeira, dono de negócios lícitos e ilícitos, são
os temas do momento. Mas o que a opinião pública está conhecendo a
respeito do submundo em que transitam empresários, políticos, juízes,
policiais e jornalistas, entre outros, é apenas uma pequena parte do que
realmente acontece. Ou melhor, uma amostragem.
Cachoeira não é o único empresário dono de negócios ilegais, nem que
tem políticos e juízes nas mãos. A Delta não é a única empresa que ganha
contratos e cresceu à custa da corrupção de homens públicos. Demóstenes
Torres não é o único congressista que faz lobby para empresários e
recebe dinheiro deles. Gilmar Mendes não é o único juiz cujas decisões
em benefício de empresários são consideradas suspeitas. Roberto Gurgel
não é o único procurador que engaveta investigações. Sérgio Cabral não é
o único governador que confraterniza – ridiculamente, diga-se -- com
empresários que seu estado contrata em situações duvidosas. O Palácio
das Esmeraldas, em Goiânia, não é o único em que chegam envelopes
recheados de dólares ou reais. Policarpo Júnior não é o único jornalista
que circula em meio a criminosos e a Veja não é o único veículo que
subordina a ética do jornalismo a seus interesses político-ideológicos e
empresariais – embora seja o que há de mais aperfeiçoado nesse sentido.
O fato de serem os fatos e personagens apenas uma amostra do que
acontece no país não isenta ninguém da culpa, se comprovada. O
desvendamento desta amplíssima rede de corrupção é positivo para o
Brasil e tem mesmo a função pedagógica de mostrar aos brasileiros como
funciona o mundo real que nem sempre aparece na imprensa. As pessoas
estão, aos poucos, tomando consciência de que as coisas não são como
parecem ser, que o que vemos a olho nu é apenas a ponta do iceberg.
A opinião pública já está julgando, mas nem todo aparente culpado é
culpado e nem todo aparente inocente é inocente. O ideal é que
tivéssemos instituições políticas e judiciais que fizessem o julgamento
com imparcialidade, seriedade e livres de pressões – inclusive da
opinião pública --, não tão rapidamente que leve a injustiças nem tão
lentamente que leve à impunidade. Infelizmente, não temos. Olhando para
trás, vemos isso com clareza: quantos culpados sem punição, quantos
inocentes condenados apenas pela opinião pública. E a corrução seguindo
impávida.
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